INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

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INTRODUC ¸ ˜ AO ` A GEOMETRIA ALG ´ EBRICA Martino Garonzi Universidade de Bras´ ılia Segundo semestre 2016 1

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INTRODUCAO A GEOMETRIA ALGEBRICA

Martino Garonzi

Universidade de Brasılia

Segundo semestre 2016

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Conteudo

Capıtulo 1. Categorias 51. Categorias 52. Propriedades universais 93. Funtorialidade 134. Lema de Yoneda (e exemplos) 165. Coprodutos 19

Capıtulo 2. Geometria algebrica classica 251. Conjuntos algebricos afins 252. Topologia de Zariski 283. Irredutibilidade e outras propriedades topologicas 314. Nullstellensatz: o teorema dos zeros de Hilbert 345. Morfismos 376. Equivalencia 1: Conjuntos Afins e k-Algebras Finitamente

Geradas Reduzidas 407. Espaco projetivo 428. Nullstellensatz projetivo 469. Variedades afins 4910. Equivalencia 2: Variedades afins e conjuntos afins 5211. Stalk (Espiga) 5412. Espaco tangente 5813. Curvas regulares 61

Capıtulo 3. Geometria algebrica moderna 651. Esquemas 652. Equivalencia 3: Aneis e Esquemas Afins 693. Specmax 72

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CAPıTULO 1

Categorias

1. Categorias

Definicao (Categoria). Uma categoria C consiste em:

• Uma classe de objetos Ob(C ).• Para todo A,B ∈ Ob(C ), um conjunto HomC (A,B). Os seus ele-

mentos sao ditos “morfismos” entre A e B e um morfismo f entre

A e B e indicado com f : A→ B ou com Af // B .

• Para todo A,B,C ∈ Ob(C ), uma funcao

◦ : HomC (B,C)×HomC (A,B) // HomC (A,C)

dita composicao.

e e tal que:

• A composicao entre morfismos e associativa, em outras palavras,

para todo A,B,C,D ∈ Ob(C ), e para todo Af // B , B

g // C ,

Ch // D , temos (h ◦ g) ◦ f = h ◦ (g ◦ f).

• Para todo A ∈ Ob(C ) existe 1A ∈ HomC (A,A) tal que para todo

Af // B e para todo C

g // A temos f ◦ 1A = f e 1A ◦ g = g.

Para mim “anel” significa anel com unidade (anel unitario).Exemplo: As seguintes, como a intuicao sugere, sao categorias:

• Set. Os objetos sao os conjuntos, os morfismos sao as funcoes entreconjuntos.• Gp. Os objetos sao os grupos, os morfismos sao os homomorfismos

entre grupos.• AbGp. Os objetos sao os grupos abelianos, os morfismos sao os

homomorfismos entre grupos.• An. Os objetos sao os aneis (com unidade), os morfismos sao os

homomorfismos entre aneis.• AnComm. Os objetos sao os aneis comutativos (com unidade), os

morfismos sao os homomorfismos entre aneis.• Mod-A, onde A e um anel. Os objetos sao os A-modulos direitos,

os morfismos sao os homomorfismos entre A-modulos direitos.• A-Mod, A-modulos esquerdos. Veja o caso anterior. Se A for co-

mutativo A-Mod = Mod-A.

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6 1. CATEGORIAS

• Vect-k=Mod-k=k-Mod, onde k e un corpo. k-espacos vetoriais.• Top, espacos topologicos. Os objetos sao os espacos topologicos, os

morfismos sao as funcoes continuas.• A-AlgComm. A-algebras comutativas, onde A e um anel comuta-

tivo. Uma A-algebra comutativa e um anel comutativo B com umhomomorfismo de aneis (estrutural) ϕ : A → B. Tal homomor-fismo induz um produto por escalar a∗ b := ϕ(a)b para todo a ∈ A,b ∈ B, que e compatıvel com a operacao de multiplicacao em B (nosentido que a ∗ (bc) = (a ∗ b)c = b(a ∗ c) para todo a ∈ A, b, c ∈ B).Um morfismo de A-algebras comutativas f : A→ B e g : A→ C eum homomorfismo de aneis h : B → C tal que h ◦ f = g.

Em geral se A e um anel comutativo uma A-algebra e um anelB com um homomorfismo de aneis (estrutural) ϕ : A → B talque ϕ(a)b = bϕ(a) para todo a ∈ A, b ∈ B (em outras palavras,ϕ(A) ⊆ Z(B) - onde Z(B) e o centro de B, isto e, Z(B) = {x ∈ B :

xb = bx ∀b ∈ B}). E facil deduzir a condicao de compatibilidadea ∗ (bc) = (a ∗ b)c = b(a ∗ c) para todo a ∈ A, b, c ∈ B

Observe que Z-Mod = Mod-Z = AbGp. De fato todo Z-modulo e umgrupo abeliano (aditivo) e todo grupo abeliano tem uma unica estrutura deZ-modulo: se G e um grupo abeliano (aditivo) e n ∈ Z a multiplicacao porescalar ng e definida da unica maneira possıvel (compatıvel com a operacaoem G), isto e, ng = g+g+. . .+g (n vezes) se n > 0, 0g = 0 e ng = (−n)(−g)se n < 0.

Definicao (Subcategorias). Dada uma categoria C , uma categoria De dita subcategoria de C se Ob(D) ⊆ Ob(C ), para todo A,B ∈ Ob(D),HomD(A,B) ⊆ HomC (A,B), e a composicao e obtida restringindo a D acomposicao em C . Uma subcategoria D de C e dita inteira se para todoA,B ∈ Ob(D), HomD(A,B) = HomC (A,B).

Por exemplo AbGp e subcategoria inteira de Gp, AnComm e subcate-goria inteira de An (os homomorfismos de grupos abelianos ou aneis co-mutativous sao homomorfismos entre eles em quanto grupos ou aneis). Ascategorias Gp, An, Top, A-Mod sao subcategorias nao inteiras de Set (naotoda funcao e homomorfismo).

Definicao (Monomorfismos, epimorfismos, isomorfismos). Um mor-fismo f : A→ B em uma categoria C e dito:

• monomorfismo (MONO) se para todo morfismo g, h : C → A emC , se f ◦ g = f ◦ h entao g = h.• epimorfismo (EPI) se para todo morfismo g, h : B → C em C ,

se g ◦ f = h ◦ f entao g = h.• isomorfismo (ISO) se existe um morfismo l : B → A em C tal

que l ◦ f = 1A e f ◦ l = 1B.

Quando dois objetos A e B de uma categoria sao isomorfos, isto e quandoexiste um isomorfismo entre eles, escrevemos A ∼= B.

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1. CATEGORIAS 7

Observe que se na categoria C os objetos sao conjuntos (com possıvelestrutura adicional) e os morfismos sao funcoes (com possıvel estrutura adi-cional) - em outras palavras, se C e uma subcategoria de Set - entao ummorfismo injetivo e sempre MONO, um morfismo sobrejetivo e sempre EPI,e um ISO e sempre bijetivo. Os vice-versas nao valem em geral, como mos-trado nos exemplos abaixo.

Exercıcio. Mostrar que na categoria Set um monomorfismo e um mor-fismo injetivo, um epimorfismo e um morfismo sobrejetivo e um isomorfismoe um morfismo que e simultaneamente monomorfismo e epimorfismo.

Observe que o que acontece em Set nao acontece em geral. Veremosagora alguns exemplos importantes, que mostram que em geral MONO+EPInao implica ISO (por outro lado ISO implica MONO+EPI, mostre isso porexercıcio).

(1) Na categoria dos aneis, a inclusao f : Z→ Q e MONO e EPI masnao e ISO.

[E claro que f e MONO (e injetiva), e que nao e ISO (nao ebijetiva), falta mostrar que f e EPI. Para isso, sejam g, h : Q→ Adois homomorfismos de aneis tais que g ◦ f = h ◦ f , em outraspalavras, g(n) = h(n) para todo n ∈ Z, e mostraremos que g = h.Seja n/m um racional. Entao g(n/m) = g(n·1/m) = g(n)g(1/m) =g(n)g(m)−1 = h(n)h(m)−1 = h(n)h(1/m) = h(n/m). Logo g = h.]

(2) Na categoria C dos espacos topologicos de Hausdorff (subcategoriainteira de Top) a inclusao Q → R (onde Q e R tem a topologianatural) e MONO e EPI mas nao e ISO.

[E claro que f e MONO (e injetiva), e que nao e ISO (nao ebijetiva), falta mostrar que f e EPI. Para isso, sejam g, h : R →X funcoes continuas tais que g ◦ f = h ◦ f , em outras palavrasg(x) = h(x) para todo x ∈ Q, e mostraremos que g = h. Suponhapor contradicao g 6= h e seja r ∈ R tal que g(r) 6= h(r). Como Xe Hausdorff existem duas vizinhanzas disjuntas U de g(r) e V deh(r) em X. Como g e h sao continuas, A = g−1(U) e B = h−1(V )sao abertos de R, e r ∈ A∩B. Assim A∩B e um aberto nao vaziode R logo existe um racional q ∈ A∩B, assim g(q) ∈ U e h(q) ∈ V .Por outro lado g(q) = h(q) por hipotese, logo g(q) = h(q) ∈ U ∩ V ,absurdo (U e V sao disjuntos).]

(3) Na categoria Top um isomorfismo e o que e normalmente chamadode “homeomorfismo” (como e facil ver). Nessa categoria um mor-fismo bijetivo nao precisa ser isomorfismo. Por exemplo a funcaof : [0, 1)→ S1 (onde S1 e o cırculo unitario em R2) que leva t para(cos(t), sin(t)) e continua e bijetiva mas nao e homeomorfismo (astopologias sao as usuais).

Otto Schreier mostrou que na categoria Gp um epimorfismo e exata-mente um morfismo sobrejetivo.

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8 1. CATEGORIAS

Definicao (Objetos iniciais, terminais, zero-objetos). Dada uma cate-goria C , um objeto A ∈ Ob(C ) e dito:

• inicial se para todo X ∈ Ob(C ), HomC (A,X) contem um unicoelemento.• terminal ou final se para todo X ∈ Ob(C ), HomC (X,A) contem

um unico elemento.• zero-objeto se e inicial e terminal. Indicamos com 0 um zero-objeto

e com 0 o unico morfismo 0 → X e tambem o unico morfismoX → 0, para todo objeto X.

Exemplo: Na categoria Set, o conjunto vazio e o unico objeto inicial (seX e um conjunto qualquer a unica funcao ∅ → X e a funcao vazia), e todoconjunto com um unico elemento e um objeto terminal (se X e um conjunto

qualquer a unica funcao X → {∗} e a funcao que leva tudo para ∗). E facilmostrar que em Set nao tem zero-objetos.

Exercıcio. Na categoria An (aneis unitarios!), o anel dos inteiros Z eum objeto inicial (a caracteristica de um anel e determinada por esse fato).

Mais exercıcios.

(1) Seja C uma categoria com as propriedades segintes: os objetos saoA e B, os morfismos sao 1A, 1B e um morfismo f : A→ B. Mostreque em C o morfismo f e MONO e EPI mas nao e ISO.

(2) Um grupo abeliano (aditivo) G e dito divisıvel se para todo g ∈G e para todo inteiro positivo n existe x ∈ G tal que nx = g(onde nx = x + x + . . . + x). Considere a categoria C dos gruposabelianos divisıveis (os objetos sao os grupos abelianos divisıveise os morfismos sao os homomorfismos de grupos) - subcategoriainteira de Gp. Mostre que nessa categoria a projecao canonicaQ→ Q/Z e MONO e EPI mas nao e ISO.

(3) Seja A um espaco topologico de Hausdorff e Q um subconjuntodenso de A. Mostre que a inclusao Q → A e EPI na categoriados espacos topologicos de Hausdorff. Isso permanece verdade nacategoria Top?

(4) Considere a categoria PSet (Conjuntos “pontados” - Pointed Sets)definida assim: os objetos sao pares (X,x) onde X e um conjuntoe x ∈ X, e um morfismo (X,x) → (Y, y) e uma funcao f : X →Y tal que f(x) = y. Identifique monomorfismos, epimorfismos eisomorfismos dessa categoria. Mostre que os objetos ({x}, x) saozero-objetos.

(5) Seja G um grupo e seja S um subconjunto de G. Considere acategoria C definida assim: os objetos sao os subgrupos de G quecontem S, e se A,B sao dois objetos, HomC (A,B) = {iA,B} seA ⊆ B (onde iA,B : A → B e a inclusao) e HomC (A,B) = ∅ seA 6⊆ B. Mostre que nessa categoria 〈S〉 (o subgrupo gerado por S) e

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2. PROPRIEDADES UNIVERSAIS 9

um objeto inicial e G e um objeto final. Identifique monomorfismos,epimorfismos e isomorfismos dessa categoria.

(6) Mostre que dois zero-objetos de uma categoria sao isomorfos pormeio de um unico isomorfismo.

2. Propriedades universais

Na categoria dos corpos de caracterıstica 0 o corpo Q e um objeto inicial.Na categoria dos corpos de caracterıstica p (primo) o corpo Fp = Z/pZ eum objeto inicial.

Vamos fazer um exemplo interessante de objetos iniciais. Se S e umconjunto, o grupo livre com base S e um grupo FS que contem S comosubconjunto e com a propriedade (universal!) seguinte: se G e um qualquergrupo e α : S → G e uma qualquer funcao entao existe um unico homo-morfismo de grupos f : FS → G tal que f |S = α. Em outras palavras seiS : S → FS e a inclusao, o diagrama seguinte comuta.

SiS //

α

��???????? FS

f~~}}}}}}}}

G

Vamos interpretar essa propriedade como sendo a propriedade de um objetoinicial. Seja C a categoria cujos objetos sao as funcoes S → G onde G e umgrupo, e cujos morfismos sao definidos da forma seguinte. Se f1 : S → G1 ef2 : S → G2 sao dois objetos, um morfismo f1 → f2 e um homomorfismo degrupos ϕ : G1 → G2 tal que o diagrama seguinte comuta.

S= //

f1��

S

f2��

G1ϕ // G2

Entao pensando um pouco e facil se convencer do fato que S → FS (ainclusao de S no grupo livre com base S) e um objeto inicial na categoriaC . Em outras palavras, dada uma qualquer funcao S → G existe um unicomorfismo de grupos “compatıvel” FS → G. Isso da, para todo grupo G, umisomorfismo (de conjuntos)

HomSet(S,G) ∼= HomGp(FS , G).

Essa ultima formulacao de propriedade universal e aquela que queremosformalizar e estudar mais.

Um outro exemplo e o seguinte. Seja A um dominio de integridade. SejaC a categoria cujos objetos sao os homomorfismos de aneis A→ K onde K

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10 1. CATEGORIAS

e um corpo. Nessa categoria um objeto inicial e o corpo de fracoes de A.Indicando ele com K(A) temos

HomAn(A,K) ∼= HomAn(K(A),K)

para todo corpo K.

Antes da proxima definicao vamos dar um outro exemplo importante decategoria. Seja P um conjunto parcialmente ordenado (um conjunto comuma relacao de ordem parcial ≤) e seja C a categoria cujos objetos sao oselementos de P (isto e, Ob(C ) = P ) e se x, y ∈ P temos

HomC (x, y) =

{{∗} se x ≤ y∅ se x 6≤ y

Se trata de uma categoria. Por exemplo considere

• P = {1, 2, 3, 4} com a relacao usual de ≤;• P = {1, 2, 3, 4} com a divisibilidade (x ≤ y se x divide y);• P = {∅, {1}, {2}, {1, 2}} com a relacao de inclusao.

Entao as categoria correspondentes sao representadas pelos diagramas se-guintes.

1%% //

�� ��>>>>>>>> 2

����������

��

ee

3 //%%4yy

1%% //

�� ��>>>>>>>> 2

��

ee

3%%

4yy

∅%% //

�� ""FFFFFFFFF {1} ll

��{2},,

// {1, 2}bb

Consegue identificar os objetos iniciais e finais? (Quando existirem). E osmonomorfismos, epimorfismos, isomorfismos?

Definicao (Funtores). Sejam C , D duas categorias. Um funtor co-variante F : C → D e uma lei que associa

• a cada A ∈ Ob(C ) um objeto F (A) ∈ Ob(D).• a cada f ∈ HomC (A,B) um morfismo F (f) ∈ HomD(F (A), F (B))

- isso induz uma funcao

HomC (A,B)→ HomD(F (A), F (B)) f 7→ F (f).

tal que

• se f : A → B e g : B → C sao morfismos em C entao F (g ◦ f) =F (g) ◦ F (f);• se A ∈ Ob(C ) entao F (1A) = 1F (A).

Um funtor contravariante F e um funtor como definido acima com aunica diferencia que F induz

HomC (A,B)→ HomD(F (B), F (A))

no nivel dos morfismos (observe que F (A) e F (B) sao trocados). A compa-tibilidade com a composicao e F (g ◦ f) = F (f) ◦ F (g)

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2. PROPRIEDADES UNIVERSAIS 11

Por exemplo, se C e uma subcategoria de D entao temos o “funtor deinclusao” F : F → D definido levando um objeto X para X e um morfismof para f (isso faz sentido por definicao de subcategoria).

Um outro exemplo importante e o funtor esquecedor (forgetful func-tor) que e um funtor que “esquece a estrutura”. Por exemplo F : Gp→ Setque leva um grupo G para G mesmo mas visto como conjunto simples, eum morfismo G1 → G2 para a funcao entre conjuntos G1 → G2. Um outroexemplo e An → AbGp que leva um anel para o mesmo anel visto comogrupo abeliano aditivo, e um morfismo de aneis para o mesmo morfismovisto como homomorfismo de grupos aditivos.

Por exemplo L : Set → Gp que leva S para L(S) = FS (o grupo livrecom base S) e um funtor. Para justificar isso precisamos especificar comoL age no nivel dos morfismos. Se f : S → T e um morfismo em Set (umafuncao) entao por composicao com a inclusao T → FT obtemos uma funcaoS → FT . Pela propriedade universal do grupo livre isso induz um unicomorfismo de grupos compatıvel FS → FT , que definimos exatamente comosendo L(f).

Um exemplo muito importante e o seguinte. Seja C uma categoria eA um objeto de C . Considere F : C → Set que leva um objeto X para oconjunto HomC (A,X) e um morfismo f : X → Y em C para o morfismo deconjuntos HomC (A,X)→ HomC (A, Y ) que leva α : A→ X para f ◦α : A→Y . Se trata de um funtor covariante. O funtor analogo X 7→ HomC (X,A)e contravariante.

A ideia dos funtores e tentar associar a um objeto X de uma categoriaum objeto F (X) de uma outra categoria esperando que seja mais facil paraestudar - e deduzir propriedades sobre X estudando F (X). Observe que Xe F (X) podem ter natureza diferente. Por exemplo X pode ser um objetotopologico e F (X) um objeto algebrico (exemplos naturais sao os grupos deomologia, coomologia, e o grupo fundamental).

Definicao. Um funtor F : C → D e dito

• inteiro se HomC (A,B) → HomD(F (A), F (B)), f 7→ F (f) e so-brejetiva para todo A,B ∈ Ob(C );• fiel se HomC (A,B) → HomD(F (A), F (B)), f 7→ F (f) e injetiva

para todo A,B ∈ Ob(C );• inteiramente fiel se e inteiro e fiel;• essencialmente sobrejetivo se para todo D ∈ Ob(D) existe C ∈Ob(C ) tal que F (C) ∼= D (isto e, existe um isomorfismo F (C)→ Dem D).• equivalencia de categorias se F e inteiramente fiel e essencial-

mente sobrejetivo.

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12 1. CATEGORIAS

Por exemplo seja k um corpo e seja C a categoria dos espacos vetoriaiskn. Um morfismo kn → km e simplesmente uma funcao k-linear. Seja Da categoria dos k-espacos vetoriais de dimensao finita. Temos o funtor deinclusao F : C → D . Como C e uma subcategoria inteira de D , o funtor Fe inteiramente fiel (inclusao sobrejetiva e a mesma coisa que igualdade). F etambem essencialmente sobrejetivo pois todo k-espaco vetorial de dimensaofinita e isomorfo (como espaco vetorial) a algum kn apos escolha de umabase. Logo F e uma equivalencia de categorias.

A nocao de equivalencia de categorias e a que vamos usar para dizerque duas categorias “sao a mesma”. Existe uma nocao de isomorfismo decategorias (se trata de um isomorfismo na “categoria de todas as categorias”,a categoria cujos objetos sao as categorias e cujos morfismos sao os funtores- modulo problemas de formulacao na teoria de conjuntos) mas e muito fortepara nos.

Na proxima aula vamos definir transformacoes naturais (isto e, morfis-mos entre funtores!) e vamos falar do lema de Yoneda. O objetivo e estudara “funtorialidade” das propriedades universais.

Exercıcios.

(1) Mostre que dois objetos iniciais (ou finais) de uma categoria saoisomorfos por meio de um unico isomorfismo.

(2) Seja C uma categoria. Defina C op da forma seguinte: Ob(C op) =Ob(C ), e HomC op(A,B) = HomC (B,A). Mostre que um objetoinicial em C e final em C op e vice-versa.

(3) Seja G um grupo, S um subconjunto de G e C a categoria associadaao conjunto parcialmente ordenado dos subgrupos de G (com ainclusao). Quais sao os objetos iniciais e finais dessa categoria?

(4) Seja f : A → B um homomorfismo de grupos abelianos. O nucleode f e ker(f) = {a ∈ A : f(a) = 0}. O conucleo de f e B/Im(f)onde Im(f) = {f(a) : a ∈ A}. Escreva uma propriedade universalde nucleo e conucleo e interprete eles como objetos iniciais ou finaisem categorias apropriadas.

(5) Seja G um grupo e N um subgrupo normal de G. Interprete aprojecao canonica G→ G/N como objeto inicial de uma categoriaapropriada.

(6) Seja C a categoria dos dominios de integridade (subcategoria inteirade An). Mostre que a lei C → C que leva um objeto A para o corpode fracoes K(A) induz um funtor covariante (voce tem que definirele no nivel dos morfismos).

(7) Mostre que An→ Gp que leva um anel A para o grupo multiplica-tivo U(A) dos elementos invertiveis de A induz um funtor covari-ante.

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3. FUNTORIALIDADE 13

3. Funtorialidade

Definicao (Transformacao natural). Sejam F,G : C → D dois funtorescovariantes. Uma transformacao natural h : F → G consiste no seguinte:para todo X ∈ Ob(C ), um morfismo hX : F (X) → G(X) em D , tal quepara todo morfismo ϕ : X → Y em C temos G(ϕ) ◦ hX = hY ◦ F (ϕ), emoutras palavras o diagrama seguinte comuta (compatibilidade).

F (X)hX //

F (ϕ)

��

G(X)

G(ϕ)

��F (Y )

hY // G(Y )

No caso em que F e G sejam contravariantes, a compatibilidade e a co-mutacao do diagrama

F (X)hX // G(X)

F (Y )hY //

F (ϕ)

OO

G(Y )

G(ϕ)

OO

A transformacao natural h : F → G e dita isomorfismo natural se hX :F (X)→ G(X) e isomorfismo para todo X ∈ Ob(C ).

Seguem exemplos.

3.1. Corpo de fracoes. Seja D um domınio de integridade (por exem-plo Z). O corpo de fracoes de D e o corpo K(D) = {a/b : a, b ∈ D, b 6= 0}(por exemplo K(Z) = Q) com as operacoes usuais entre fracoes. Podemosidentificar D com o subanel {a/1 : a ∈ D} de K(D), assim obtemos umainclusao D ⊆ K(D). A propriedade universal de K(D) e a seguinte: paratodo corpo X e para todo homomorfismo injetivo de aneis f : D → Xexiste um unico f : K(D) → X tal que f |D = f (em outras palavrasf ◦ i = f onde i : D → K(D) e a inclusao). Se trata simplesmente da funcaof(a/b) := f(a)/f(b). Queremos interpretar isso em termo de funtores.

Considere a categoria C dos corpos (subcategoria inteira de An) e ofuntor F : C → Set definido assim: se X ∈ Ob(C ) seja

F (X) = {homomorfismos injetivos D → X}e se ϕ : X → Y e um morfismo em C temos F (ϕ) : F (X) → F (Y ) de-finido por F (ϕ)(f) = ϕ ◦ f . Se trata de um funtor covariante. Consi-dere agora o funtor G : C → Set definido assim: se X ∈ Ob(C ) sejaG(X) = HomC (K(D), X), e se ϕ : X → Y e um morfismo em C temosG(ϕ) : G(X) → G(Y ) definido por G(ϕ)(f) = ϕ ◦ f . A interpretacao fun-torial da propriedade universal do corpo de fracoes e o fato que F e G saoisomorfos: F ∼= G. Em outras palavras, existe um isomorfismo naturalh : F → G.

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14 1. CATEGORIAS

Queremos construir entao o isomorfismo natural h : F → G. SejaX ∈ Ob(C ), e considere hX : F (X) → G(X) que leva f : D → X paraf : K(D) → X, isto e, o unico morfismo K(D) → X cuja restricao a Dcoincide com f . Observe que hX e injetiva pois se hX(f) = hX(g) entaof = hX(f)|D = hX(g)|D = g, e hX e sobrejetiva pois se f ∈ G(X) e claroque f = hX(f |D): como f e hX(f |D) extendem f |D, eles sao iguais porunicidade. Agora queremos mostrar a “naturalidade”, ou seja, a compati-bilidade de hX com os morfismos. Seja ϕ : X → Y um morfismo em C econsidere

F (X)hX //

F (ϕ)

��

G(X)

G(ϕ)

��F (Y )

hY // G(Y )

Queremos mostrar que se f ∈ F (X) entao G(ϕ)(hX(f)) = hY (F (ϕ)(f)).Em outras palavras ϕ ◦ hX(f) = hY (ϕ ◦ f). Como hY (ϕ ◦ f) : K(D)→ Y eo unico morfismo que extende ϕ ◦ f : D → Y , basta mostrar que ϕ ◦ hX(f)extende ϕ◦f , em outras palavras, que ϕ◦hX(f)◦i = ϕ◦f onde i : D → K(D)e a inclusao. Mas isso e claro pois hX(f) ◦ i = f (por definicao de hX(f)).

Para falar que F ∼= G normalmente falamos que temos F (X) ∼= G(X)funtorialmente em X. Ou tambem que o isomorfismo F (X) ∼= G(X) efuntorial em X.

3.2. Produto. O corpo de fracoes e uma construcao covariante (nosentido que os funtores construidos acima sao covariantes). Vamos fazerum exemplo de um objeto universal contravariante. Seja I uma famılia deindices e seja Xi um conjunto, para todo i ∈ I. O produto cartesiano dosXi e ∏

i∈IXi = {f : I →

⋃i∈I

Xi : f(i) ∈ Xi ∀i ∈ I}.

Normalmente o elemento f do produto cartesiano e identificado com (f(i))i∈I ,em outras palavras todo elemento x do produto e uma I-upla (xi)i∈I (a iden-tificacao e dada por f(i) = xi). O produto cartesiano Π =

∏i∈I Xi tem a

propriedade universal seguinte: dar uma funcao X → Π e equivalente a daruma funcao X → Xi para todo i ∈ I. Em outras palavras temos que

HomSet(X,∏i∈I

Xi) ∼=∏i∈I

HomSet(X,Xi).

A pergunta, como voce imagina, e a seguinte: sera que esse isomorfismo efuntorial em X?

Seja C = Set. Seja F : C → Set o funtor definido assim: se X ∈ Ob(C )temos F (X) =

∏i∈I HomSet(X,Xi) e se ϕ : X → Y e um morfismo em

C seja F (ϕ) : F (Y ) → F (X) definido assim: F (ϕ)((fi)i∈I) = (fi ◦ ϕ)i∈I .

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3. FUNTORIALIDADE 15

Seja G : C → Set o funtor definido assim: se X ∈ Ob(C ) temos G(X) =HomSet(X,

∏i∈I Xi) e se ϕ : X → Y e um morfismo em C seja G(ϕ) :

G(Y ) → G(X) definido assim: G(ϕ)(f) = f ◦ ϕ. A interpretacao funtorialda propriedade universal do produto cartesiano e o fato que F e G saoisomorfos: F ∼= G. Em outras palavras, existe um isomorfismo naturalh : F → G.

Queremos construir entao o isomorfismo natural h : F → G. Seja X ∈Ob(C ), e considere hX : F (X) → G(X) que leva (fi)i∈I para a funcao

X →∏i∈I Xi que leva x para (fi(x))i∈I . E facil ver que se trata de uma

bijecao. E injetiva pois se hX((fi)i∈I) = hX((gi)i∈I) entao em particular

fi(x) = gi(x) para todo i ∈ I e todo x ∈ X, ou seja (fi)i∈I = (gi)i∈I . Esobrejetiva pois se f ∈ G(X) entao definido fi : X → Xi por fi(x) = f(x)itemos f = hX((fi)i∈I). Agora queremos mostrar a “naturalidade”, ou seja,a compatibilidade de hX com os morfismos. Seja ϕ : X → Y um morfismoem C e considere

F (X)hX // G(X)

F (Y )hY //

F (ϕ)

OO

G(Y )

G(ϕ)

OO

Queremos mostrar que se (fi)i∈I ∈ F (Y ) entao

G(ϕ)(hY ((fi)i∈I)) = hX(F (ϕ)((fi)i∈I)).

Se trata de funcoes X →∏i∈I Xi. Seja x ∈ X. Temos

G(ϕ)(hY ((fi)i∈I))(x) = hY ((fi)i∈I)(ϕ(x)) = (fi(ϕ(x)))i∈I ,

hX(F (ϕ)((fi)i∈I))(x) = hX((fi ◦ ϕ)i∈I) = (fi ◦ ϕ(x))i∈I .

Logo eles sao iguais.Exercıcios.

(1) Seja C a categoria dos grupos abelianos (notacao aditiva). Seja Aum objeto de C e I um subgrupo de A. Para X ∈ Ob(C ) seja F (X)o conjunto dos morfismos f : A→ X tais que f |I = 0. Mostre queF (X) ∼= HomC (A/I,X) funtorialmente em X.

(2) Seja C a categoria dos grupos abelianos (notacao aditiva). Sejaϕ : A → B um morfismo em C . Para X ∈ Ob(C ) seja F (X) oconjunto dos homomorfismos f : X → A em C tais que ϕ ◦ f = 0.Mostre que F (X) ∼= HomC (X, ker(f)) funtorialmente em X.

(3) Seja C a categoria dos grupos. Seja f : A → B um morfismoem C . Para X ∈ Ob(C ) seja F (X) o conjunto dos morfismosA→ X que tem a forma α ◦ f para algum α : B → X. Mostre queF (X) ∼= HomC (Im(f), X) funtorialmente em X.

Page 16: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

16 1. CATEGORIAS

(4) Seja Z[t] o anel dos polinomios a coeficientes em Z, na categoria Cdos aneis comutativos. Mostre que HomC (Z[t], X) ∼= X funtorial-mente em X.

4. Lema de Yoneda (e exemplos)

Se F,G : C → D sao funtores covariantes (ou contravariantes) escreve-mos F ∼= G para falar que existe um isomorfismo natural h : F → G. Umaoutra forma de falar a mesma coisa e que F (X) ∼= G(X) funtorialmente emX ∈ Ob(C ).

O resultado seguinte diz que se dois objetos verificam a mesma proprie-dade universal entao eles sao isomorfos.

Teorema (Lema de Yoneda). Sejam X e Y dois objetos de uma ca-tegoria C e sejam F : C → Set, G : C → Set definidos assim: F (A) =HomC (X,A) (resp. F (A) = HomC (A,X)), G(A) = HomC (Y,A) (resp.G(A) = HomC (A, Y )) e se ϕ : A → B e um morfismo em C pomosF (ϕ) : F (A) → F (B), F (ϕ)(f) = ϕ ◦ f (resp. F (ϕ) : F (B) → F (A),F (ϕ)(f) = f ◦ ϕ) e G(ϕ) : G(A) → G(B), G(ϕ)(f) = ϕ ◦ f (resp. G(ϕ) :G(B) → G(A), G(ϕ)(f) = f ◦ ϕ). Se trata de funtores covariantes (resp.contravariantes).

F ∼= G se e somente se X ∼= Y .

Demonstracao. Mostraremos que F e um funtor (a demonstracaopara G e analoga). Observe que se A ∈ Ob(C ) entao F (1A) = 1F (A), defato F (1A)(f) = 1A ◦ f = f = 1F (A)(f). Observe que se ϕ : A → B eψ : B → C entao F (ψ ◦ ϕ) = F (ψ) ◦ F (ϕ), de fato F (ψ ◦ ϕ)(f) = ψ ◦ ϕ ◦ fe (F (ψ) ◦ F (ϕ))(f) = F (ψ)(F (ϕ)(f)) = F (ψ)(ϕ ◦ f) = ψ ◦ ϕ ◦ f .

(⇒) (caso covariante - o caso contravariante sendo analogo). Seja h :F → G isomorfismo natural. Queremos mostrar que X ∼= Y , isto e, quere-mos encontrar dois morfismos g : X → Y e f : Y → X tais que g ◦ f = 1Ye f ◦ g = 1X . Observe que hX : HomC (X,X) → HomC (Y,X) e hY :HomC (X,Y )→ HomC (Y, Y ), assim faz sentido definir f = hX(1X) : Y → Xe g = h−1

Y (1Y ) : X → Y (lembrando que hY e isomorfismo de conjuntos,isto e, bijecao). Aplicando a naturalidade a g : X → Y obtemos o diagramacomutativo

HomC (X,X)hX //

F (g)

��

HomC (Y,X)

G(g)

��HomC (X,Y )

hY // HomC (Y, Y )

assim G(g)◦hX = hY ◦F (g). Aplicando isso a 1X obtemos G(g)(hX(1X)) =hY (F (g)(1X)), isto e, lembrando que hX(1X) = f , temos g◦f = hY (g) = 1Y .

Page 17: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

4. LEMA DE YONEDA (E EXEMPLOS) 17

Aplicando a naturalidade a f : Y → X obtemos o diagrama comutativo

HomC (X,Y )hY //

F (f)��

HomC (Y, Y )

G(f)��

HomC (X,X)hX // HomC (Y,X)

assim G(f) ◦ hY = hX ◦ F (f). Aplicando isso a g obtemos G(f)(hY (g)) =hX(F (f)(g)), isto e, lembrando que hY (g) = 1Y , f ◦ 1Y = hX(f ◦ g), assimf ◦ g = h−1

X (f ◦ 1Y ) = h−1X (f) = 1X .

(⇐) (caso covariante - o caso contravariante sendo analogo). Suponhaentao X ∼= Y e estamos no caso covariante. Seja r : X → Y um isomorfismo.Queremos mostrar que F ∼= G. Seja h : F → G a transformacao naturaldefinida assim: se A ∈ Ob(C ) pomos hA : F (A) → G(A), hA(f) = f ◦ r−1.Se trata de um isomorfismo (de conjuntos) cuja inversa e h−1

A (g) = g ◦ r(lembre-se que r e isomorfismo em C ). Falta mostrar a naturalidade, ouseja, que se ϕ : A→ B e um morfismo em C entao G(ϕ)◦hA = hB◦F (ϕ). Seα ∈ F (A) entao G(ϕ)(hA(α)) = G(ϕ)(α◦r−1) = ϕ◦α◦r−1, e hB(F (ϕ)(α)) =hB(ϕ ◦ α) = ϕ ◦ α ◦ r−1. �

4.1. Produto e coproduto. Ja definimos o produto cartesiano de umafamılia de conjuntos e falamos da propriedade universal. Agora seja I umafamılia de indices e seja Xi um conjunto para todo i ∈ I. O coproduto dosXi e ∐

i∈IXi := {(x, j) : x ∈

⋃i∈I

Xi, j ∈ I, x ∈ Xj}.

Pode pensar no coproduto de conjuntos como “uniao disjunta”, no sentidoque voce esta fazendo a uniao dos Xi tratando elementos de Xi diferentescomo sendo diferentes. Por exemplo se X1 = {1, 2} e X2 = {1, 3} entaoX1∐X2 tem 4 elementos: (1, 1), (2, 1), (1, 2), (3, 2). Por outro lado X1 ∪

X2 = {1, 2, 3} tem so 3 elementos. Observe que se os Xi sao dois a doisdisjuntos entao

∐i∈I Xi

∼=⋃i∈I Xi. O coproduto tem uma propriedade

universal: dar uma funcao f :∐i∈I Xi → X e a mesma coisa que dar uma

famılia de funcoes fi : Xi → X, de fato dada f temos fi(x) := f(x, i) e dadaa famılia (fi)i temos f(x, i) = fi(x). Essas correspondencias definem entaoum isomorfismo

HomSet(∐i∈I

Xi, X) ∼=∏i∈I

HomSet(Xi, X).

Como voce imagina, se trata de um isomorfismo funtorial em X (pode mos-trar isso como exercıcio: eu fiz isso no caso do produto na aula passada).Observe que o coproduto e uma construcao covariante (os funtores definidosacima sao covariantes).

Definicao (Produto e coproduto). Seja C uma categoria e seja (Xi)i∈Iuma famılia de objetos de C . O produto dos Xi (se existir) e um objeto

Page 18: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

18 1. CATEGORIAS∏i∈I Xi tal que

HomC (X,∏i∈I

Xi) ∼=∏i∈I

HomC (X,Xi).

funtorialmente em X ∈ Ob(C ). O coproduto dos Xi (se existir) e um objeto∐i∈I Xi tal que

HomC (∐i∈I

Xi, X) ∼=∏i∈I

HomC (Xi, X).

funtorialmente em X ∈ Ob(C ).

Observe que se o produto dos Xi existir entao ele e unico a menos deisomorfismo. De fato, sejam A e B dois produtos dos Xi. Entao temosisomorfismos funtoriais em X

HomC (X,A) ∼=∏i∈I

HomC (X,Xi) ∼= HomC (X,B).

Logo por composicao temos que HomC (X,A) ∼= HomC (X,B) funtorial-mente em X, assim A ∼= B pelo lema de Yoneda.

Analogamente, se o coproduto dos Xi existir entao ele e unico a menosde isomorfismo (mesmo argumento).

Exemplo. Considere um conjunto C e a categoria C cujos objetos saoos subconjuntos de C e HomC (A,B) = {∗} se A ⊆ B, HomC (A,B) = ∅se A 6⊆ B. Seja (Xi)i∈I uma famılia de objetos de C . A propriedadeuniversal do produto fala que

∏i∈I Xi tem a propriedade que uma inclusao

de um objeto X nele corresponde a uma inclusao de X em cada Xi. Issomostra que

∏i∈I Xi =

⋂i∈I Xi. Analogamente, a propriedade universal do

coproduto fala que∐i∈I Xi tem a propriedade que uma inclusao dele em

um objeto X corresponde a uma inclusao de cada Xi em X. Isso mostraque

∐i∈I Xi =

⋃i∈I Xi.

Exemplo. Considere a categoria C dos aneis comutativos. Se A e umobjeto de C entao A[t] tambem e um objeto. Se trata do anel dos polinomiosa coeficientes em A. Ele tem uma propriedade universal: se B e um outroanel comutativo, um homomorfismo de aneis ϕ : A[t]→ B corresponde a umhomomorfismo A→ B (a restricao) e a escolha de ϕ(t). De fato conhecendoϕ|A e ϕ(t) podemos calcular ϕ(

∑i ait

i) =∑

i ϕ(ai)ϕ(t)i. Isso significa queHomC (A[t], B) ∼= HomC (A,B)×HomSet({t}, B). Por outro lado, como Z eum objeto inicial em C , HomC (Z[t], B) ∼= HomC (Z, B)×HomSet({t}, B) ∼=HomSet({t}, B) assim temos que

HomC (A[t], B) ∼= HomC (A,B)×HomC (Z[t], B).

Como voce imagina, se trata de um isomorfismo funtorial em B, logo lem-brando da propriedade universal do coproduto, o lema de Yoneda implica

Page 19: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

5. COPRODUTOS 19

que

A[t] ∼= A∐

Z[t].

Observe que temos tambem A[t] ∼= A ⊗Z Z[t]. De fato, na categoria C ocoproduto de uma famılia finita de objetos e exatamente o produto tensorialsobre os inteiros. Na categoria das A-algebras comutativas o coproduto deuma famılia finita de objetos e ⊗A. Na proxima aula vou justificar issomelhor.

Exercıcios.

(1) Mostre que nas categorias Gp (grupos), GpAb (grupos abelianos),AnComm (aneis comutativos), A-mod (A-modulos, onde A e umanel comutativo) o produto existe e e igual (isomorfo) ao produtodireto (produto cartesiano com as operacoes definidas por compo-nentes).

(2) Mostre que na categoria dos grupos A∏B e o produto direto e

A∐B e o produto livre.

(3) Seja C uma categoria em que os objetos sao conjuntos com es-trutura (por exemplo grupos, aneis, etc.). Seja S um conjunto.Um objeto L de C e dito livre sobre S se existe um isomorfismoHomSet(S,X) ∼= HomC (L,X) funtorial em X (os funtores sao C →Set). [Observe que o morfismo estrutural S → L tipico dos objetoslivres corresponde a identidade L→ L]. Use o lema de Yoneda paramostrar que um objeto livre, se existir, e unico a menos de isomor-fismo e calcule o objeto livre sobre S = {1, . . . , n} na categoria dosgrupos abelianos.

(4) Mostre que o isomorfismo que define a propriedade universal docoproduto de conjuntos e funtorial.

(5) Seja C a categoria cujos objetos sao os inteiros positivos e existeum (unico) morfismo entre a e b se e somente se a divide b. Calculea∏b, a

∐b e estude a existencia de produto e coproduto de uma

famılia infinita de objetos.

5. Coprodutos

Seja C uma categoria, seja I uma famılia de indices e seja Xi um objetode C para todo i ∈ I. Lembre-se que produto

∏i∈I Xi e coproduto

∐i∈I Xi,

se existirem, sao objetos que verificam os isomorfismos funtoriais em X ∈Ob(C ) seguintes.

HomC (X,∏i∈I

Xi) ∼=∏i∈I

HomC (X,Xi),

HomC (∐i∈I

Xi, X) ∼=∏i∈I

HomC (Xi, X).

Page 20: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

20 1. CATEGORIAS

Se trata de construcoes uma o dual da outra, de fato na categoria C op cujosobjetos sao os objetos de C e HomC op(A,B) = HomC (B,A) o que e umproduto em C vira coproduto em C op e vice-versa.

Proposicao. Seja F : C → D um funtor. Se F e equivalencia cova-riante de categorias entao F leva produtos para produtos e coprodutos paracoprodutos. Se F e equivalencia contravariante de categorias entao F levacoprodutos para produtos e produtos para coprodutos.

Demonstracao. Vou mostrar que se F e equivalencia covariante levaprodutos para produtos (as outras demonstracoes sao analogas). SejamXi objetos de C com i ∈ I e suponha de ter um produto

∏i∈I Xi. Que-

remos mostrar que (∗) F (∏i∈I Xi) ∼=

∏i∈I F (Xi). Lembre-se que equi-

valencia de categorias significa que para todo objeto A,B de C a funcaoHomC (A,B) → HomD(F (A), F (B)) induzida por F e isomorfismo de con-juntos (em outras palavras F e inteiramente fiel - fully faithful) e para todoY ∈ Ob(D) existe um X ∈ C tal que F (X) ∼= Y (em outras palavras F eessencialmente sobrejetivo - essentially surjective). Para mostrar (∗) bastaverificar a propriedade universal, ou seja temos que mostrar que

HomD(Y, F (∏i∈I

Xi)) ∼=∏i∈I

HomD(Y, F (Xi))

funtorialmente em Y ∈ Ob(D). Como F e equivalencia, existe X ∈ Ob(C )com F (X) ∼= Y assim

HomD(Y, F (∏i∈I

Xi)) ∼= HomD(F (X), F (∏i∈I

Xi))

∼= HomC (X,∏i∈I

Xi) ∼=∏i∈I

HomC (X,Xi)

∼=∏i∈I

HomD(F (X), F (Xi)) ∼=∏i∈I

HomD(Y, F (Xi)).

A funtorialidade vem do fato que se trata de isomorfismos “naturais”. �

Soma direta.Na categoria C dos grupos abelianos (ou dos A-modulos, onde A e um

anel comutativo) o produto∏i∈I Xi e o produto direto, o coproduto

∐i∈I Xi

e a soma direta⊕

i∈I Xi. A soma direta e o conjunto dos elementos (xi)ido produto tais que o conjunto {i ∈ I : xi 6= 0} e finito. Assim tendouma famılia de morfismos Xi → X ganhamos um morfismo

⊕i∈I Xi → X

definido por f((xi)i) :=∑

i∈I fi(xi) (essa soma faz sentido pois e uma somafinita!). Vice-versa, tendo um morfismo f :

⊕i∈I Xi → X temos, para todo

i ∈ I, um morfismo fi : Xi → X obtido levando a para f(a) onde a e oelemento de

⊕i∈I Xi que tem a na posicao i e zero nas outras.

Produto tensorial.

Page 21: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

5. COPRODUTOS 21

Seja A um anel comutativo e sejam M,N dois A-modulos. O produtotensorial T = M ⊗A N e um A-modulo com uma funcao bilinear g : M ×N → T (normalmente g(m,n) e indicado com m ⊗ n) com a propriedade(universal) que se P e um A-modulo e f : M × N → P e uma funcao A-bilinear existe um unico morfismo A-linear f ′ : T → P tal que f ′ ◦ g = f .Em outras palavras se C e a categoria dos A-modulos temos o isomorfismofuntorial em X

BilA(M ×N,X) ∼= HomC (M ⊗A N,X)

onde BilA(M ×N,X) e o conjunto das funcoes A-bilineares M ×N → X.Lembre-se que todo elemento de M ⊗A N e uma combinacao A-linear decoisas do tipo m⊗ n com m ∈M e n ∈ N .

Agora seja A um anel comutativo e considere a categoria C das A-algebras comutativas. Se B,C sao objetos de C entao em particular sao A-modulos e podemos construir o produto tensorial B⊗AC. Ele tem estruturade A-algebra definida por (b1⊗ c1)(b2⊗ c2) := (b1b2)⊗ (c1c2) extendido porA-linearidade.

Proposicao. Na categoria C das A-algebras comutativas temos

B∐

C ∼= B ⊗A C.

Em outras palavras o coproduto de dois objetos e exatamente o produto ten-sorial sobre A.

Demonstracao. Temos que se B∐C existe verifica a propriedade uni-

versal do coproduto que e

HomC (B∐

C,X) ∼= HomC (B,X)×HomC (C,X)

funtorialmente emX. Entao pelo lema de Yoneda para mostrar queB∐C ∼=

B ⊗A C basta mostrar que

HomC (B ⊗A C,X) ∼= HomC (B,X)×HomC (C,X)

funtorialmente em X. Se temos f : B ⊗A C → X podemos associar a fum par (fB, fC) ∈ HomC (B,X)×HomC (C,X) definindo fB(b) := f(b⊗ 1)e fC(c) := f(1 ⊗ c). Vice-versa se β : B → X e γ : C → X temos f :B⊗AC → X definido por f(b⊗ c) := β(b)γ(c) extendido por A-linearidade.f e realmente um homomorfismo de aneis pois

f((b1 ⊗ c1)(b2 ⊗ c2)) = f((b1b2)⊗ (c1c2)) = β(b1b2)γ(c1c2)

= β(b1)β(b2)γ(c1)γ(c2),

f(b1 ⊗ c1)f(b2 ⊗ c2) = β(b1)γ(c1)β(b2)γ(c2)

= β(b1)γ(c1)β(b2)γ(c2)

sao iguais pois β(b2)γ(c1) = γ(c1)β(b2) (observe que aqui a comutatividadee essencial: essa demonstracao nao funcionaria se C fosse a categoria das

Page 22: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

22 1. CATEGORIAS

A-algebras nao necessariamente comutativas). Essas duas correspondenciassao uma a inversa da outra e isso conclui a demonstracao. A funtorialidadevem do fato que o que fizemos sao passos “naturais”. �

Em geometria algebrica o coproduto entra no jogo quando se consideramaneis de polinomios pois se k e um corpo (ou um qualquer anel comutativo- mas falo “corpo” pois vamos trabalhar com corpos) entao na categoria Cdas k-algebras comutativas temos

k[x1]∐

k[x2]∐

. . .∐

k[xn] = k[x1, . . . , xn].

Assim k[x, y] e o coproduto de k[x] e k[y] (observe que o produto de k[x] ek[y] e o produto direto k[x]× k[y]).

Vamos mostrar o caso n = 2. Para mostrar que k[x, y] = k[x]∐k[y]

temos que mostrar que

HomC (k[x, y], X) ∼= HomC (k[x], X)×HomC (k[y], X).

A f : k[x, y] → X associamos o par (f |k[x], f |k[y]). Vice-versa dados α :k[x] → X e β : k[y] → X definimos f : k[x, y] → X levando P (x, y) =∑

i aixciydi para

∑i aiα(x)ciβ(y)di . Essas associacoes sao uma a inversa da

outra.

Localizacao.

Seja A um anel comutativo e S um subconjunto multiplicativamentefechado de A com 1 ∈ S. Defina ≡ em A × S pondo (a, s) ≡ (b, t) se esomente se existe u ∈ S tal que (at− bs)u = 0. Se trata de uma relacao deequivalencia, vamos denotar com a/s a classe de equivalencia de (a, s). Seja

S−1A := {a/s : a ∈ A, s ∈ S}.Entao S−1A (a localizacao de A com respeito a S) e um anel comutativocom unidade. As operacoes sao

a

s+b

t=at+ bs

st,

a

s

b

t=ab

st.

Temos o morfismo estrutural f : A → S−1A que leva a para a/1. Observeque f(s) e inversıvel em S−1A para todo s ∈ S (o inverso de s/1 e 1/sse s ∈ S). A propriedade universal da localizacao e que se g : A → X eum homomorfismo de aneis comutativos tal que g(S) consiste em elementosinvertıveis entao existe um unico homomorfismo de aneis ϕ : S−1A → Xtal que ϕ ◦ f = g. Em outras palavras se F (X) indica o conjunto doshomomorfismos g : A → X tais que g(S) ⊆ U(X) (onde U(X) indica ogrupo dos elementos invertıveis de X) entao

F (X) ∼= HomC (S−1A,X)

funtorialmente em X ∈ Ob(C ), onde C e a categoria dos aneis comutativos.

Exercıcios.

Page 23: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

5. COPRODUTOS 23

(1) Mostre que uma equivalencia contravariante de categorias leva pro-dutos para coprodutos.

(2) Mostre que em geral A∏B 6∼= A

∐B na categoria das k-algebras

comutativas (k corpo).(3) Mostre que se k[x1, . . . , xn] ∼= k[x1, . . . , xm] na categoria das k-

algebras comutativas entao n = m.[Dica: considere Hom(k[x1, . . . , xn], k).]

(4) Mostre que k[x1, . . . , xn] pode ser interpretada como a k-algebracomutativa livre com n geradores (cf. a lista de exercıcios da aulapassada para a definicao de objeto livre).

Page 24: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA
Page 25: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

CAPıTULO 2

Geometria algebrica classica

1. Conjuntos algebricos afins

Seja k um corpo infinito. Observe que dar um polinomio P (X) ∈ k[X] ea mesma coisa que dar uma funcao polinomial k → k, x 7→ P (x), pois pelofato de k ser infinito, se P e Q sao polinomios que correspondem a mesmafuncao polinomial entao P (x) = Q(x) para todo x ∈ k logo o polinomioP (X)−Q(X) tem infinitas raizes, assim P (X) = Q(X). No caso dos corposfinitos isso nao vale mais, por exemplo se k tem q elementos entao Xq −Xvisto como funcao polinomial e a funcao nula.

Vamos trabalhar com o anel de polinomios A = k[X1, . . . , Xn].

Definicao. Seja S um subconjunto de A. O conjunto algebrico afimcorrespondente a S e

V (S) = {x ∈ kn : f(x) = 0 ∀f ∈ S}.

Se S = {f1, . . . , fr} e finito escrevemos V (S) = V (f1, . . . , fr).

Observe que se S ⊆ S′ entao V (S′) ⊆ V (S). De fato se x ∈ V (S′) entaof(x) = 0 para todo f ∈ S′, em particular para todo f ∈ S (pois S ⊆ S′).

Dado S ⊆ A considere o ideal gerado por S, 〈S〉. Os elementos de 〈S〉tem a forma

∑ri=1 aifi com ai ∈ A e fi ∈ S. Temos que V (S) = V (〈S〉). A

inclusao ⊇ vem da observacao acima e do fato que S ⊆ 〈S〉. Para mostrar⊆ toma x ∈ V (S), assim se f ∈ 〈S〉 temos f =

∑ri=1 aifi logo f(x) =∑r

i=1 ai(x)fi(x) = 0 pois fi(x) = 0 para todo i (pois fi ∈ S para todo i).

Alguns exemplos.

• Se f ∈ A entao V (f) e o conjunto das raizes de f .• V (1) = ∅.• V (0) = kn.• Se n = 1 entao V ((X − 1)(X − 2)) = {1, 2}.• Se n = 1 entao um conjunto afim e exatamente um conjunto finito.

De fato se V (S) e um conjunto afim entao os elementos de V (S)sao raizes comuns de uma famılia de polinomios, e todo polinomioem uma variavel tem so um numero finito de raizes. Por outro ladose {a1, . . . , an} e um subconjunto finito de k entao ele e igual aV ((X − a1) · · · (X − an)).

25

Page 26: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

26 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

• Neste exemplo e nos proximos considere o caso n = 2 (o plano).V ((X − 1)(X − 2)) e uma uniao de duas retas verticais (as retas deequacoes x = 1 e x = 2).• V ((X − 1)(Y − 1)) e uma uniao de uma reta horizontal (y = 1) e

uma reta vertical (x = 1).• V ((X − Y )(X + Y )) e uma uniao de duas retas diagonais (y = x ey = −x).• V (X − a, Y − b) e o ponto {(a, b)}. Logo todo ponto do plano

e um conjunto afim. Mais em geral V (X1 − a1, . . . , Xn − an) ={(a1, . . . , an)} em kn.• V (X − 1, (Y − 1)(Y + 1)) = {(1, 1), (1,−1)}.• V ((X − 1)(X + 1), (Y − 1)(Y + 1), (X − 1)(Y − 1)) e o conjunto

finito {(1, 1), (1,−1), (−1, 1)}.• V (Y −X2) e a parabola de equacao y = x2.• V (X2 + Y 2 − 1) e o circulo de equacao x2 + y2 = 1.• V ((Y −X2)(X2 +Y 2−1)) e a uniao de uma parabola e um circulo.

Uma pergunta natural e se todo conjunto afim tem a forma V (f1, . . . , fr),em outras palavras se para defini-lo basta uma famılia finita de polinomios.

Um anel (comutativo, unitario) A e dito Noetheriano se todo ideal deA e finitamente gerado, em outras palavras para todo I EA (ideal) existemf1, . . . , fr ∈ I tais que

I = (f1, . . . , fr) = {r∑i=1

aifi : ai ∈ A}.

Por exemplo k e um anel Noetheriano pois os unicos ideais de k sao {0} ek, que sao gerados por um unico elemento, de fato k = (1) e {0} = (0). Ofato seguinte e um resultado classico de algebra comutativa.

Teorema (Hilbert). Se A e um anel Noetheriano entao A[X] e um anelNoetheriano.

Assim como k e Noetheriano, aplicando o teorema muitas vezes obte-mos que k[X1] e Noetheriano, logo k[X1][X2] = k[X1, X2] e Noetheriano,e assim diante. Isso mostra que k[X1, . . . , Xn] e Noetheriano para todo n.Observe que e importante ter um numero finito de variaveis. O anel de po-linomios em infinitas variaveis k[X1, X2, X3, . . .] nao e Noetheriano (o ideal(X1, X2, X3, . . .) nao e finitamente gerado).

A traducao geometrica desse fato e que todo conjunto afim tem a formaV (f1, . . . , fr) (de fato, ele tem a forma V (I) para algum ideal I de A =k[X1, . . . , Xn] e basta escolher {f1, . . . , fr} como sendo um conjunto geradorfinito de I). Observe tambem que V (f1, . . . , fr) = V (f1)∩V (f2)∩. . .∩V (fr)(obvio). Geralmente um conjunto afim do tipo V (f) e chamado de “hiper-superficie”. Assim todo conjunto afim e uma intersecao finita de hipersu-perficies.

Page 27: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

1. CONJUNTOS ALGEBRICOS AFINS 27

Observe que V (X) = V (X2) = . . . = V (Xk) = . . .. Se trata da reta deequacao x = 0. Isso mostra que ideais diferentes podem definir o mesmoconjunto afim.

Observe que se a = (a1, . . . , an) ∈ kn entao {a} = V (X1 − a1, . . . , Xn −an). Na verdade o ideal escolhido nao e um ideal qualquer:

Proposicao. O ideal I = (X1 − a1, . . . , Xn − an) e um ideal maximalde A = k[X1, . . . , Xn].

Demonstracao. O que vamos mostrar e que A/I e um corpo (issoimplica que I e maximal, como voce sabe). Considere ϕ : A → k, o

homomorfismo de substituicao ϕ(f) := f(a) onde a = (a1, . . . , an). Eclaro que Xi − ai ∈ ker(ϕ) para todo i, assim I ⊆ ker(ϕ). Mostrare-mos que ker(ϕ) ⊆ I. Seja entao f ∈ ker(ϕ), assim f(a) = 0. Comoo polinomio Xn − an e monico, podemos efetuar a divisao com resto def(X) por Xn − an com respeito a variavel Xn, obtendo f(X) = (Xn −an)Q(X) + R(X) e o grau de R(X) com respeito a Xn e 0, em outraspalavras R(X) ∈ k[X1, . . . , Xn−1]. Se n = 1 entao R(X) e uma cons-tante e substituindo X1 = a1 obtemos 0 = f(a1) = 0 + R(a1) = R logof(X1) = (X1 − a1)Q(X1) ∈ (X1 − a1) = I. Agora supomos n > 1 e mos-tramos o resultado por inducao sobre n. Como R(X) ∈ k[X1, . . . , Xn−1]e R(a) = 0, por inducao R(X) ∈ (X1 − a1, . . . , Xn−1 − an−1) ⊆ I logoR(X) ∈ I. Assim f(X) = (Xn − an)Q(X) +R(X) ∈ I pois Xn − an ∈ I.

Isso mostra que I = ker(ϕ). Observe que ϕ e sobrejetiva (pois se t ∈k entao considerando t como elemento de k[X1, . . . , Xn] temos t = ϕ(t)).Assim pelo teorema de isomorfismo A/I ∼= k e um corpo. �

Isso mostra que todo ponto de kn corresponde a um ideal maximal deA. Por outro lado o vice-versa nao vale em geral: por exemplo se k = R en = 1 entao V (X2 + 1) = ∅ pois o polinomio X2 + 1 nao possui raizes reais.Para ter uma teoria interessante temos que considerar corpos algebricamentefechados.

Na proxima aula vamos observar que os conjuntos algebricos afins podemser vistos como os conjuntos fechados de uma topologia (a topologia deZariski).

Exercıcios.

(1) Dados quatro pontos Pi = (ai, bi) em k2 com i = 1, 2, 3, 4 escrevageradores de um ideal I tal que V (I) = {P1, P2, P3, P4}.

(2) Seja P = (a, b) um ponto de C2. Mostre que nao existe nenhum po-linomio f ∈ C[X,Y ] tal que {P} = V (f). Isso permanece verdadecom R no lugar de C?

(3) Faca um desenho de

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28 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

• V (XY −X + Y − 1) em R2,• V (Y 2 − (X − 1)(X + 1)) em R2,• V (XZ, Y Z) em R3.

(4) Mostre que se V e um conjunto afim de R2 entao R2 − V e densocom respeito a topologia usual de R2.

2. Topologia de Zariski

Seja X um conjunto. Uma topologia sobre X e uma famılia T desubconjuntos de X (chamados de conjuntos “abertos”) tal que ∅ ∈ T , X ∈T e se {Ui : i ∈ I} e uma famılia qualquer de elementos de T ,

⋃i∈I Ui ∈ T

e se U1, . . . , Uk ∈ T entao U1 ∩ . . . ∩ Uk ∈ T . Os complementares dosabertos sao chamados de “fechados”. O par (X,T ) e chamado de “espacotopologico”.

Seja k um corpo infinito. Se S ⊆ k[X1, . . . , Xn] ja definimos o conjuntoalgebrico afim V (S) = {x ∈ kn : f(x) = 0 ∀f ∈ S}.

Proposicao. T := {kn− V (S) : S ⊆ k[X1, . . . , Xn]} e uma topologiasobre kn, dita “topologia de Zariski”.

Demonstracao. Temos ∅ = kn − V (0) ∈ T e kn = kn − V (1) ∈ T .Se {Ui : i ∈ I} e uma famılia qualquer de elementos de T escrevendoUi = kn − V (Si) temos⋃

i∈I(kn − V (Si)) = kn −

⋂i∈I

V (Si) = kn − V (⋃i∈I

Si) ∈ T .

Se U1, . . . , Uk sao elementos de T escrevendo Ui = kn − V (Si) temos

U1∩ . . .∩Uk = (kn−V (S1))∩ . . .∩(kn−V (Sk)) = kn−(V (S1)∪ . . .∪V (Sk))

logo, lembrando que todo conjunto afim tem a forma V (I) para algum idealI de A = k[X1, . . . , Xn], para mostrar que U1 ∩ . . . ∩Uk ∈ T basta mostrarque se I, J sao ideais de A entao V (I) ∪ V (J) = V (I ∩ J). A inclusao ⊆vem da propriedade contravariante de V e do fato que I ∩ J esta contidoem I e em J . Agora mostraremos a inclusao ⊇. Seja entao x ∈ V (I ∩ J)tal que x 6∈ V (I) e mostramos que x ∈ V (J). Como x 6∈ V (I) existe P ∈ Icom P (x) 6= 0. Se Q ∈ J entao PQ ∈ I ∩ J logo (PQ)(x) = 0 (poisx ∈ V (I ∩ J)), assim P (x)Q(x) = 0, e como P (x) 6= 0 isso implica queQ(x) = 0. Isso mostra que x ∈ V (J). �

O argumento na prova acima mostra tambem que se I e J sao ideaisentao V (I) ∪ V (J) = V (IJ), onde IJ e o ideal gerado pelos produtos abonde a ∈ I e b ∈ J .

A partir de agora vou entao usar a palavra “fechado” para indicar umconjunto algebrico afim.

• Os subconjuntos finitos de kn sao fechados. De fato, os pontos saofechados e uniao finita de fechados e um fechado.

Page 29: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

2. TOPOLOGIA DE ZARISKI 29

• Se k fosse finito a topologia de Zariski seria a topologia discreta(todos os subconjuntos sao abertos). De fato os pontos sao fecha-dos logo todos os subconjuntos de kn sao fechados (eles sao unioes

finitas de conjuntos fechados). E por isso que trabalhamos so comcorpos infinitos.• Se n = 1 entao os fechados sao exatamente k e os subconjuntos fi-

nitos de k (pois um polinomio tem sempre um numero finito de rai-zes). Em particular dois abertos nao vazios tem sempre intersecaonao vazia (de fato, uma uniao de dois conjuntos finitos e um con-junto finito). Em particular a topologia neste caso nao e Hausdorff.• Sejam A = (−1, 1) e B = (1, 1) em k2. Entao {A} = V (X+1, Y −1)

e {B} = V (X − 1, Y − 1), assim

{A,B} = V ((X + 1, Y − 1)(X − 1, Y − 1))

= V ((X + 1)(X − 1), (X + 1)(Y − 1), (Y − 1)(X − 1), (Y − 1)2).

• Os fechados da topologia de Zariski sao muito “pequenos”. De fato,se trata de conjuntos “polinomiais”, por exemplo no caso de n = 2os fechados sao unioes finitas de ‘curvas’.• Observe que se f1, . . . , fr ∈ k[X1, . . . , Xn], V (f1, . . . , fr) = V (f1)∩. . . ∩ V (fr).

Aberto padrao: e um aberto da forma D(f) = kn − V (f) onde f ∈k[X1, . . . , Xn]. Em outras palavras D(f) = {x ∈ kn : f(x) 6= 0}.

Uma base de um espaco topologico X e uma famılia B de abertos de Xtal que todo aberto de X e uniao de alguns dos abertos em B. No caso datopologia de Zariski, os abertos padroes D(f) formam uma base da topologiade Zariski. De fato, se U e um aberto entao kn − U = V (I) onde I e idealde k[X1, . . . , Xn] e escolhendo geradores f1, . . . , fr de I (cf. o teorema deHilbert) obtemos

U = kn − V (f1, . . . , fr) = kn − (V (f1) ∩ . . . ∩ V (fr))

= (kn − V (f1)) ∪ . . . ∪ (kn − V (fr)) = D(f1) ∪ . . . ∪D(fr).

Definicao. Dado X ⊆ kn definimos I(X) := {f ∈ k[X1, . . . , Xn] :f(x) = 0 ∀x ∈ X}. Se trata de um ideal de k[X1, . . . , Xn], chamado “idealde X”.

A motivacao e a seguinte. Seja V ⊆ kn um conjunto afim e considere oanel F das funcoes V → k. Se trata de um anel com as operacoes definidaspor componentes. Considere o homomorfismo de aneis

r : k[X1, . . . , Xn]→ F

que leva f para a funcao V → k que leva x para f(x) (a funcao polinomialassociada a f). A imagem de r e indicada com Γ(V ) e chamada “algebraafim de V ”. Se trata de um objeto que queremos estudar. Pelo teorema de

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30 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

isomorfismo Γ(V ) ∼= k[X1, . . . , Xn]/ ker(r) e e claro que ker(r) e exatamenteI(V ).

Γ(V ) ∼= k[X1, . . . , Xn]/I(V ).

Logo entender Γ(V ) e equivalente a entender I(V ).

• Se X ⊆ Y entao I(X) ⊇ I(Y ) (I e contravariante).• Se V = V (I) entao I ⊆ I(V ) (claro).• I(∅) = k[X1, . . . , Xn].• I(V (X3)) = (X), I(V (X3Y 5)) = (XY ).• Se k = R e n = 1 entao I(V (X2 + 1)) = I(∅) = k[X].• Se k e infinito entao I(kn) = (0). Se n = 1 isso e claro pois um

polinomio nao nulo de k[X] tem sempre so um numero finito deraizes. Suponha n > 1. Se 0 6= f ∈ k[X1, . . . , Xn] nao e constanteescreva

f = ar(X1, . . . , Xn−1)Xrn + . . .

com os termos “. . .” de grau menor de r com respeito a Xn e ar 6= 0.Por inducao existe (x1, . . . , xn−1) ∈ kn−1 tal que ar(x1, . . . , xn−1) 6=0, assim o polinomio f(x1, . . . , xn−1, Xn) ∈ k[Xn] e nao nulo, emparticular ele tem no maximo r raizes. Como k e infinito existeentao uma “nao-raiz”, isto e, um xn ∈ k tal que f(x1, . . . , xn) 6= 0.Isso conclui a demonstracao.• O ideal da parabola: I(V (Y − X2)) = (Y − X2) em k2. De fato

a inclusao (Y − X2) ⊆ I(V (Y − X2)) e clara, agora seja P ∈I(V (Y − X2)). Isso significa que P (t, t2) = 0 para todo t ∈ k.Efetuando a divisao com resto de P por Y −X2 com respeito a Yobtemos

P (X,Y ) = (Y −X2)Q(X,Y ) + a(X),

e substituindo X = t e Y = t2 obtemos a(t) = 0 para todo t ∈ k.Como k e infinito, isso implica que o polinomio a(X) e nulo, assimP = (Y −X2)Q ∈ (Y −X2).

Proposicao (Zariski closure - Fecho de Zariski). Se X ⊆ kn entaoV (I(X)) = X, o fecho topologico de X. Em particular se X e fechado entaoX = V (I(X)).

Demonstracao. Lembre-se que o fecho topologico de X e a intersecaodos fechados de kn que contem X. Assim e claro que V (I(X)) contem X,pois e fechado e contem X. Para mostrar a inclusao X ⊇ V (I(X)) bastamostrar que todo fechado que contem X contem V (I(X)). Seja entao Yum fechado que contem X, assim I(Y ) ⊆ I(X) logo V (I((Y )) ⊇ V (I(X)).Assim para concluir a demonstracao basta mostrar que V (I(Y )) ⊆ Y . ComoY e fechado ele tem a forma Y = V (I) para algum ideal I de k[X1, . . . , Xn],e como I ⊆ I(Y ), obtemos Y = V (I) ⊇ V (I(Y )). �

Por exemplo em R2 temos V (I([0, 1]× {0})) = V (Y ).

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3. IRREDUTIBILIDADE E OUTRAS PROPRIEDADES TOPOLOGICAS 31

Sejam A a famılia dos conjuntos algebricos afins e B a famılia dos ideaisde k[X1, . . . , Xn]. Observe que temos duas funcoes I : A → B e V : B → Atais que V ◦ I e a identidade A → A, em particular I e injetiva. Por outrolado V nao e injetiva (como ja observado V (X) = V (X2)). Logo I e V naosao uma a inversa da outra. Nas proximas aulas estudaremos esse problema.

Exercıcios.

(1) Calcule (em k2)• I(V (X − Y )),• I(V (Y 2 −X3)),• I(V (X2(Y + 1), Y 3(X + 1))).

(2) Seja V = {(t, t2, t3) : t ∈ k} ⊆ k3. Mostre que V e um conjuntoafim e calcule I(V ). Mostre que Γ(V ) ∼= k[T ].

(3) Calcule I(V (Y −X2)∩ V (Y )) e interprete o resultado geometrica-mente.

(4) De um exemplo de uma famılia infinita de conjuntos afins cujauniao nao e um conjunto afim.

(5) Faca um desenho de V (f) ⊂ R2 onde f e cada um dos seguintes.• XY − 1 (hiperbole),• Y 2 −X3 +X (exemplo de curva elıptica),• Y 2 −X3 (curva com ponto singular),• (X2 + Y 2)2 + 3X2Y − Y 3 (trifoil),• (X2 + Y 2)3 − 4X2Y 2 (quadrifoil),• 4(X2 + Y 2)2 − 4X(X2 − 3Y 2)− 27(X2 + Y 2) + 27,• (X2 − Y )2 + Y 3(Y − 1).

Pode usar programas. Em cada caso calcule o ideal da intersecaode V (f) com uma reta que passa por um ponto singular da curva(se tiver).

(6) Calcule o fecho de Zariski de X = {(t, sin(t)) : 0 ≤ t ≤ 1} em R2.

3. Irredutibilidade e outras propriedades topologicas

Sejam A a famılia dos conjuntos algebricos afins e B a famılia dos ideaisde k[X1, . . . , Xn]. Observe que temos duas funcoes I : A → B e V : B → Atais que V ◦ I e a identidade A → A, em particular I e injetiva. Por outrolado V nao e injetiva (como ja observado V (X) = V (X2)). Logo I e V naosao uma a inversa da outra.

Lembre-se que a algebra afim Γ(V ) de um conjunto afim V ⊆ kn e oanel das funcoes polinomiais V → k (o analogo em geometria diferencial eo conjunto das funcoes diferenciaveis X → R se por exemplo X for umavariedade real). Ja mostramos que Γ(V ) ∼= k[X1, . . . , Xn]/I(V ). Algumasobservacoes.

• Γ(kn) ∼= k[X1, . . . , Xn]. De fato I(kn) = (0).

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32 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

• Seja V = V (Y − X2) a parabola. Entao I(V ) = (Y − X2) logoΓ(V ) ∼= k[X,Y ]/(Y − X2) ∼= k[T ] (um isomorfismo e dado apli-cando o teorema de isomorfismo a k[X,Y ]→ k[T ] que leva P (X,Y )para P (T, T 2) - o nucleo e exatamente I(V ), como mostrei na aulapassada).• Uma funcao f : X → Y entre espacos topologicos e “continua” sef−1(U) e um aberto de X para todo aberto U de Y . Equivalen-temente, f−1(W ) e um fechado de X para todo fechado W de Y .Se f ∈ Γ(V ) entao f : V → k e Zariski-continua (onde V tem atopologia de subespaco). De fato, a topologia de Zariski em k e atopologia cofinita e se a ∈ k entao f−1(a) = {x ∈ V : f(x) =a} = {x ∈ V : f(x) − a = 0} = V ∩ V (f − a) e fechado em V .Assim se W = {a1, . . . , am} e um qualquer fechado em k diferentede k entao f−1(W ) = f−1(a1) ∪ . . . ∪ f−1(am) e um fechado pois euma uniao finita de fechados.

Por outro lado observe que (exercıcio) qualquer funcao bijetiva k → ke Zariski-continua. Assim nao definiremos morfismos entre conjuntos afinscomo sendo somente funcoes Zariski-continuas pois obteriamos uma teoriafraca.

Definicao. O espaco topologico X e chamado de irredutıvel se cada vezque X = F ∪G com F,G fechados um entre F e G e igual a X. Equivalen-temente, todo aberto nao vazio de X e denso (isto e, intercepta todo abertonao vazio).

E obvio que todo espaco irredutıvel e conexo. Observe que a nocaode irredutibilidade e bem mais forte que a nocao de conexidade pois porexemplo R com a topologia usual e conexo mas nao e irredutıvel, de fatoe uniao dos dois fechados (−∞, 1] e [0,+∞) (por exemplo). Na verdadee muito facil mostrar que um espaco topologico irredutıvel e Hausdorff eobrigado a ser um unico ponto. O proximo teorema mostra que a nocao deirredutibilidade faz muito mais sentido no contexto da topologia de Zariski.

Teorema. Seja V um conjunto afim com a topologia de Zariski. EntaoV e irredutıvel se e somente se I(V ) e um ideal primo, equivalentementeΓ(V ) e um domınio de integridade.

Demonstracao. Suponha V irredutıvel e sejam f, g ∈ k[X1, . . . , Xn]tais que fg ∈ I(V ). Queremos mostrar que um entre f e g pertence aI(V ). Temos (fg) ⊆ I(V ) logo V = V (I(V )) ⊆ V (fg) = V (f) ∪ V (g) logoV = (V ∩ V (f)) ∪ (V ∩ V (g)), e como V e irredutıvel obtemos por exemploque V = V ∩ V (f) (o outro caso e analogo), assim V ⊆ V (f). Mas issoimplica que f ∈ I(V ) (pois se x ∈ V entao x ∈ V (f) logo f(x) = 0).

Suponha I(V ) primo e escreva (por contradicao) V = V1∪V2 com Vi 6= Vfechado para i = 1, 2. Observe que como V e fechado, os Vi sao fechados emkn tambem (por definicao de topologia de subespaco). Como Vi ⊆ V temosI(V ) ⊆ I(Vi) para i = 1, 2 e na verdade I(V ) 6= I(Vi) para i = 1, 2 pois I

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3. IRREDUTIBILIDADE E OUTRAS PROPRIEDADES TOPOLOGICAS 33

e injetiva. Seja entao fi ∈ I(Vi) − I(V ) para i = 1, 2 e considere f = f1f2.Se x ∈ V = V1 ∪ V2 entao x ∈ V1 ou x ∈ V2, suponha por exemplo x ∈ V1.Assim f(x) = f1(x)f2(x) = 0 · f2(x) = 0 e isso mostra que f1f2 = f ∈ I(V ).Isso contradiz o fato que I(V ) e um ideal primo. �

Alguns exemplos.

• kn e irredutıvel pois I(kn) = (0) e um ideal primo de k[X1, . . . , Xn].

• E (topologicamente) claro que os pontos sao conjuntos irredutıveis.No nivel algebrico, se (a1, . . . , an) ∈ kn e um ponto entao

I({(a1, . . . , an)}) = (X1 − a1, . . . , Xn − an)

e um ideal maximal (como ja visto) entao em particular e primo(todo ideal maximal e primo).• V (X) e irredutıvel em k2 pois I(V (X)) = (X) e primo (de fatok[X,Y ]/(X) ∼= k[Y ] e um dominio).• Se f ∈ k[X1, . . . , Xn] e irredutıvel como polinomio entao um con-

junto afim V tal que I(V ) = (f) e irredutıvel, de fato o ideal (f)e primo: se ab ∈ (f) entao f divide ab e como k[X1, . . . , Xn] e umdomınio de fatoracao unica, f divide um entre a e b, assim a ∈ (f)ou b ∈ (f). Por exemplo V (Y −X2) e irredutıvel pois o ideal delee (Y −X2) e (e facil ver que) Y −X2 e um polinomio irredutıvelem k[X,Y ].• V (XY ) nao e irredutıvel pois V (XY ) = V (X) ∪ V (Y ) e uniao de

dois fechados proprios - ou tambem porque (XY ) nao e um idealprimo (X e Y nao pertencem a ele mas XY pertence).• Em geral se o polinomio f e redutıvel entao V (f) e redutıvel no

sentido topologico: se f = gh entao V (f) = V (g) ∪ V (h).

Teorema. Seja V um conjunto afim em kn. Podemos escrever V demaneira unica (a menos de permutacao) como V = V1 ∪ . . .∪ Vr onde os Visao afins irredutıveis e Vi 6⊆ Vj se i 6= j. Os Vi sao ditos as componentesirredutıveis de V .

Demonstracao.Existencia. Seja F a famılia dos conjuntos afins que nao sao uniao

de um numero finito de afins irredutıveis. Queremos mostrar que F = ∅.Suponha por contradicao que F 6= ∅ e seja V ∈ F com a propriedade queI(V ) e maximal na famılia {I(W ) : W ∈ F} (observe que tal V existe pois

k[X1, . . . , Xn] e Noetheriano!). E claro que V nao e irredutıvel (os conjuntosafins irredutıveis nao pertencem a F ) logo podemos escrever V = F ∪ Gcom F,G fechados e diferentes de V , logo I(F ) ⊃ I(V ) e I(G) ⊃ I(V ) (asinclusoes sao proprias pois I e injetiva). Isso implica que F,G 6∈ F pormaximalidade de I(V ), logo F e G sao decomponıveis como uniao finita deirredutıveis. Como V = F ∪G, V tambem e decomponıvel, e isso contradizo fato que V ∈ F .

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34 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

Unicidade. Escreva V = V1 ∪ . . . ∪ Vr = W1 ∪ . . . ∪Ws como uniao deirredutıveis (como no enunciado) de duas maneiras diferentes. E claro quepara mostrar a unicidade basta mostrar que para todo i ∈ {1, . . . , r} existej ∈ {1, . . . , s} tal que Vi = Wj . Seja entao i ∈ {1, . . . , r}. Temos

Vi = V ∩ Vi = (W1 ∪ . . . ∪Ws) ∩ Vi = (W1 ∩ Vi) ∪ . . . ∪ (Ws ∩ Vi)assim como Vi e irredutıvel existe j ∈ {1, . . . , s} tal que Vi = Wj ∩ Vi, ouseja Vi ⊆ Wj . Pelo mesmo argumento aplicado a Wj existe l ∈ {1, . . . , r}tal que Wj ⊆ Vl, assim Vi ⊆ Vl. Por hipotese isso implica que Vi = Vl, emparticular Vi ⊆Wj ⊆ Vl = Vi implica que Vi = Wj . �

Exercıcios.

(1) Mostre que Γ(V (X − Y )) ∼= Γ(V (Y )) ∼= Γ(V (X)) ∼= Γ(Y −X3).(2) Mostre que “o circulo nao e isomorfo a parabola”:

Γ(V (X2 + Y 2 − 1)) 6∼= Γ(V (Y −X2)).

Dica: faca primeiro o caso em que k e algebricamente fechado.(3) Considere a topologia produto em k2 = k× k (observe que se trata

da topologia que faz de k2 o produto categorial na categoria Top!).Mostre que a topologia produto em k2 e diferente da topologia deZariski em k2 (o que nao acontece no caso da topologia usual deRn por exemplo). Dica: considere V (X − Y ) em k2.

(4) Mostre que a hiperbole V (XY − 1) e Zariski-conexa (!).(5) De um exemplo de um conjunto algebrico afim V de k2 com exa-

tamente duas componentes irredutıveis F e G e de uma funcaopolinomial f : V → k tal que f e sobrejetiva mas as restricoes f |Fe f |G nao sao sobrejetivas.

4. Nullstellensatz: o teorema dos zeros de Hilbert

4.1. Versao fraca.

Lema. Seja k um corpo. Se A e uma k-algebra finitamente gerada entaoA/I e uma k-algebra finitamente gerada para todo ideal proprio I de A.Alem disso, toda k-algebra finitamente gerada B e isomorfa a um quocientek[X1, . . . , Xn]/I (para algum n que depende de B).

Demonstracao. Se A e finitamente gerada entao A/I e finitamentegerada pois geradores de A sao levados para geradores de A/I via A →A/I. Se B e uma k-algebra finitamente gerada e {b1, . . . , bn} e um conjuntogerador de B o homomorfismo de k-algebras k[X1, . . . , Xn] → B obtidolevando Xi para bi para todo i e sobrejetivo e agora basta aplicar o teoremade isomorfismo. �

Lema. Seja k um corpo e seja E uma k-algebra finitamente gerada. SeE e um corpo entao a dimensao dimk(E) e finita.

Demonstracao. Atiyah-Macdonald Proposition 7.9. �

Page 35: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

4. NULLSTELLENSATZ: O TEOREMA DOS ZEROS DE HILBERT 35

Teorema (Nullstellensatz - Versao fraca). Seja k um corpo algebrica-mente fechado. Se I e um ideal proprio de k[X1, . . . , Xn] entao V (I) 6= ∅.

Demonstracao. Seja I um ideal proprio de A = k[X1, . . . , Xn] e sejaJ um ideal maximal de A contendo I. Entao J e um ideal proprio deA e se V (J) 6= ∅ entao V (I) 6= ∅ tambem (de fato V (I) ⊇ V (J)). Issomostra que podemos supor I = J , ou seja, podemos supor que I seja umideal maximal de A. Temos homomorfismos canonicos k → A → A/I eA/I e uma k-algebra finitamente gerada. Por outro lado A/I e tambemum corpo pois I e um ideal maximal, assim o lema implica que o grau[A/I : k] e finito. Como k e algebricamente fechado isso mostra que acomposicao k → A/I e um isomorfismo. O nucleo da composicao ϕ : A →A/I ∼= k e exatamente I. Seja ai := ϕ(Xi) ∈ k para i = 1, . . . , n e sejaa = (a1, . . . , an). Vamos mostrar que a ∈ V (I). Se f ∈ I entao ϕ(f) = 0logo 0 = ϕ(f(X1, . . . , Xn)) = f(ϕ(X1), . . . , ϕ(Xn)) = f(a). �

Observe que a hipotese que k seja algebricamente fechado e necessariapois por exemplo V (X2 + 1) = ∅ se k = R.

Uma consequencia e a seguinte. Se k e algebricamente fechado e V ⊆ kne um conjunto afim entao existe uma bijecao ψ entre V e a famılia dosideais maximais de Γ(V ) ∼= k[X1, . . . , Xn]/I(V ), a que leva a ∈ V paraI({a})/I(V ) = (X1 − a1, . . . , Xn − an)/I(V ) (isso faz sentido pois a ∈ Vimplica I(V ) ⊆ I({a}) por contravarianca). Em particular considerandoV = kn obtemos uma bijecao entre kn e os ideais maximais de k[X1, . . . , Xn]:todo ideal maximal de k[X1, . . . , Xn] tem a forma (X1 − a1, . . . , Xn − an).

A funcao ψ e injetiva pois se ψ(a) = ψ(b) entao I({a}) = I({b}) logo{a} = V (I({a})) = V (I({b})) = {b}. Mostraremos agora que ψ e sobreje-tiva. Seja m/I(V ) um ideal maximal de Γ(V ) ∼= A/I(V ). Em particular me um ideal maximal de A, logo m 6= A assim V (m) 6= ∅ pelo Nullstellensatzversao fraca. Seja a = (a1, . . . , an) ∈ V (m). Assim

m ⊆ I(V (m)) ⊆ I({(a1, . . . , an)}) = (X1 − a1, . . . , Xn − an).

Como m e maximal obtemos m = (X1 − a1, . . . , Xn − an).

4.2. Versao forte. Dado um ideal I de um anel (comutativo, unitario)

A, seja√I (o “radical de A”) o conjunto dos elementos a ∈ A tais que am ∈ I

para algum inteiro m ≥ 1. Se trata de um ideal de A contendo I. O ideal Ie chamado de radical se I =

√I. E claro que se I e um ideal qualquer entao√

I e radical, ou seja√√

I =√I. Por exemplo e obvio que todos os ideais

primos sao radicais.

Lema.√I e igual a intersecao dos ideais primos de A que contem I.

Demonstracao. Atiyah-Macdonald, Proposition 1.8 aplicada aoquociente A/I. �

Page 36: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

36 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

Lema. Sejam k um corpo, A uma k-algebra finitamente gerada, f ∈A e seja Af = S−1A (localizado) onde S e o conjunto das potencias fm

com m ≥ 0 inteiro. Entao Af ∼= A[T ]/(Tf − 1) e tambem uma k-algebrafinitamente gerada.

Demonstracao. Para mostrar o isomorfismo no enunciado basta apli-car a propriedade universal de Af . Agora e claro que Af e finitamentegerado pois e um quociente de A[T ] que e finitamente gerado. �

Teorema (Nullstellensatz - versao forte). Seja k um corpo algebrica-

mente fechado e seja I um ideal de A = k[X1, . . . , Xn]. Entao I(V (I)) =√I.

Observe que a versao forte implica a versao fraca pois se IEA e V (I) = ∅entao A = I(∅) = I(V (I)) =

√I logo 1 ∈

√I, assim 1 ∈ I ou seja I = A.

Demonstracao. A inclusao√I ⊆ I(V (I)) e clara pois se g ∈

√I entao

gm ∈ I para algum inteiro m ≥ 1 logo se x ∈ V (I) entao gm(x) = 0 assim(g(x))m = 0 o que implica g(x) = 0. Vamos mostrar a inclusao I(V (I)) ⊆√I. Basta mostrar que se f ∈ A e tal que f 6∈

√I entao f 6∈ I(V (I)).

Suponha entao f 6∈√I. Pelo lema existe um ideal primo p de A que contem I

e tal que f 6∈ p. Sejam B = A/p, f a imagem de f em B e C = Bf = B[1/f ].

Como 0 6= f ∈ B e B e um domınio de integridade, C = Bf 6= {0} (pois

f nao e nilpotente). Seja m um ideal maximal de C. Observe que pelolema C e uma k-algebra finitamente gerada, logo C/m tambem e uma k-algebra finitamente gerada. Como C/m e tambem um corpo, a composicaodos morfismos canonicos k → A→ B → C → C/m e um isomorfismo (pelolema, pois k e algebricamente fechado). Seja γ : A → C/m a composicaoacima e seja ai := γ(Xi) para i = 1, . . . , n. Seja a := (a1, . . . , an) ∈ kn.Temos

f(a) = f(γ(X1), . . . , γ(Xn)) = γ(f(X1, . . . , Xn)) = γ(f) 6= 0

pois f/1 6∈ m (de fato, f/1 e invertıvel em C). Por outro lado se g ∈ I entaog ∈ p (porque I ⊆ p) logo g = 0 em B, assim g(a) = γ(g) = 0 e isso mostraque a ∈ V (I). Deduzimos que f 6∈ I(V (I)). �

Uma consequencia imediata e que se agora A e a famılia dos conjuntosalgebricos afins de kn e B e a famılia dos ideais radicais de k[X1, . . . , Xn]entao as funcoes I : A → B e V : B → A sao uma a inversa da outra (agora

sim!). De fato se I e um ideal radical entao I(V (I)) =√I = I. Nessa cor-

respondencia os conjuntos afins irredutıveis correspondem aos ideais primose os pontos correspondem aos ideais maximais.

Uma outra consequencia e a seguinte.

Proposicao. Seja k um corpo algebricamente fechado. Se F e G saofechados disjuntos de kn entao Γ(F ∪G) ∼= Γ(F )× Γ(G).

Page 37: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

5. MORFISMOS 37

Demonstracao. De fato escreva F = V (I), G = V (J) com I = I(F )e J = I(G). Em particular I e J sao ideais radicais, logo I ∩ J e radical

tambem, de fato√I ∩ J =

√I ∩√J = I ∩ J , e aplicando o Nullstellensatz

versao forte obtemos I(V (I ∩ J)) =√I ∩ J = I ∩ J . Observe que ∅ =

F ∩ G = V (I + J) logo I + J = A = k[X1, . . . , Xn] pelo Nullstellensatzversao fraca, assim I e J sao ideais coprimos. Pelo teorema chines temosentao

Γ(F ∪G) = Γ(V (I ∩ J)) ∼= A/I ∩ J ∼= A/I ×A/J ∼= Γ(F )× Γ(G).

Isso conclui a demonstracao. �

Por exemplo considere os fechados F = V (X) e G = V (X−1) em k2. Sef ∈ Γ(F ) e g ∈ Γ(G), a funcao polinomial h(x) = xg− (x− 1)f ∈ Γ(F ∪G)tem a propriedade que h|F = f e h|G = g.

Exercıcios.

(1) Seja k um corpo algebricamente fechado e seja f ∈ k[X1, . . . , Xn].Calcule I(V (f)).

(2) Dados dois pontos distintos a e b em k2 construa uma funcao poli-nomial k2 → k que vale 0 em a e 1 em b.

(3) Mostre que Af ∼= A[T ]/(Tf − 1) (cf. o lema acima).(4) Seja A um anel Noetheriano e I um ideal de A. Mostre que existe

m ≥ 1 tal que (√I)m ⊆ I.

5. Morfismos

Seja k um corpo algebricamente fechado (a partir de agora k indica sem-pre um corpo algebricamente fechado a menos que nao seja explicitamenteespecificado o contrario). Por exemplo C (o corpo dos numeros complexos).Isso significa que todo polinomio de k[X] admite uma raiz em k, equivalen-temente nao existem extensoes finitas de k de grau maior que 1. Lembre-se que isso implica que k e infinito, pois se k fosse finito entao escrevendok = {a1, . . . , am} teriamos que o polinomio P (X) = (X−a1) · · · (X−am)+1verifica P (a) = 1 6= 0 para todo a ∈ k.

O teorema de Hilbert Nullstellensatz fala que (forma forte) se I E A =

k[X1, . . . , Xn] entao I(V (I)) =√I = {a ∈ A : am ∈ I ∃m ≥ 1} (o

radical de I), em particular (forma fraca) I = (1) se e somente se V (I) =∅. Assim I e V sao bijecoes uma a inversa da outra entre a famılia dosconjuntos algebricos afins de kn e a famılia dos ideais radicais de A (um

ideal I de A e chamado de radical se√I = I). De fato os ideais I(V )

sao radicais pois√I(V (I)) =

√√I =

√I = I(V (I)). Os ideais primos

sao radicais, eles correspondem aos conjuntos afins irredutıveis. Os ideaismaximais correspondem aos pontos: a funcao que vai de V (conjunto afim)ao conjunto dos ideais maximais de Γ(V ) e que leva a para I({a}) e umabijecao. Para as correspondencias seguintes veja a lista dos exercıcios.

Page 38: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

38 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

{conjuntos afins contidos em V } ∼= {ideais radicais de Γ(V )}{pontos de V } ∼= {ideais maximais de Γ(V )}

{componentes irredutıveis de V } ∼= {ideais primos minimais de Γ(V )}Por exemplo se V e irredutıvel entao Γ(V ) e um domınio de integridade logoo unico ideal primo minimal e o ideal nulo.

Dois ideais I e J de A sao “coprimos” se I + J = A, ou seja se existemi ∈ I e j ∈ J com i+ j = 1. O teorema chines fala que nessa situacao IJ =I ∩J e A/I ∩J ∼= A/I ×A/J . Mostrar isso nao e difıcil. Uma consequenciado Nullstellensatz versao forte e que se F e G sao fechados disjuntos dekn entao Γ(F ∪ G) ∼= Γ(F ) × Γ(G), como visto na aula passada usando oteorema chines [Interpretaremos isso dizendo que o funtor Γ leva coprodutospara produtos.]. Observe que isso tem uma aplicacao interessante: se V eum conjunto afim entao V e finito se e somente se Γ(V ) tem dimensao finitasobre k. De fato se V e finito entao V = {a1, . . . , am} = {a1}∪. . .∪{am} logoV e uniao de fechado disjuntos assim Γ(V ) ∼= Γ({a1})× . . .×Γ({am}) ∼= km

(lembre-se que a algebra afim de um ponto e sempre isomorfa a k). Poroutro lado se Γ(V ) ∼= km e claro que Γ(V ) tem um numero finito de ideaismaximais (exatamente m).

Uma outra aplicacao interessante tem a ver com compacidade. Umespaco topologico X e quase-compacto se cada vez que {Ui}i∈I e uma famıliade abertos deX cuja uniao eX existe uma subfamılia finita dos Ui cuja uniaoe X. Normalmente um espaco e chamado de compacto se e quase-compactoe Hausdorff. No nosso caso a nocao de Hausdorff e pouco interessante porqueZariski-Hausdorff e a mesma coisa que discreto.

Proposicao. kn e Zariski-quase compacto.

Demonstracao. E facil ver que para verificar se um espaco topologicoe quase-compacto basta considerar coberturas formadas de abertos de umadada base de abertos. O espaco kn admite a base dos abertos padroesD(f) = {x ∈ kn : f(x) 6= 0} = kn − V (f) onde f ∈ A = k[X1, . . . , Xn].Se kn =

⋃i∈I D(fi) entao ∅ =

⋂i∈I V (fi) = V (fi : i ∈ I) logo pelo

Nullstellensatz forma fraca (fi : i ∈ I) = (1), assim existem f1, . . . , frna famılia e a1, . . . , ar ∈ A tais que

∑ri=1 aifi = 1. Logo

⋂ri=1 V (fi) =

V (f1, . . . , fr) = V (1) = ∅ logo⋃ri=1D(fi) = kn. �

Definicao. Sejam V ⊆ kn, W ⊆ km conjuntos afins. Um morfismo(funcao regular) entre V e W e uma funcao ϕ : V →W tal que existem po-linomios ϕi ∈ k[X1, . . . , Xn], i = 1, . . . ,m, tais que ϕ(x) = (ϕ1(x), . . . , ϕm(x))para todo x ∈ V .

Algumas observacoes.

• Os elementos de Γ(V ) sao os morfismos V → k.

Page 39: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

5. MORFISMOS 39

• Todo morfismo e Zariski-continuo. De fato seja ϕ : V → W ummorfismo, e seja U = D(f) ∩W um aberto padrao de W . Paramostrar que ϕ−1(U) e aberto em V basta mostrar que ϕ−1(F ) efechado, onde F = W −D(f) = W ∩ V (f). Mas

ϕ−1(F ) = {a ∈ V : ϕ(a) ∈ V (f)} = {a ∈ V : f(ϕ(a)) = 0}= {a ∈ V : f(ϕ1(a), . . . , ϕm(a)) = 0} = V (g) ∩ V

onde g(X1, . . . , Xn) = f(ϕ1(X1, . . . , Xn), . . . , ϕm(X1, . . . , Xn)).• Nao toda funcao Zariski-continua e um morfismo, de fato como ja

observado toda funcao bijetiva k → k e Zariski-continua.• ϕ : k2 → k dada por (x, y) 7→ x e um morfismo (projecao na

primeira componente). A restricao de ϕ a parabola V (Y −X2) eum isomorfismo, a inversa e x 7→ (x, x2).• ϕ : V (Y −X2)→ V (Y −X), ϕ(t, t2) = (t, t) e um isomorfismo! O

morfismo inverso leva (t, t) para (t, t2).• Considere V = V (X3 + Y 2 − X2) em k2. Interceptando V com

a reta Y = tX obtemos um morfismo ϕ : k → V dado por t 7→(t2 − 1, t(t2 − 1)) que nao e injetivo. Faca um desenho.• Se um morfismo bijetivo ϕ : kn → kn e dado por polinomios de

grau 1 entao e um isomorfismo, ou seja existe um morfismo inverso.[Lista de exercıcios]

Temos entao uma categoria! Os objetos sao os conjuntos afins e osmorfismos sao definidos acima. Alem disso, Γ e um funtor contravariante!Sejam C a categoria dos conjuntos afins e D a categoria das k-algebrasfinitamente geradas. Vamos definir um funtor Γ : C → D que leva Vpara Γ(V ) (a algebra afim de V ) e um morfismo ϕ : V → W para Γ(ϕ) :

Γ(W ) → Γ(V ) definido assim: Γ(ϕ)(f) := f ◦ ϕ. E facil ver que Γ(ϕ) eum homomorfismo de k-algebras. Observe que como Γ e um funtor, ele levaisomorfismos para isomorfismos.

• Γ(V ) = HomC (V, k) (funtorialmente em V ).• Considere a projecao ϕ : k2 → k, (x, y) 7→ x. Entao Γ(ϕ) : k[X]→k[X,Y ] leva P (X) para P (X) (inclusao).• Seja f um polinomio irredutıvel em k[X,Y ] e seja ϕ : V (f) → k,ϕ(x, y) = x a primeira projecao. Entao Γ(ϕ) : k[X] → Γ(V ) ∼=k[X,Y ]/(f) leva P (X) para P (X) = P (X) + (f) (I(V (f)) = (f)

pelo teorema de Hilbert, pois√

(f) = (f) sendo f irredutıvel).• Observe que I(V (Y 2 −X3)) = (Y 2 −X3) em k2 (mostre isso por

exercıcio). A funcao ϕ : k → V (Y 2 − X3) que leva t para (t2, t3)e um morfismo bijetivo de conjuntos afins. Se fosse um isomor-fismo entao o morfismo de k-algebras correspondente k[X,Y ]/(Y 2−X3) → k[T ] seria um isomorfismo de k-algebras (!), mas ele leva

P (X,Y ) para P (T 2, T 3) logo a imagem e k[T 2, T 3] 6= k[T ]. LogoΓ(ϕ) nao e sobrejetivo, em particular nao e isomorfismo (de k-algebras). Isso mostra que ϕ nao e isomorfismo de conjuntos afins.

Page 40: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

40 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

Geometricamente isso e devido ao fato que V tem uma singulari-dade em (0, 0) (faca um desenho), entao e razoavel que nao sejaisomorfo a reta afim.

Exercıcios.

(1) Seja k um corpo algebricamente fechado e seja V ⊆ kn um conjuntoalgebrico afim. Mostre que existe uma bijecao entre a famılia dosconjuntos afins contidos em V e a famılia dos ideais radicais deΓ(V ), que W e um ponto em V se e somente se Γ(W ) ∼= k e queW e uma componente irredutıvel de V se e somente se I(W )/I(V )e um ideal primo minimal de Γ(V ). Deduza que Γ(V ) contem soum numero finito de ideais primos minimais.

(2) Seja k um corpo qualquer (!). Mostre que todo subespaco topolo-gico de kn (com a topologia de Zariski) e quase-compacto. [Dica:mostre que toda sequencia crescente de abertos estabiliza.]

(3) Escreva a demonstracao do teorema chines como formulado acima.(4) Mostre que se um morfismo bijetivo ϕ : kn → kn e dado por po-

linomios de grau 1 entao e um isomorfismo.

6. Equivalencia 1: Conjuntos Afins e k-Algebras FinitamenteGeradas Reduzidas

Seja C a categoria dos conjuntos afins, e seja D a categoria das k-algebras finitamente geradas. O funtor contravariante Γ : C → D leva umconjunto afim V para a algebra afim Γ(V ) = HomC (V, k) e um morfismoϕ : V → W para o morfismo de k-algebras Γ(W ) → Γ(V ) que leva f paraf ◦ ϕ. Suponha V ⊆ kn e W ⊆ km. Sejam ηi = Xi + I(W ) ∈ Γ(W )para i = 1, . . . ,m. Assim ηi corresponde a projecao na i-esima componenteW → k e Γ(ϕ)(ηi) = ηi ◦ ϕ = ϕi onde ϕ = (ϕ1, . . . , ϕm).

Proposicao. Γ e inteiramente fiel. Em outras palavras HomC (V,W )→HomD(Γ(W ),Γ(V )) que leva ϕ para Γ(ϕ) e uma bijecao.

Demonstracao. Sejam V ⊆ kn, W ⊆ km, ηi = Xi + I(W ) ∈ Γ(W ).Sabemos que se ϕ = (ϕ1, . . . , ϕm) : V → W e um morfismo entao ϕi =Γ(ϕ)(ηi). Γ e fiel pois se ϕ,ψ sao morfismos V → W tais que Γ(ϕ) = Γ(ψ)entao ϕi = Γ(ϕ)(ηi) = Γ(ψ)(ηi) = ψi para todo i = 1, . . . ,m logo ϕ = ψ.

Vamos mostrar que Γ e inteiro: seja θ : Γ(W )→ Γ(V ) um homomorfismode k-algebras. Seja ϕi = θ(ηi) ∈ Γ(V ) onde ηi : W → k e a i-esima projecao(corresponde a classe de Xi no quociente k[X1, . . . , Xm]/I(W )). Considereϕ : V → km dado por ϕ(x) = (ϕ1(x), . . . , ϕm(x)). Vamos mostrar queϕ(V ) ⊆W . Seja f ∈ I(W ), queremos mostrar que f |ϕ(V ) = 0. Observe que

f e uma funcao polinomial f(x1, . . . , xm). E claro que f |W = f◦(η1, . . . , ηm).

Page 41: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

6. EQUIVALENCIA 1: CONJUNTOS AFINS E k-ALGEBRAS FINITAMENTE GERADAS REDUZIDAS41

Como f |W = 0 e θ e homomorfismo de k-algebras temos

0 = θ(0) = θ(f |W ) = θ(f ◦ (η1, . . . , ηm)) = f ◦ (θ(η1), . . . , θ(ηm))

= f ◦ (ϕ1, . . . , ϕm) = f ◦ ϕ,

assim f ◦ ϕ = 0 logo f |ϕ(V ) = 0. Isso mostra que ϕ(V ) ⊆W . E claro que ϕe um morfismo, e ϕi = θ(ηi) para todo i logo Γ(ϕ) = θ. �

Observe que a proposicao acima vale sem a hipotese que k seja alge-bricamente fechado. Observe tambem que existem k-algebras finitamentegeradas que nao podem ser isomorfas a nenhuma algebra afim, de fato se Ve um conjunto afim entao Γ(V ) e uma k-algebra reduzida, ou seja nao con-tem elementos nilpotentes nao nulos. De fato (exercıcio) um quociente A/Ie um anel reduzido se e somente se I e um ideal radical de A. Por exemplok[X]/(X2) nao e isomorfo a nenhuma algebra afim Γ(V ) com V ⊆ k1, defato o elemento a = X + (X2) e nilpotente: a2 = 0.

Agora mostraremos um resultado fundamental que liga geometria e algebra.Uma k-algebra A e chamada de reduzida se

√(0) = (0), ou seja A nao con-

tem elementos nilpotentes nao nulos.

Teorema. Seja k um corpo algebricamente fechado, seja C a categoriados conjuntos afins e seja D a categoria das k-algebras finitamente gera-das e reduzidas. Entao Γ : C → D e uma equivalencia contravariante decategorias.

Demonstracao. Ja sabemos que Γ e um funtor contravariante e quee inteiramente fiel. Falta mostrar que e essencialmente sobrejetivo. SejaB uma k-algebra finitamente gerada e reduzida, assim existe um anel depolinomios A = k[X1, . . . , Xn] e um ideal I de A tais que B ∼= A/I. Como

B e reduzida, I e radical:√I = I. Seja V := V (I). Pelo Nullstellensatz

temos entao I(V ) =√I = I logo B ∼= A/I ∼= Γ(V ). �

Isso explica algumas coisas.

• Se F e G sao fechados disjuntos Γ(F ∪G) ∼= Γ(F )×Γ(G). De fatoF ∪G nesse caso e um coproduto (categorial) e Γ(F )× Γ(G) e umproduto (categorial).• A algebra afim de k2 = k×k e k[X,Y ], ou seja Γ(k2) ∼= Γ(k)⊗kΓ(k),

assim Γ leva o produto (categorial) k × k = k2 para o coproduto(categorial) k[X,Y ] = k[X]⊗k k[X].

Se trata so de alguns exemplos, mas a filosofia atras do teorema e que nonivel categorial trabalhar com conjuntos afins e a mesma coisa que trabalharcom k-algebras finitamente geradas reduzidas.

Um morfismo ϕ : V →W e chamado de dominante se ϕ(V ) e denso emW (ou seja, ϕ(V )∩U 6= ∅ para todo aberto nao vazio U de W ). A proposicao

Page 42: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

42 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

seguinte mostra que na categoria dos conjuntos afins os epimorfismos saoexatamente os morfismos dominantes.

Proposicao. Seja ϕ : V →W um morfismo de conjuntos afins. Entaoϕ e dominante se e somente se Γ(ϕ) e injetiva. Alem disso se ϕ e dominantee V e irredutıvel entao W e irredutıvel.

Demonstracao. A segunda parte segue da primeira pois se V e irre-dutıvel entao Γ(V ) e um domınio de integridade logo Γ(W ) e tambem umdomınio de integridade se Γ(ϕ) : Γ(W ) → Γ(V ) for injetiva. Mostraremosagora a primeira parte.

Suponha ϕ dominante e f ∈ ker(Γ(ϕ)), assim f ◦ϕ = 0, logo f |ϕ(V ) = 0.Se f 6= 0 entao W ∩D(f) 6= ∅ e um aberto nao vazio de W (lembre-se que osabertos padroes formam uma base da topologia). Como ϕ(V ) e denso existex ∈ V tal que ϕ(x) ∈ W ∩ D(f), ou seja f(ϕ(x)) 6= 0, uma contradicao.Logo f = 0.

Suponha Γ(ϕ) injetiva e seja X = ϕ(V ). X e um conjunto algebricocontido em W . Se X 6= W entao I(W ) esta contido propriamente em I(X)(pois I e injetiva) logo existe f ∈ I(X) − I(W ), assim f |X = 0, f |W 6= 0.Temos 0 = f ◦ ϕ = Γ(f |W ), contradicao. �

Um exemplo e dado pela hiperbole: a projecao na primeira componenteV (XY − 1) → k que leva (x, y) para x e dominante (faca um desenho), defato o morfismo correspondente e a inclusao k[X] → k[X,X−1] (aqui estouidentificando k[X,Y ]/(XY − 1) com k[X,X−1]).

Exercıcios.

(1) Faca dois exemplos diferentes de morfismos bijetivos que nao saoisomorfismos, e dois exemplos diferentes de morfismos dominantesϕ explicitando Γ(ϕ).

(2) Seja X um espaco topologico e seja Y um subespaco irredutıvel deX. Seja U um aberto de Y . Mostre que U e Y (o fecho topologicode Y em X) sao irredutıveis.

(3) Um elemento e de um anel (comutativo, unitario) A e chamado deidempotente se e2 = e. A e dito conexo se os unicos elementosidempotentes de A sao 0 e 1. Mostre que A e conexo se e somentese nao e isomorfo a um produto direto de aneis B×C. Lembrandoque Γ(F ∪ G) ∼= Γ(F ) × Γ(G) cada vez que F e G sao fechadosdisjuntos em kn, de uma interpretacao geometrica dos elementosidempotentes.

(4) Seja V = V (Y 2 −X3) em k2. Mostre que I(V ) = (Y 2 −X3) e queV 6∼= k.

7. Espaco projetivo

Seja V um espaco vetorial sobre um corpo k. P(V ) (espaco projetivoassociado a V ) e a famılia dos subespacos vetoriais de V . Se U ≤ V vamos

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7. ESPACO PROJETIVO 43

denotar σU o correspondente elemento de P(V ). Dados dois espacos proje-tivos P(V ) e P(W ), um morfismo entre eles e uma funcao f : P(V )→ P(W )tal que existe um homomorfismo linear φ : V →W tal que f(σU) = σφ(U)para todo U ≤ V . Assim podemos falar da “categoria dos espacos projeti-vos”. Se U ≤W escrevemos σU ≤ σW , e definamos σU ∩σW := σ(U ∩W )e σU + σW := σ(U +W ).

Se σW ∈ P(V ) definamos dim(σW ) := dim(W )−1 (dimensao projetiva).Um “ponto” projetivo e um elemento de P(V ) de dimensao (projetiva) zero,uma “reta” projetiva e um elemento de P(V ) de dimensao (projetiva) 1,um “plano” projetivo e um elemento de P(V ) de dimensao (projetiva) 2.Assim um ponto tem a forma σ〈v〉 com v um vetor nao nulo de V , umareta tem a forma σ〈v, w〉 com v, w vetores de V linearmente independentes,um plano tem a forma σ〈u, v, w〉 com u, v, w linearmente independentes.Se P = σ〈u〉 e Q = σ〈v〉 sao dois pontos, a reta que passa por eles eP + Q := σ〈u, v〉. Se P = σ〈u〉, Q = σ〈v〉, R = σ〈w〉 sao pontos em“posicao generica”, ou seja “nao colineares” (isto e, P + Q + R nao e umareta) entao P + Q + R = σ〈u, v, w〉 e um plano. Um “triangulo” e dadopor tres pontos P1, P2, P3 nao colineares e as tres retas p1 = P2 + P3,p2 = P1 + P3 e p3 = P1 + P2 (os lados do triangulo). Analogamente epossıvel definir outras figuras conhecidas da geometria afim.

Normalmente o espaco projetivo e identificado com o conjunto dos pon-tos projetivos: P(V ) = {〈v〉 : 0 6= v ∈ V }. Ou tambem, P(V ) = V −{0}/ ∼onde v ∼ w se e somente se v e w sao proporcionais. Se k e o corpo basevamos escrever Pn(k) := P(kn+1) (espaco projetivo de dimensao n). Porexemplo P2(k) e o plano projetivo. Os elementos de Pn(k) tem “coorde-nadas homogeneas” (x0, x1, . . . , xn), isso significa que estamos identificandodois vetores de kn+1 se sao proporcionais. Assim por exemplo (1, 1) e (2, 2)representam o mesmo ponto de P1. Geometricamente P1 pode ser descritocomo um “circulo modulo antipodalidade”, ou seja (por exemplo) o semi-circulo dos (x0, x1) tais que x2

0 + x21 = 1 e x0 > 0 unido com o ponto (0, 1)

(chamado de ponto no infinito). Assim P1 − {(0, 1)} tem estrutura de retaafim (por meio da projecao estereografica: faca um desenho).

Uma reta projetiva em P2 pode ser descrita com uma equacao homogeneaem x0, x1, x2, por exemplo x0+x1+x2 = 0 e a unica reta que contem os pon-tos (projetivos) (0, 1,−1) e (1, 0,−1). Observe que entao duas retas no planoprojetivo sao dadas por uma equacao logo elas admitem uma intersecao, ouseja existe um ponto de intersecao (de fato, um sistema linear homogeneocom duas equacoes e tres incognitas sempre tem uma solucao nao nula). Issonao acontece no plano afim k2, onde existem retas paralelas. Geometrica-mente P2 pode ser descrito como uma “esfera modulo antipodalidade”, ouseja (por exemplo) a semi-esfera dos (x0, x1, x2) tais que x2

0 + x21 + x2

2 = 1 e

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44 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

uma das condicoes seguintes vale: x2 > 0, ou x2 = 0 e x0 > 0, ou x2 = 0,x0 = 0 e x1 = 1.

Os pontos do espaco projetivo Pn(k) que verificam xi 6= 0 formam umconjunto que podemos identificar com o espaco afim kn, de fato por exemploos pontos projetivos com x0 6= 0 tem a forma (1, x1, . . . , xn). O subconjuntodefinido pela equacao x0 6= 0 e entao “afim”, e chamaremos ele de “abertoafim”. O espaco projetivo Pn(k) e entao a uniao de n + 1 abertos afins,x0 6= 0, . . ., xn 6= 0 (as cartas locais). Analogamente se r e uma qualquerreta projetiva em P2, entao P2 − r tem estrutura de plano afim. Considerea parabola afim y = x2 no plano afim k2. Com a substituicao x = x1/x0,y = x2/x0 obtemos, apos limpar os denominadores, que x2

1 = x0x2, se tratade uma conica projetiva no plano P2(k). Agora imagina de usar uma outracarta afim local, por exemplo x1 6= 0. Nessa carta local podemos dividir porx2

1, obtendo 1 = (x1/x1)2 = (x0/x1)(x2/x1). Considerando entao z = x0/x1

e w = x2/x1 obtemos zw = 1, que e a equacao de uma hiperbole (!). Logo,o que em uma carta local e uma parabola, em uma outra e uma hiperbole.Nos dois casos considerados, a reta x0 = 0 no primeiro caso e a reta x1 = 0no segundo sao chamadas de “reta no infinito” nos dois casos. Como a figuraabaixo explica, se trata de retas que contem pontos no infinito.

7.1. Dualidade projetiva. Seja V um espaco vetorial e seja V ∗ :=Hom(V, k) (o espaco dual de V ), o espaco das aplicacoes lineares V → k.Temos dim(V ) = dim(V ∗). Considere ∆ : P(V )→ P(V ∗) que leva σW paraσW⊥ onde W⊥ := {f ∈ V ∗ : f |W = 0}. A funcao ∆ tem as propriedadesseguintes: se U,W sao subespacos de V entao

• σU ≤ σW se e somente se ∆(σU) ≥ ∆(σW ),• ∆(σU + σW ) = ∆(σU) ∩∆(σW ),• ∆(σU ∩ σW ) = ∆(σU) + ∆(σW ),

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7. ESPACO PROJETIVO 45

• dim(∆(σU)) = n− 1− dim(σU).

Podemos “dualizar” os enunciados da geometria projetiva. Por exemploconsidere o plano projetivo P2. O dual de um ponto e uma reta e o dualde uma reta e um ponto. O dual de “um ponto pertence a uma reta” e“uma reta passa por um ponto”. O conceito de pontos colineares se traduzno conceito de retas concorrentes. Considere o enunciado “para dois pontospassa uma unica reta”. Se trata de uma frase verdadeira tanto no planoprojetivo quanto no plano afim. O dual dela e “duas retas se interceptamem um unico ponto”, que e verdadeiro no plano projetivo mas e falso noplano afim (no plano afim duas retas paralelas nao se interceptam). Issomostra que nao existe a versao analoga de “dualidade afim”.

7.2. Teorema de Desargues. No plano projetivo dois triangulos estaoem perspectiva axial se, e somente se, estiverem em perspectiva central.

[Wiki]

As frases “se dois triangulos estao em perspectiva axial entao estao emperspectiva central” e “se dois triangulos estao em perspectiva central entaoestao em perspectiva axial” sao uma a dual projetiva da outra.

Observe que no plano afim o teorema de Desargues deve ser formuladode maneira diferente quando os lados dos triangulos sao paralelos. No planoprojetivo nao tem esse problema.

Exercıcios

(1) Mostre que se P,Q,R sao tres pontos nao colineares de um espacoprojetivo de dimensao (projetiva) 3 entao P + Q + R e um plano.Dualize esse enunciado.

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46 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

(2) Mostre que no plano projetivo P2(k) o subconjunto formado pelos(x0, x1, x2) tais que x0 6= x1 tem estrutura de plano afim.

(3) Encontre uma carta afim local do plano projetivo em que a parabolay = x2 vire circulo. [Dica: considere a conica projetiva (x0 −x2)(x0 + x2) = x2

1.](4) Demonstre o teorema de Desargues (so uma das duas implicacoes,

pois a outra segue por dualidade projetiva).(5) Estude a conica projetiva x2

0 + x21 = x2

2 nas cartas locais x0 6= 0 ex2 6= 0.

(6) Mostre que P e um funtor covariante da categoria dos espacos ve-toriais sobre k a categoria dos espacos projetivos sobre k.

8. Nullstellensatz projetivo

Seja k um corpo infinito e seja R = k[X0, . . . , Xn]. Um polinomio F ∈ Rnao define uma funcao Pn(k) → k pois por exemplo se F e um polinomiohomogeneo (ou seja F e soma de monomios do mesmo grau) entao F (λx) =λdF (x) onde d e o grau de F . Quando x ∈ kn+1 denotamos com x oelemento correspondente de Pn(k). Ja vimos o exemplo da conica projetivaX2

1 = X0X2 (observe que se trata de uma equacao homogenea) no planoprojetivo P2(k). Agora vamos formalizar algumas coisas.

Definicao (Raiz de um polinomio). Sejam F ∈ R, x ∈ Pn(k). Dizemosque x e raiz de F se F (λx) = 0 para todo λ ∈ k. Neste caso escrevemosF (x) = 0.

• Se F e homogeneo de grau d entao F (λx) = λdF (x) logo F (x) = 0se e somente se F (x) = 0.• Se F =

∑ri=1 Fi com Fi homogeneo de grau αi para todo i =

1, . . . , r (com αi 6= αj se i 6= j) entao F (x) = 0 se e somente seFi(x) = 0 para todo i = 1, . . . , r. De fato F (λx) =

∑ri=1 λ

αiFi(x) =0 para todo λ ∈ k implica Fi(x) = 0 para todo i = 1, . . . , r pois ke um corpo infinito.• Pelo mesmo argumento do item acima, se F1, . . . , Fr sao polinomios

homogeneos entao F1 + . . . + Fr = 0 se e somente se Fi = 0 paratodo i = 1, . . . , r.

Definicao (Conjunto algebrico projetivo). Seja S ⊆ R. Definamos

Vp(S) := {x ∈ Pn(k) : F (x) = 0 ∀F ∈ S}.Se I e o ideal gerado por S entao Vp(S) = Vp(I).

• Um ideal I de R e dito homogeneo se pode ser gerado por elementoshomogeneos. Pela observacao acima, todo conjunto projetivo tema forma Vp(I) com I ideal homogeneo.• Como R e um anel Noetheriano, os conjuntos projetivos tem a

forma Vp(F1, . . . , Ft) com Fi ∈ R. Alem disso podemos supor queos Fi sejam homogeneos pela observacao acima.

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8. NULLSTELLENSATZ PROJETIVO 47

• Seja R+ := (X0, X1, . . . , Xn), ideal maximal de R com R/R+ ∼= k.Como o vetor nulo nao tem um correspondente projetivo temosVp(R

+) = ∅ (vazio projetivo). Essa e uma diferencia importanteentre o caso afim e o caso projetivo. R+ e chamado de ideal “irre-levante”.• Seja p : kn+1 − {0} → Pn(k) a aplicacao canonica, p(x) = x. Se I

e um ideal homogeneo de R entao

Vp(I) = p(V (I)− {0}).

De fato, se x ∈ Vp(I) (com x 6= 0) e F ∈ I entao F (λx) = 0 paratodo λ ∈ k, em particular F (x) = 0 logo x ∈ V (I). Isso mostra ⊆.Vamos mostrar ⊇. Sejam x ∈ V (I)−{0}, F ∈ I e λ ∈ k, queremosmostrar que F (λx) = 0. Sejam F1, . . . , Fr geradores homogeneosde I, assim F =

∑ri=1AiFi e F (λx) =

∑ri=1 λ

dAi(λx)Fi(x) = 0pois Fi ∈ I para todo i e x ∈ V (I).• Vp(0) = Pn(k), Vp(R) = Vp(R

+) = ∅.• Se x = (x0, x1, . . . , xn) com x0 6= 0 vamos considerar o caso x0 = 1,

entao

{x} = Vp(X1 − x1X0, . . . , Xn − xnX0).

Isso mostra que os pontos sao conjuntos projetivos (pelo mesmoargumento aplicado a uma coordenada nao nula).• Vp e decrescente: e facil mostrar que se I e J sao ideais de R eI ⊆ J entao Vp(I) ⊇ Vp(J).• Se Ji sao ideais de R entao

⋂i Vp(Ji) = Vp(

∑i Ji) (facil).

• Se F ∈ R, x ∈ kn+1 e F (λx) = 0 para infinitos λ ∈ k entaoF (λx) = 0 para todo λ ∈ k. De fato escrevendo F = F1 + . . .+ Frcom os Fi homogeneos de grau αi (com αi 6= αj se i 6= j) entaoF (λx) = 0 significa

∑ri=1 λ

αiFi(x) = 0 para infinitos λ ∈ k logoFi(x) = 0 para todo i = 1, . . . , r.• Se I, J sao ideais de R entao Vp(I)∪Vp(J) = Vp(I ∩J). A inclusao⊆ e facil, agora vamos mostrar ⊇. Suponha F (λx) = 0 para todoλ ∈ k e para todo F ∈ I ∩ J e x 6∈ Vp(I), e vamos mostrar quex ∈ Vp(J). Como x 6∈ Vp(I) existe G ∈ I tal que G(ax) 6= 0 paraalgum a ∈ k, assim G(λx) = 0 so para um numero finito de λ (peloitem acima). Se F ∈ J temos entao F (ax)G(ax) = FG(ax) = 0pois FG ∈ I ∩ J , assim F (ax) = 0 cada vez que G(ax) 6= 0. Issoacontece para infinitos a ∈ k, logo F (ax) = 0 para todo a ∈ k, ecomo isso vale para todo F ∈ J obtemos x ∈ Vp(J).• Pelos itens acima, os conjuntos algebricos projetivos sao os conjun-

tos fechados de uma unica topologia, chamada de topologia deZariski (projetiva).

Definicao. Seja V ⊆ Pn(k). O ideal de V e

Ip(V ) := {F ∈ R : F (x) = 0 ∀x ∈ V }ER.

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48 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

• Ip(V ) e um ideal homogeneo e radical de R (facil).• Ip e decrescente: se V ⊆W entao Ip(V ) ⊇ Ip(W ).• Se I e um ideal de R entao I ⊆ Ip(Vp(I)).• Se V e um conjunto algebrico projetivo entao Vp(Ip(V )) = V . De

fato escrevendo V = Vp(I), I ⊆ Ip(V ) logo Vp(Ip(V )) ⊆ Vp(I). Poroutro lado se x ∈ V = Vp(I) entao F (x) = 0 para todo F ∈ Ip(V )logo x ∈ Vp(Ip(V )).• Ip(Pn(k)) = (0), Ip(∅) = R.• Seja I um ideal de R. Entao I e homogeneo se e somente se cada

vez que F1 + . . . + Fr ∈ I com os Fi homogeneos, Fi ∈ I paratodo i = 1, . . . , r. A implicacao ⇐ e facil, agora mostraremos ⇒.Se I e gerado por polinomios homogeneos Gi de grau αi consideraF = F0 + . . . + Fr ∈ I onde Fi e homogeneo de grau i ou nulo.Mostraremos que Fr ∈ I, o resultado seguira por inducao. Escreva∑r

i=0 Fi = F =∑

i UiGi =∑

i,j UijGi com Uij homogeneo de grauj, assim identificando os termos do mesmo grau obtemos Fr =∑

i Ui,r−αiGi logo Fr ∈ I.• Seja I um ideal homogeneo de R. Se Vp(I) 6= ∅ entao Ip(Vp(I)) =I(V (I)). De fato se F ∈ Ip(Vp(I)) e x ∈ V (I), se x 6= 0 entaox ∈ Vp(I) logo F (x) = 0 assim F (x) = 0. Alem disso F (0) = 0pois se F (0) 6= 0 existe uma componente homogenea de grau 0 deF logo I = R (pois I e um ideal homogeneo: veja o item acima)assim Vp(I) = ∅, o que e falso. Isso mostra que F ∈ I(V (I)). SeF ∈ I(V (I)) e x ∈ Vp(I) entao x ∈ V (I) logo F (x) = 0.

Teorema (Nullstellensatz projetivo). Seja k um corpo algebricamentefechado. Seja I um ideal homogeneo de R, e V = Vp(I).

(1) Vp(I) = ∅ se e somente se√I = R+ ou

√I = R.

(2) Se Vp(I) 6= ∅ entao Ip(Vp(I)) =√I.

Demonstracao. Se I = R entao (1) e obvio, agora suponha I 6= R,em particular 0 ∈ V (I) (pois I e homogeneo). Lembrando que Vp(I) =p(V (I)− {0}) temos que Vp(I) = ∅ se e somente se V (I) = {0}, assim pelo

Nullstellensatz afim√I = I(V (I)) = I({0}) = R+. Para mostrar (2) ob-

serve que como V = Vp(I) 6= ∅, Ip(V ) = I(V (I)) =√I pelo Nullstellensatz

afim. �

Definicao. Seja V um conjunto algebrico projetivo. Definamos

Γh(V ) := R/Ip(V ).

• Uma k-algebra S e chamada de graduada se S =⊕

m∈N Sm ondecada Sm e um k-subespaco vetorial de S e SaSb ⊂ Sa+b para todoa, b. Os elementos de Sm sao chamados de elementos homogeneosde grau m. Por exemplo R = k[X0, . . . , Xn] tem estrutura naturalde k-algebra graduada.

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9. VARIEDADES AFINS 49

• Se V e um conjunto algebrico projetivo entao Γh(V ) e uma k-algebra graduada

⊕n∈N Sm, onde Sm e a imagem via R → Γh(V )

do espaco dos polinomios homogeneos de grau m. Isso segue doponto acima lembrando que Ip(V ) e homogeneo.• Seja V ⊆ Pn(k) um conjunto projetivo. Os conjuntos algebricos

projetivos nao vazios contidos em V correspondem aos ideais ho-mogeneos radicais de Γh(V ). Logo Vp e Ip sao bijecoes uma ainversa da outra entre a famılia dos conjuntos projetivos nao vazioscontidos em Pn(k) e a famılia dos ideais homogeneos radicais de Rque nao contem R+ (ou seja, diferentes de R+ e de R).

Se F ∈ R e F = F + Ip(V ) ∈ Γh(V ), e x ∈ Pn(k), dizemos que x e raiz

de F - e escrevemos F (x) = 0 - se F (x) = 0. Isso nao depende da escolhade F .

Definicao (Aberto padrao). Seja V um conjunto algebrico projetivo ef ∈ Γh(V ). Definamos D+(f) := {x ∈ V : f(x) 6= 0}. Se trata de umaberto de Zariski chamado de aberto padrao.

Seja V um conjunto algebrico projetivo. Todo aberto nao vazio de V euniao finita de alguns dos D+(f) com f ∈ Γh(V ), em particular os abertospadroes formam uma base da topologia de Zariski de V (induzida por aquelade Pn(k)). A demonstracao e analoga a do caso afim: se U e um aberto naovazio de Pn(k) entao V − U = Vp(F1, . . . , Fr) com cada Fi ∈ R polinomiohomogeneo de grau positivo, e se fi = Fi + Ip(V ) ∈ Γh(V ) entao U =D+(f1) ∪ . . . ∪D+(fr).

Como visto na aula passada Pn(k) = D+(X0) ∪ . . . ∪D+(Xn).

Exercıcios.

(1) Mostre que um conjunto algebrico projetivo V = Vp(I) e irredutıvelse e somente se Ip(V ) e um ideal primo.

(2) Se V ⊆ Pn(k) entao Vp(Ip(V )) e o fecho topologico de V .(3) Mostre que Pn(k) e Noetheriano (ou seja, toda cadeia crescente de

abertos estabiliza).(4) Mostre que Pn(k) e quase-compacto.(5) Mostre que se A e uma k-algebra graduada e I e um ideal ho-

mogeneo de A entao A/I e uma k-algebra graduada.

(6) Mostre que se I e um ideal homogeneo entao√I e um ideal ho-

mogeneo.

9. Variedades afins

Ate agora temos definido funcoes regulares so nos conjuntos fechados(a algebra afim de um conjunto afim). Agora queremos falar de funcoesregulares definidas sobre abertos. Para fazer isso precisamos da nocao defeixe de funcoes.

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50 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

Definicao (Feixe de funcoes). Seja X um espaco topologico. Um pre-feixe de funcoes F sobre X e uma regra que associa a todo aberto U deX um conjunto F (U) de funcoes U → k (as funcoes regulares de U) e atoda inclusao U ⊆ V de abertos a restricao F (V ) → F (U), f 7→ f |U . Fe um feixe se para toda cobertura U =

⋃i Ui de um aberto U com abertos

Ui, se fi ∈ F (Ui) sao funcoes tais que fi|Ui∩Uj = fj |Ui∩Uj entao existe umaunica f ∈ F (U) tal que f |Ui = fi para todo i. Os elementos de F (U) saochamados de “secoes”.

Em outras palavras um prefeixe define uma caracterıstica localmente,e e um feixe exatamente quando a caracterıstica que define e local. Porexemplo

F (U) = {funcoes continuas U → R}

define um feixe pois a continuidade e uma caracterıstica local. Por exemplo

F (U) = {funcoes constantes U → R}

define um prefeixe que nao e um feixe pois a constanca nao e uma carac-terıstica local: o axioma de colagem nao vale pois uma funcao localmenteconstante nao precisa ser constante (pense no caso nao conexo). Por outrolado

F (U) = {funcoes localmente constantes U → R}

define um feixe.

Se F e um prefeixe sobre X podemos construir um feixe sobreX definidoassim: F+(U) = o conjunto das funcoes f : U → k tais que para todo x ∈ Uexiste um aberto V contido em U tal que x ∈ V e uma secao g ∈ F (V )tal que f |V = g. Se trata de um feixe pois se U e uniao dos abertos Uie fi ∈ F+(Ui) sao secoes tais que fi|Ui∩Uj = fj |Ui∩Uj entao a funcao f

definida colando as fi por definicao pertence a F+(U).

Em outras palavras F+ = “localmente F”. Por exemplo se F e oprefeixe das funcoes constantes entao F+ e o feixe das funcoes localmenteconstantes. F+ e chamado de “feixificado” de F .

Observe que em muitos casos o conjunto F (U) e um anel (com asoperacoes definidas por componentes: (f + g)(x) = f(x) + g(x), (fg)(x) =f(x)g(x)) para todo aberto U (por exemplo “funcoes constantes”, “funcoescontinuas”, “funcoes diferenciaveis”).

Definicao. Um “(pre)feixe de aneis” e um (pre)feixe de funcoes Fsobre um espaco topologico X tal que para todo aberto U de X, F (U) eum anel com as operacoes (f + g)(x) = f(x) + g(x), (fg)(x) = f(x)g(x),e para toda inclusao U ⊆ V a funcao de restricao F (V ) → F (U) e umhomomorfismo de aneis.

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9. VARIEDADES AFINS 51

Se T indica a topologia de X (ou seja, a famılia dos abertos de X),sabemos que T e um conjunto parcialmente ordenado com a inclusao, o quetorna T em uma categoria, tendo um unico morfismo U → V se U ⊆ V .Um prefeixe de aneis e simplesmente um funtor contravariante T → An.

Definicao (Espaco anelado). Um espaco anelado e um par (X,OX)onde X e um espaco topologico e OX e um feixe de aneis sobre X (o feixeestrutural de X). Se U e um aberto de X, o anel OX(U) e tambem denotadocom Γ(U,OX) e os elementos dele sao chamados de secoes de U .

O feixe estrutural e o feixe das funcoes “boas” (ou “regulares”) definidasem X.

Definicao. Um morfismo de espacos anelados ϕ : (X,OX) → (Y,OY )e uma funcao continua ϕ : X → Y com a propriedade que para todo abertoU de Y e para todo g ∈ OY (U), a composicao g ◦ϕ pertence a OX(ϕ−1(U)).

Em outras palavras, um morfismo de espacos anelados e uma funcaocontinua que leva funcoes regulares para funcoes regulares. Observe queentao os espacos anelados formam uma categoria.

Queremos um feixe estrutural sobre um conjunto algebrico afim V , paraque ele se torne espaco anelado. Para fazer isso basta definir o feixe so-bre uma base de abertos (a base dos abertos padroes), no sentido do lemaseguinte.

Lema. Seja U uma base de abertos de um espaco topologico X. Suponhade ter, para todo aberto U em U , um conjunto F (U) de funcoes U → k taisque

• Restricao: se V,U ∈ U e V ⊆ U , se s ∈ F (U) entao s|V ∈ F (V ).• Colagem: se U ∈ U e uniao de abertos Ui ∈ U e uma funcaos : U → k e tal que s|Ui ∈ F (Ui) para todo i entao s ∈ F (U).

Entao existe um unico feixe de funcoes F sobre X tal que F (U) = F (U)para todo U ∈ U .

Demonstracao. Escreva U =⋃i Ui com Ui ∈ U e seja

F (U) := {s : U → k : s|Ui ∈ F (Ui) ∀i}.Queremos mostrar que F e o feixe que estamos procurando.

• Boa definicao. Temos que mostrar que F (U) nao depende daescolha da cobertura dada

⋃i Ui. Suponha de ter uma outra cober-

tura U =⋃jWj com Wj ∈ U e seja s : U → k tal que s|Ui ∈ F (Ui)

para todo i. Precisamos mostrar que s|Wj ∈ F (Wj) para todo j.Se x ∈ Wj entao existe i tal que x ∈ Ui e existe Wxj ∈ U tal quex ∈ Wxj ⊆ Wj ∩ Ui. Escreva entao Wj =

⋃lWjl com Wjl ∈ U e

Wjl ⊆ Ut(j,l) (para algum indice i = t(j, l)), assim usando a hipotesede restricao de F ,

(s|Wj )|Wjl= s|Wjl

= (s|Ut(j,l))|Wjl

∈ F (Wjl)

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52 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

para todo j, l logo usando a hipotese de colagem de F , obtemoss|Wj ∈ F (Wj).

• F e um feixe: axioma de colagem. Seja W um aberto de X escritocomo uniao

⋃iWi, Wi =

⋃l Uil com Uil ∈ U . Sejam fi ∈ F (Wi)

tais que fi|Wi∩Wj = fj |Wi∩Wj para todo i, j. Temos W =⋃i,l Uil.

Seja f : W → k a funcao obtida colando os fi. Observe que fi|Uil∈

F (Uil) para todo i, l por definicao de F , pois fi ∈ F (Wi). Logo

f |Uil= (f |Wi)|Uil

= fi|Uil∈ F (Uil)

logo por definicao obtemos f ∈ F (W ).

O fato que F e o unico feixe que extende F e claro. �

Logo basta definir Γ(DV (f),OV ) = OV (DV (f)) onde f ∈ Γ(V ) (ou sejaf e uma funcao polinomial V → k) e DV (f) = {x ∈ V : f(x) 6= 0}e um aberto padrao de V . A intuicao e que inclua as funcoes definidassobre DV (f), em particular 1/f . Definiremos Γ(DV (f),OV ) := Γ(V )f (alocalizacao da algebra afim Γ(V ) no elemento f).

Definicao (Variedade afim). Uma variedade afim e um espaco aneladoisomorfo (na categoria dos espacos anelados) a um conjunto algebrico afimcom o seu feixe estrutural definido acima.

Exercıcios.

(1) Seja X um espaco topologico conexo. Mostre que

F (U) = {funcoes constantes U → k}define um feixe sobre X.

(2) Seja F um feixe sobre X e ϕ : X → Y uma funcao continua.Mostre que G (U) := F (ϕ−1(U)) define um feixe sobre Y . Se ϕ ea inclusao de um aberto X de Y entao G e indicado com F |X echamado de feixe restricao de Y a X.

10. Equivalencia 2: Variedades afins e conjuntos afins

Seja F (D(f), k) o anel das funcoes D(f)→ k e r : Γ(V )→ F (D(f), k)o morfismo de restricao. Como r(f) e inversıvel (com inversa 1/r(f)) pelapropriedade universal da localizacao existe um unico morfismo ρf : Γ(V )f →F (D(f), k) tal que ρf ◦u = r onde u : Γ(V )→ Γ(V )f e o morfismo canonico(o que leva a para a/1). Observe que ρf (a/fn) e simplesmente a funcaoD(f) → k que leva x para a(x)/f(x)n. Temos que ρf e injetiva, de fato seρf (a/fn) = 0 entao a(x)/f(x)m = 0 para todo x ∈ D(f) logo a|D(f) = 0portanto af = 0 e isso implica que a/fm = 0 em Γ(V )f .

Proposicao (Funtorialidade da construcao). Suponha k algebricamentefechado. Sejam f, g ∈ Γ(V ) e suponha D(f) ⊆ D(g). Existem morfismoscanonicos ψ : Γ(V )g → Γ(V )f e r : F (D(g), k) → F (D(f), k) compatıveiscom ρ, ou seja r ◦ ρg = ρf ◦ ψ.

Page 53: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

10. EQUIVALENCIA 2: VARIEDADES AFINS E CONJUNTOS AFINS 53

Demonstracao. O morfismo r e simplesmente o morfismo de restricao.Vamos definir o morfismo ψ. Como D(f) ⊆ D(g) temos V (f) ⊇ V (g) logof(x) = 0 para todo x ∈ V (g). Sejam F,G polinomios tais que F |V = f eG|V = g e seja I = I(V ). Como V (I) ∩ V (G) = V (g) ⊆ V (f) = V (I) ∩V (F ), temos V (I + (G)) ⊆ V (I + (F )) logo F ∈ I + (F ) ⊆

√I + (G) pelo

Nullstellensatz logo existem um polinomio H, um inteiro n ≥ 1 e um i ∈ Itais que Fn = i + GH, e reduzindo modulo I (ou seja, restringindo a V )obtemos fn = gh onde h = H|V ∈ Γ(V ) (em particular h(x) 6= 0 paratodo x ∈ D(f)). Escrevendo informalmente a/gi = ahi/(gh)i, isso sugere dedefinir ψ(a/gi) := ahi/fni. Nao e difıcil mostrar que se trata de um morfismode aneis Γ(V )g → Γ(V )f . Agora r ◦ ρg leva a/gi para a funcao D(f) → kque leva x para a(x)/g(x)i, e ρf ◦ ψ leva a/gi para a funcao D(f)→ k queleva x para a(x)h(x)i/f(x)ni = a(x)/g(x)i. Logo r ◦ ρg = ρf ◦ ψ. �

Definicao (Variedade afim). Seja V um conjunto afim definido sobreum corpo k algebricamente fechado e seja 0 6= f ∈ Γ(V ). A posicao

Γ(D(f),OV ) = OV (D(f)) := Γ(V )f

define um feixe de aneis sobre V , dito feixe das funcoes regulares (o feixeestrutural de V ). Assim V se torna um espaco anelado. Uma variedadeafim e um espaco anelado isomorfo (na categoria dos espacos anelados) aum conjunto algebrico afim com o seu feixe estrutural.

Temos que mostrar que a posicao escrita define um feixe.

Demonstracao. Podemos ver as localizacoes Γ(V )f como aneis defuncoes D(f) → k onde as restricoes correspondem aos morfismos ψ cons-truidos na proposicao acima. Vamos mostrar a propriedade de colamentopara a base dos abertos padroes. Escreva D(f) =

⋃iD(fi), assim V (f) =⋂

i V (fi). Como o anel de polinomios e Noetheriano o ideal I gerado pe-los fi e gerado so por um numero finito de fi e V (f) = V (I). Se si ∈OV (D(fi)) entao podemos escrever si = ai/f

ni com n que nao depende

de i (pois temos so um numero finito de fi). Escreva Di = D(fi), assimDi ∩ Dj = D(fifj). Suponha si|Di∩Dj = sj |Di∩Dj para todo i, j, ou sejaaif

nj /(fifj)

n = ajfni /(fifj)

n em Di ∩ Dj = D(fifj) logo existe um inteiro

N ≥ 1 tal que (fifj)N (aif

nj − ajf

ni ) = 0. f e nulo em V (f1, . . . , fr) =

V (fn+N1 , . . . , fn+N

r ) logo pelo Nullstellensatz existe um inteiro m ≥ 1 tal

que fm =∑r

j=1 bjfn+Nj . Queremos um s ∈ OV (D(f)) tal que s|D(fi) = si,

procuramos uma tal secao da forma s = a/fm com a ∈ Γ(V ). A condicaode restricao e equivalente a a/fm = ai/f

ni para todo i, e para isso basta

afni = aifm. Temos

fn+Ni a = fNi f

ni a = fNi f

mai =∑j

aibjfNi f

Nj f

nj

=∑j

ajbjfNi f

Nj f

ni = fn+N

i

∑j

fNj ajbj

Page 54: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

54 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

logo basta escolher a =∑

j fNj ajbj . �

Observe que o fato de ser morfismo e uma propriedade que pode serverificada localmente. Ou seja, se (X,OX) e (Y,OY ) sao variedades afins eY =

⋃i Vi e uma cobertura de Y com abertos, e Uij sao abertos de X tais

que ϕ−1(Vi) (que e um aberto de X pois ϕ e continua) e igual a uniao⋃j Uij ,

entao ϕ e um morfismo se e somente se ϕ|Uij : Uij → Vi e um morfismo paratodo i, j. A implicacao⇒ e facil (mostrar como exercıcio). Para mostrar⇐seja V um aberto de Y e f ∈ Γ(V,OY ), fi = f |Vi∩V ∈ OY (Vi ∩ V ), logo porhipotese fiϕ|Uij∩ϕ−1(V ) e secao (ou seja, pertence a Γ(Uij ∩ ϕ−1(V ),OX)).

Mas fϕ|Uij∩ϕ−1(V ) = fiϕ|Uij∩ϕ−1(V ) para todo i, j, logo fϕ e obtida por

colagem de secoes compatıveis. Como OX e um feixe, fϕ ∈ Γ(V,OX).

Teorema. A categoria C das variedades afins e equivalente a categoriaD dos conjuntos algebricos afins. Alem disso,

HomC (X,Y ) ∼= Homk−alg(Γ(Y,OY ),Γ(X,OX)).

Demonstracao. Observe que se (X,OX) e uma variedade afim entaoΓ(X,OX) = Γ(D(1),OX) = Γ(X), onde como voce lembra Γ(X) e a algebraafim de X. Ou seja as secoes globais de X sao exatamente as funcoesregulares. Logo o isomorfismo enunciado segue da equivalencia 1 apos mos-trar que se (X,OX) e (Y,OY ) sao variedades afins entao HomC (X,Y ) ∼=HomD(X,Y ). Se ϕ : X → Y e um morfismo de variedades e ηi : Y → ksao as coordenadas de Y , i = 1, . . . ,m, entao ηiϕ e regular X → k pois ϕ emorfismo de variedades, logo ϕ = (η1ϕ, . . . , ηmϕ) e regular. Se ϕ : X → Y eregular, pela equivalencia 1 temos um homomorfismo de k-algebras corres-pondente ϕ∗ : Γ(Y ) → Γ(X), que pode ser expresso como ϕ∗(f) = fϕ. Efacil ver que ϕ−1(D(g)) = D(ϕ∗(g)) (mostrar isso por exercıcio). Se D(g)e um aberto padrao de Y , e f = h/gr ∈ Γ(D(g),OY ), entao fϕ = ϕ∗(f) =ϕ∗(h)/ϕ∗(g)r ∈ Γ(D(ϕ∗(g)),OX) logo ϕ e um morfismo pela propriedade delocalidade acima. �

Exercıcios.

(1) Mostre que ψ : Γ(V )g → Γ(V )f construido acima e um homomor-fismo de aneis.

(2) Formalize o fato que ρ e uma transformacao natural de funtores.(3) Mostre a implicacao⇒ da localidade do fato de ser morfismo (acima).(4) Mostre que ϕ−1(D(g)) = D(ϕ∗(g)) (cf. a prova acima).

11. Stalk (Espiga)

Seja k um corpo algebricamente fechado.

Se F e um feixe sobre o espaco topologico X e U e um aberto de Xentao o prefeixe obtido por restricao, ou seja o prefeixe F |U definido porF |U (V ) := F (V ) para todo aberto V de U , e um feixe: veja a lista deexercıcios da aula passada.

Page 55: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

11. STALK (ESPIGA) 55

Definicao (Variedade algebrica). Uma variedade algebrica e um espacoanelado (X,OX) tal que para todo x ∈ X existe U aberto de X contendo xtal que (U,OX |U ) e uma variedade afim.

Um exemplo importante e o espaco projetivo Pn. As cartas locais Xi 6= 0tem estrutura de variedade afim do tipo kn, pois em X0 6= 0 os pontosprojetivos podem ser escritos de maneira unica como (1, x1, . . . , xn). Naomostraremos isso em detalhe, mas examinaremos agora o caso dos abertospadroes em uma variedade afim.

Proposicao. Seja (X,OX) uma variedade afim e seja f ∈ Γ(X,OX) =Γ(X). Entao o aberto padrao D(f) = {x ∈ X : f(x) 6= 0} tem estruturacanonica de variedade afim dada por OD(f) := OX |D(f).

Demonstracao. Suponha X conjunto afim dentro de kn e defina ϕ :D(f)→ kn+1 por

ϕ(x1, . . . , xn) := (x1, . . . , xn, 1/f(x1, . . . , xn)).

A imagem de ϕ e dada pelos (x, y) onde x ∈ kn e fy = 1 logo Im(ϕ) = V (J)onde J = (FXn+1 − 1) E k[X1, . . . , Xn, Xn+1]. O fato que ϕ induz um iso-morfismo D(f) ∼= V (J) segue do fato que ϕ e realmente um morfismo cominverso (x1, . . . , xn, xn+1) 7→ (x1, . . . , xn), pois se α e uma funcao polino-mial definida em um aberto D(h) de V (J) entao αϕ pertence a Γ(X)f =Γ(D(f),OX) sendo ϕ definida por meio de polinomios e a fracao 1/f (vejao exemplo abaixo para mais detalhes). �

Por exemplo, na reta afim k o aberto afim D(X) = {x ∈ k : x 6= 0} euma variedade afim pois e isomorfa a V (XY − 1) por meio do isomorfismode variedades

ϕ : D(X)→ V = V (XY − 1), ϕ(x) := (x, 1/x).

Se trata de uma funcao continua pois se g ∈ Γ(V ) entao ϕ−1(D(g)) ={x ∈ D(X) : g(ϕ(x)) 6= 0} = D(X) ∩ D(gϕ) e gϕ(x) 6= 0 significag(x, 1/x) 6= 0, e se G e um polinomio que induz g, escrevendo G(X, 1/X) =H(X)/Xm com H um polinomio (e sempre possıvel fazer isso) obtemos queϕ−1(D(g)) = D(X)∩D(H) e um aberto padrao de D(X). ϕ e bijetiva cominversa (x1, . . . , xn, xn+1) 7→ (x1, . . . , xn). O que falta mostrar e que ϕ e ummorfismo de variedades. Como D(X)∩D(H) = D(XH), basta mostrar quese g ∈ Γ(V ) e a/gl ∈ Γ(V )g entao

a/gl ◦ ϕ ∈ Γ(ϕ−1(D(g)),OD(X)) = k[X]XH ,

ou seja temos que mostrar que

a(X, 1/X)

g(X, 1/X)l

pode ser expresso como fracao cujo denominador e um polinomio em XH.Isso segue facilmente da definicao de H.

Page 56: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

56 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

Isso nos permite de estudar propriedades locais de uma variedade algebricatrabalhando em um aberto afim que contem o ponto interessado.

Definicao (Espiga). Seja (X,OX) uma variedade algebrica e seja x ∈X. Considere a famılia A dos pares (U, f) onde U e um aberto de Xque contem x e f ∈ Γ(U,OX). Digamos que dois pares (U, f) e (V, g) saoequivalentes se existe um aberto W de X contido em U ∩ V tal que f |W =g|W . A espiga (stalk) de X em x e OX,x := A / ∼. Os elementos de OX,x

sao classes de equivalencia [(U, f)].

Ou seja, a espiga OX,x contem a informacao do que acontece “perto dex”. Observe que OX,x tem estrutura canonica de anel: se (U, f) e (V, g)pertencem a A definamos

[(U, f)] + [(V, g)] := [(U ∩ V, f |U∩V + g|U∩V )],

[U, f)] · [(V, g)] := [(U ∩ V, f |U∩V · g|U∩V )].

Os elementos neutros sao [(X, 1)] e [(X, 0)]. Observe que se f e uma secaolocal (definida em um aberto U) tal que f(x) 6= 0 entao supondo U abertoafim (apos restricao) faz sentido considerar (DU (f), 1/f) e temos [(U, f)] ·[(DU (f), 1/f)] = [(DU (f), 1)] = [(X, 1)], logo (U, f) e inversıvel em OX,x

(para qualquer aberto U que contem x). Logo M := {[(U, f)] ∈ OX,x :f(x) = 0} e o unico ideal maximal de OX,x (pelo acima, basta mostrar queM e ideal, o que nao e difıcil). Logo OX,x e um anel local (por definicao deanel local - e agora ficou claro porque um anel com um unico ideal maximale chamado de “anel local”). Se trata do “arquetipo” de anel local.

Como a espiga pode ser calculada “perto de x”, e X e uma variedadealgebrica, para entender a espiga podemos nos restringir ao caso de umavariedade afim. Seja (X,OX) uma variedade afim e seja x ∈ X. Sabemosque x corresponde a um ideal maximal M de Γ(X). Mostraremos agoraque OX,x e isomorfo ao localizado Γ(X)M . Lembre-se que se P e um idealprimo de um anel A entao podemos construir o localizado AP , definidocomo sendo o localizado S−1A onde S = A − P (se trata de um conjuntomultiplicativo que contem 1). Se trata de um anel local com unico idealmaximal PAP = {a/s : a ∈ P, s ∈ S}. Aplicando essa construcao aA = Γ(X) e P = M obtemos o localizado Γ(X)M .

11.1. Propriedade universal da espiga. Temos os morfismos (ho-momorfismos de aneis) estruturais αU : Γ(U,OX)→ OX,x dados por αU (f) :=[(U, f)]. Seja B um anel e βU : Γ(U,OX) → B um sistema compatıvelde morfismos (ou seja, se rU,W e a restricao Γ(U,OX) → Γ(W,OX) entaoβW ◦ rU,W = βU ), assim se W ⊆ U sao abertos contendo x,

Page 57: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

11. STALK (ESPIGA) 57

Γ(U,OX)

βUvvnnnnnnnnnnnnnn

αU

%%KKKKKKKKKK

r

��

B OX,x∃!ψoo_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Γ(W,OX)

αW

99sssssssssβW

hhPPPPPPPPPPPPPP

Vamos mostrar que existe um unico morfismo compatıvel ψ : OX,x → B.O morfismo compatıvel ψ, se existir, deve verificar ψαU = βU para todoaberto U , ou seja ψ([(U, f)]) = βU (f) (∗), por outro lado (∗) define ummorfismo pois se [(U, f)] = [(V, g)] entao existe um aberto W contendo x etal que W ⊆ U ∩ V e f |W = g|W , assim pelo fato que (B, β) e um sistemacompatıvel βU (f) = βW (rU,W (f)) = βW (rV,W (g)) = βV (g).

Isso tudo pode ser formulado simplesmente dizendo que OX,x e o limitedireto dos Γ(U,OX) onde U varia na famılia dos abertos que contem x.

11.2. Propriedade universal do localizado AP . Vamos mostrarque se P e um ideal primo de um anel A entao AP e o limite direto dosAf onde f ∈ S = A − P . Lembre-se que a existencia de um morfismoAf → Ag “geometrico” de restricao tem a ver com a inclusao D(f) ⊇ D(g)e lembrando do teorema de Hilbert obtemos um morfismo r : Af → Ag seexiste um inteiro n ≥ 1 tal que gn ∈ (f), e nesse caso definamos r(a/fm) =ahm/gnm onde gn = hf . Considere os morfismos estruturais αf : Af → APpara f ∈ S definidos por αf (a/fm) := a/fm. Suponha de ter um sistemacompatıvel (B, βf ), ou seja βf : Af → B sao compatıveis com os αf (as“restricoes”), e procuramos o morfismo ψ compatıvel:

Af

βfxxqqqqqqqqqqqqq

αf

!!BBBBBBBB

r

��

B AP∃!ψoo_ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Ag

αg

==||||||||βg

ffMMMMMMMMMMMMM

O morfismo ψ, se existir, deve verificar ψαs = βs para todo s ∈ S, ouseja ψ(a/s) = βs(a/s) (∗). Por outro lado (∗) define um morfismo poisse a/s = b/t entao at/st = sb/st logo pelo fato que (B, β) e um sistemacompatıvel βs(a/s) = βst(at/st) = βst(sb/st) = βt(b/t).

Observe que por construcao os morfismos Af → Ag correspondem as res-tricoes associadas a uma inclusao de abertos padroes D(f) ⊇ D(g). Como aespiga e uma construcao local, o calculo da espiga pode ser feito localmente,

Page 58: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

58 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

ou seja em vez de usar todos os abertos que contem x podemos usar os aber-tos padroes que contem x. Na variedade afim (U,OU ) o ponto x correspondea um ideal maximal M de Γ(U) = Γ(U,OX) e x ∈ D(f) significa simples-mente que f 6∈ M (por definicao de M) ou seja f ∈ A − P onde A = Γ(U)e P = M . Logo os dois limites diretos calculados acima sao na verdade omesmo limite direto calculado usando famılias diferentes (filtrantes......) deabertos contendo x. Como ja explicado a propriedade universal e na verdadea mesma pois se trata de um estudo completamente local.

Como dois objetos que satisfazem a mesma propriedade universal saoisomorfos, obtemos o resultado seguinte.

Teorema. Seja (X,OX) uma variedade algebrica. Se x ∈ X e U e umaberto de X contendo x tal que (U,OX |U ) e uma variedade afim entao OX,x

e isomorfo ao localizado Γ(U,OX)M onde M e o ideal maximal de Γ(U,OX)correspondente ao ponto x.

Exercıcios.

(1) Mostre que os abertos padroes D(f) sao variedades afins generali-zando o argumento acima de D(X).

(2) Vendo um prefeixe de aneis sobre X como um funtor T → Anonde T e a topologia de X, defina a nocao de morfismo de prefei-xes sobre X e mostre que todo morfismo de feixes F → G sobreX induz canonicamente um homomorfismo das espigas Fx → Gx(apos definir a espiga para um feixe qualquer).

(3) Vendo um prefeixe de aneis sobre X como um funtor T → Anonde T e a topologia de X, defina a nocao de morfismo de prefeixessobre X e mostre que todo morfismo de variedades algebricas induzcanonicamente um morfismo de feixes (quais?).

(4) Mostre que se P e um qualquer ideal primo de um anel B entaoBP e um anel local, que todo homomorfismo de aneis ϕ : A → Binduz um morfismo de aneis locais ϕP : Aϕ−1(P ) → BP e que apreimagem do ideal maximal de BP e o ideal maximal de Aϕ−1(P ).

(5) Seja V um circulo e seja x ∈ V . Mostre que V −{x} tem estruturade variedade afim.

12. Espaco tangente

Considere k[ε] := k[X]/(X2) onde ε = X + (X2), assim ε2 = 0 masε 6= 0 (ε e a versao algebrica do “numero pequeno” usado em analise). SeV e uma variedade afim contida em kn e x ∈ V , o espaco tangente a V emx e dado pelos “vetores” b ∈ kn tais que x+ εb ∈ V . Por exemplo SL(n, k)

e V (det−1) logo e uma variedade afim contida em kn2. O espaco tangente

em A e dado pelas matrizes B tais que det(A + εB) = 1. Se voce pensana expansao de Taylor de det(1 + xB) = 1 + xTr(B) + . . . (onde Tr e o

Page 59: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

12. ESPACO TANGENTE 59

traco) fica claro que det(1 + εB) = 1 + εTr(B) logo o espaco tangente naidentidade e dado pela equacao Tr(B) = 0. Ou seja as matrizes “tangentes”a SL(n, k) em 1 sao do tipo 1 +B com Tr(B) = 0.

Um exemplo mais simples: considere F (x, y) = y2 − x3. O espacotangente a V = V (F ) em (1, 1) ∈ V e dado pelos (a, b) ∈ k2 tais queF (1+εa, 1+εb) = 0 ou seja (1+εb)2−(1+εa)3 = 0 e lembrando que ε2 = 0obtemos ε(2b− 3a) = 0. Como ε 6= 0 obtemos 2b = 3a, que define o espacotangente (1, 1) + t(a, 3a/2). Mostre como exercıcio que o espaco tangenteem x = (a, b) ∈ V tem dimensao 1 para todo (a, b) 6= (0, 0) e tem dimensao2 se (a, b) = (0, 0).

O “esquema-ponto” e a variedade afim {P} com Γ(P,O{P}) = k (seradenotada Spec(k)). Corresponde a um ponto de uma variedade afim poissabemos que se V e uma variedade afim e P ∈ V entao P corresponde a umideal maximal mx de Γ(V ) e Γ({P},O{P}) = Γ(V )/mx

∼= k (as secoes de Psao dadas pela algebra afim de P ), assim temos a projecao χx : Γ(V ) → kcom nucleo mx (ou seja χx(f) = f(x)).

Se P e um ponto de uma variedade afim V , o “ponto gordo” associadoa P e {Pε} = Spec(k[ε]), o espaco anelado {Pε} com Γ({Pε},OPε) = k[ε].Observe que o ponto gordo nao e uma variedade afim pois Γ({Pε}) nao euma k-algebra reduzida. Temos um morfismo i : {P} → {Pε} dado porp : k[ε]→ k dado por ε 7→ 0.

Definicao (Deformacao). Seja V uma variedade afim. Uma deformacaode V a x e um morfismo de espacos anelados t : Pε → V tal que t ◦ i = χxou seja um morfismo de k-algebras t∗ : Γ(V ) → k[ε] tal que p ◦ t∗ = χx.Vamos denotar com Def(V, x) o espaco vetorial das deformacoes t de V emx e com Def(Γ(V ), x) o k-espaco vetorial dos t∗ correspondentes.

Seja t∗ uma deformacao de Γ(V ), assim p ◦ t∗ = χx, logo p(t∗(f)) =χx(f) = f(x) ou seja t∗(f) = a + εb com a = f(x). O correspondenteelemento b ∈ k sera denotado com vt(f) e chamado de “vetor tangente”.Obtemos que t∗ induz uma funcao vt : Γ(V ) → k definida por t∗(f) =f(x) + εvt(f).

Observe que vt e uma funcao k-linear e

(∗) vt(fg) = f(x)vt(g) + g(x)vt(f).

De fato como t∗ e homomorfismo de k-algebras

af(x) + bg(x) + εvt(af + bg) = t∗(af + bg) = at∗(f) + bt∗(g)

= af(x) + bg(x) + aεvt(f) + bεvt(g)

Page 60: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

60 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

logo vt(af + bg) = avt(f) + bvt(g). Como t∗ e um morfismo de k-algebras eε2 = 0,

f(x)g(x) + εvt(fg) = t∗(fg) = t∗(f)t∗(g)

= (f(x) + εvt(f))(g(x) + εvt(g))

= f(x)g(x) + ε(f(x)vt(g) + g(x)vt(f))

logo (∗) segue.

Definicao (Derivacao). Seja A uma k-algebra e M um A-modulo. Umafuncao D : A→M e chamada de derivacao se D e k-linear e para todo a, b ∈A, D(ab) = aD(b) + bD(a). O k-espaco vetorial das derivacoes A → M eindicado com Derk(A,M).

Observe que as funcoes vt acima sao derivacoes com a estrutura de Γ(V )-modulo de k seguinte: f · λ = f(x)λ.

Observe que se D e uma derivacao e λ ∈ k entao D(λ) = 0, de fatoD(λ) = λD(1) e D(1) = D(1 · 1) = 1D(1) + 1D(1) = 2D(1) logo D(1) = 0.

Um exemplo de derivacao e dado pela derivacao parcial D = ∂/∂Xj :k[X1, . . . , Xn]→ k[X1, . . . , Xn].

Definicao (Vetor tangente). Seja V uma variedade afim e seja x ∈ V .Um vetor tangente a V em x e uma derivacao v : Γ(V ) → k onde k tem aestrutura de Γ(V )-modulo f ·λ := f(x)λ (observe que essa estrutura dependede x). O espaco tangente a V em x e Tx(V ) := Derk(Γ(V ), k).

Observe que se t e uma deformacao de V em x entao vt ∈ Tx(V ).Observe que Tx(V ) e um k-espaco vetorial.

Def(V, x) ∼= Def(Γ(V ), x) ∼= Tx(V )t 7→ t∗ 7→ vt

Seja V uma variedade afim contida em kn e I(V ) = (F1, . . . , Fr), a =(a1, . . . , an) ∈ V . Queremos calcular Ta(V ). Considere uma deformacaot∗ : k[X1, . . . , Xn]/(F1, . . . , Fr) → k[ε] com χa = p ◦ t∗, ou seja t∗(Xi) =ai + εbi, assim temos Fj(a + εb) = 0 (porque Fj(t

∗(X1), . . . , t∗(Xn)) =t∗(F (X1, . . . , Xn)) = t∗(0) = 0) e pela expansao de Taylor

0 = Fj(a+ εb) = Fj(a) + ε(

n∑i=1

bi∂Fj∂Xi

(a)) + ε2(...)

logo como Fj(a) = 0 (pois a ∈ V ) e ε2 = 0 obtemos

n∑i=1

bi∂Fj∂Xi

(a) = 0

para todo j = 1, . . . , r. Ou seja, b ∈ ker(da(F1, . . . , Fr)) onde da(F1, . . . , Fr)e a matriz Jacobiana das funcoes F1, . . . , Fr no ponto a.

Exercıcios.

Page 61: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

13. CURVAS REGULARES 61

(1) Calcule a dimensao dos espacos tangentes de

V ((X − 1)(X3 + Y 3 −XY ))

em todos os pontos, usando ε.(2) Calcule a dimensao dos espacos tangentes de

V ((X + Y )(X2 − Y ))

em todos os pontos, usando ε.(3) Calcule a dimensao dos espacos tangentes de

V (3X2Y − Z,X2 − Y 3)

em todos os pontos.

13. Curvas regulares

Proposicao. Seja V uma variedade afim, x ∈ V , mx o ideal maxi-mal de Γ(V ) correspondente a x. Entao mx/m

2x e um k-espaco vetorial e

Tx(V ) ∼= (mx/m2x)∗ := Homk(mx/m

2x, k) (o espaco dual de mx/m

2x).

Demonstracao. mx/m2x e um k-espaco vetorial pois k ∼= Γ(V )/mx (a

multiplicacao por escalar e dada por (a+m)(t+m2) := at+m2, e facil verque e bem definida). Seja v : Γ(V ) → k uma derivacao, ou seja um vetortangente a V em x. Observe que a restricao v|mx : mx → k e nula em m2

x

pois se f, g ∈ mx entao f(x) = 0 = g(x) logo

v(fg) = f(x)v(g) + g(x)v(f) = 0.

Logo obtemos v : mx/m2x → k definida por v(t+m2

x) := v(t) e v ∈ (mx/m2x)∗.

Se θ ∈ (mx/m2x)∗ seja vθ(f) := θ(f − f(x)) onde g indica a imagem de

g ∈ mx no quociente mx/m2x (observe que se f ∈ Γ(V ) entao f − f(x) ∈ mx

pois (f − f(x))(x) = f(x)− f(x) = 0). E facil ver que vθ e uma derivacao.Vamos mostrar que as duas construcoes sao uma a inversa da outra.

• Se v e uma derivacao Γ(V ) → k, seja θ o morfismo induzidomx/m

2x → k. Temos

vθ(f) = θ(f − f(x)) = v(f − f(x))

= v(f − f(x)) = v(f)− v(f(x)) = v(f)

pois f(x) ∈ k.• Se θ e um morfismo k-linear mx/m

2x → k, entao

vθ(f) = vθ(f) = θ(f − f(x)) = θ(f)

pois f(x) = 0 (sendo f ∈ mx).

Isso conclui a demonstracao. �

A dimensao de Krull de um anel A, dimK(A), e o maximo comprimentode uma cadeia crescente de ideais primos de A. Se X e um espaco topologicoqualquer, a dimensao de X, dim(X), e o maximo comprimento de uma

Page 62: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

62 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

cadeia crescente de subconjuntos fechados irredutıveis de X. E facil mostrarque se V e uma variedade afim entao dim(V ) = dimK(Γ(V )).

Definicao (Ponto regular e singular). Um ponto x de uma variedadealgebrica irredutıvel V e dito regular se dim(Tx(V )) = dim(V ) e singular senao e regular.

Proposicao (Criterio Jacobiano). Seja V ⊆ kn uma variedade afimirredutıvel de dimensao d, x ∈ V e seja I(V ) = (F1, . . . , Fr). Seja M =dx(F1, . . . , Fr) a matriz Jacobiana das funcoes Fi. Entao V e nao singularem x se e somente se M tem posto n− d.

Demonstracao. Claro, pois Tx(V ) = ker(M). �

Seja V uma variedade afim irredutıvel. Um ponto x ∈ V e regular see somente se dim(Tx(V )) = dim(V ) = dimK(Γ(V )) e pode se mostrar quequando V e irredutıvel dim(V ) = dimK(OV,x) (e um dos seminarios), assim acondicao de regularidade e dimk(mx/m

2x) = dimK(OV,x) onde k = Γ(V )/mx.

Definicao (Anel regular). Um anel local Noetheriano A com ideal ma-ximal m e chamado de regular se dimK(A) e igual a dimensao de m/m2

sobre k = A/m.

E um fato de algebra comutativa que se A e local Noetheriano entaodimk(m/m

2) ≥ dimK(A) onde k = A/m. A e regular quando essa desigual-dade e uma igualdade.

A proposicao seguinte mostra entao que um ponto x de uma variedadeafim (na verdade, algebrica) irredutıvel e regular se e somente se o anel localOX,x e regular.

Proposicao. Seja A um anel Noetheriano e m um ideal maximal deA. Entao m/m2 e mAm/(mAm)2 sao k-espacos vetoriais, onde k = A/m,e m/m2 ∼= mAm/(mAm)2 (isomorfismo canonico k-linear).

Demonstracao. O k-morfismo canonico m → mAm/(mAm)2 induzθ : m/m2 → mAm/(mAm)2 que leva x + m2 para x/1 + (mAm)2. θ einjetivo: se x ∈ m e x/1 ∈ (mAm)2 entao existem a, b ∈ m e l ∈ A − mcom ab/l = x/1 ou seja s(xl− ab) = 0 para um s ∈ A−m, assim lsx ∈ m2.Como A/m e um corpo existem t ∈ A e a ∈ m com lst = 1 − a assimx = lstx + ax ∈ m2. θ e sobrejetivo: seja x/s ∈ mAm com x ∈ m es ∈ A−m. Como A/m e um corpo existe t ∈ A com st = 1−a onde a ∈ m,assim

θ(tx+m2) = tx/1 + (mAm)2 = stx/s+ (mAm)2

= (1− a)x/s+ (mAm)2 = x/s+ (mAm)2.

Isso conclui a demonstracao. �

Page 63: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

13. CURVAS REGULARES 63

13.1. Localidade. Seja V uma variedade algebrica e x ∈ V . O espacotangente Tx(V ) e o espaco tangente definido em um aberto afim de V con-tendo x. Tal espaco nao depende do aperto escolhido pois, pela proposicaoacima, depende unicamente da espiga OX,x.

13.2. Curvas. Vamos examinar o caso das curvas. Uma “curva” e umavariedade algebrica cujas componentes irredutıveis tem dimensao 1. Seja Cuma curva afim irredutıvel. Observe que a irredutibilidade de C se traduz nofato da algebra afim Γ(C) ser um domınio. Uma curva C e “lisa” (smooth)ou “regular” se todos os pontos de C sao regulares. Ou seja, se OC,x eum anel regular para todo x ∈ C, ou seja Γ(C)m e regular para todo idealmaximal m de Γ(C).

• Um domınio A e chamado de integralmente fechado se quandoF (X) ∈ A[X] e um polinomio monico e r e uma raiz de F per-tencente ao corpo de fracoes de A, entao r ∈ A.• Um domınio A tem dimensao (de Krull) 1 se todo ideal primo nao

nulo e maximal.• Um domınio Noetheriano A e chamado de domınio de Dedekind se

e integralmente fechado de dimensao 1.• Um domınio local A e chamado de DVR se e principal e nao e um

corpo.

Um resultado importante de algebra comutativa (e teoria dos numeros)e que um domınio Noetheriano A e um domınio de Dedekind se e somentese Am e DVR para todo ideal maximal m de A.

Para um anel local Noetheriano de dimensao 1 “regular” e a mesmacoisa que “principal”, ou seja, DVR (se trata de um fato de algebra comu-tativa). Logo uma curva afim irredutıvel C e regular se e somente se Γ(C)e integralmente fechado (ou seja, um domınio de Dedekind, tendo dimensao1). Observe que esse criterio de regularidade (Γ(C) ser integralmente fe-chado) e um criterio global, o que e interessante pois a regularidade e umapropriedade de natureza local.

Por exemplo C[X,Y ]/(Y 2 − X3 + X) e um domınio de Dedekind poisY 2 = X3 −X e uma curva regular (criterio Jacobiano).

Por exemplo Y 2 = X3 nao e regular (criterio Jacobiano: (0, 0) e umasingularidade) e de fato (Y/X)2 − X = 0 logo Y/X pertence ao corpo defracoes de A = k[X,Y ]/(Y 2 −X3) (onde X e Y sao identificados as classesmodulo (Y 2 −X3)) mas nao pertence a A.

Exercıcios.

(1) Mostre que C[X,Y ]/(X2 + Y 2 − 1) e um domınio de Dedekind.(2) Mostre que V (X0X1−X2

2 ) e uma variedade projetiva regular (con-sidere as cartas locais).

Page 64: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

64 2. GEOMETRIA ALGEBRICA CLASSICA

(3) Diga se C[X,Y ]/(P (X,Y )) e integralmente fechado, onde

P (X,Y ) = 4(X2 + Y 2)2 − 4X(X2 − 3Y 2)− 27(X2 + Y 2) + 27.

(4) Diga se C[X,Y ]/(X2 − Y, Y 2 − Z) e integralmente fechado.

Page 65: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

CAPıTULO 3

Geometria algebrica moderna

1. Esquemas

Seja A um anel comutativo unitario. Indicamos com Spec(A) (espectrode A) o conjunto dos ideais primos de A. Dado um ideal I de A, definamosV (I) := {p ∈ Spec(A) | I ⊆ p}. Em particular V (A) = ∅ e V ({0}) =Spec(A). Deduzimos facilmente as seguintes propriedades (aqui I, J e os Iksao ideais de A):

⋂k V (Ik) = V (

∑k Ik), V (I)∪V (J) = V (I∩J). A primeira

dessas propriedades e facil. Para mostrar a segunda observe que se um idealprimo contem I ou J entao contem I ∩J . Viceversa, se p ∈ Spec(A) contemI ∩ J sem conter I e nem J entao se i ∈ I − p e j ∈ J − p, de ij ∈ I ∩ J ⊆ psegue que i ∈ p ou entao j ∈ p, contradicao.

Isso mostra que a definicao seguinte faz sentido.

Definicao (Topologia de Zariski). Seja A um anel comutativo unitarioqualquer (!). A topologia de Zariski sobre Spec(A) e aquela topologia cujosfechados sao os subconjuntos de Spec(A) que tem a forma V (I) onde I eum ideal de A.

A topologia de Zariski sera considerada a topologia “usual” para o es-pectro de um anel.

Observacao: dado um anel A, os pontos fechados de Spec(A) sao exa-tamente os ideais maximais de A. De fato se m e um ideal maximal deA, entao V (m) = {m}, e viceversa, se {p} e um fechado de Spec(A) entao{p} = V (I) para algum ideal I de A, logo p e maximal. De fato, em casocontrario haveriam ideais maximais - em particular, primos - contendo pro-priamente p (aplicacao simples do lema de Zorn) logo pertencentes a V (I)e diferentes de p.

E facil ver que se A e um anel, Spec(A) e um espaco T0 (ou seja, elecontem no maximo um ponto denso), e que se A e um domınio mas nao ecorpo, Spec(A) nao e T1 (nao todos os pontos sao fechados).

Proposicao (Ponto generico). X = Spec(A) e irredutıvel se e somente

se Nil(A) =√

(0) e um ideal primo de A. Nesse caso, Nil(A) e um pontodenso, chamado de “ponto generico”.

A ideia do ponto generico sera que as propriedades de um esquemairredutıvel sao decodificadas na espiga no ponto generico.

65

Page 66: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

66 3. GEOMETRIA ALGEBRICA MODERNA

Demonstracao. Se Nil(A) =√

(0) = P e um ideal primo de A entao{P} e denso (ou seja, P e um ponto generico), de fato o fecho topologicode {P} e a intersecao dos V (I) onde P ⊇ I, por outro lado todos os ideais

primos contem P (lembre-se que√

(0) e exatamente igual a intersecao dos

ideais primos) logo {P} = X.Suponha X e irredutıvel. Vamos mostrar que I = Nil(A) e um ideal

primo. Sejam a, b ∈ A tais que ab ∈ I, assim (ab)n = 0 para algum inteiron ≥ 1, assim anbn = 0. Se P ∈ X entao P contem a ou b, de fato P e primoe anbn = 0 ∈ P , por exemplo suponha a ∈ P , assim P ∈ V (a). Isso implicaque V (a) ∪ V (b) = X. Mas como X e irredutıvel, X e igual a V (a) ou aV (b), ou seja um entre a e b pertence a todos os ideais primos de A, ou seja,

pertence a⋂P∈X P = I =

√(0). �

Por exemplo se k e um corpo (0) e o unico ponto generico de Spec(k[X]),e se k e algebricamente fechado Spec(k[X]) consiste de (0) (ponto generico)e dos ideais maximais de k[X] (pontos fechados).

Proposicao. Seja A um anel qualquer (nao necessariamente noethe-riano!). Entao o espaco topologico X := Spec(A) e quase-compacto e afamılia dos D(f) := X − V (f) com f ∈ A e uma base de abertos para X.

Demonstracao. O fato que os D(f) formam uma base de abertos eanalogo ao caso classico. Vamos mostrar que Spec(A) e quase-compacto. SeSpec(A) e uniao de abertos padroes D(fi) com i ∈ U uma famılia de indices,entao V (fi : i ∈ U) =

⋂i V (fi) = ∅ logo nenhum ideal primo contem todos

os fi, em outras palavras (fi : i ∈ J) = A assim existem i1, . . . , ir ∈ J ea1, . . . , ar ∈ A tais que

∑rj=1 ajfij = 1 logo A = (fi1 , . . . , fir) que implica

D(fi1) ∪ . . . ∪D(fir) = Spec(A). �

Observe que o interesse de pegar os ideais primos no lugar dos ideaismaximais e de tipo funtorial: dado um homomorfismo de aneis A → B,e canonicamente induzido um morfismo de espacos topologicos (ou seja,uma funcao continua) Spec(B) → Spec(A), a que leva um ideal primo napreimagem via A → B. Por outro lado a preimagem de um ideal maximalnem sempre e um ideal maximal, pense por exemplo na inclusao Z → Q eno ideal maximal (0) de Q.

Proposicao. Se ϕ : A → B e homomorfismo de aneis, a funcao ϕ∗ :Spec(B)→ Spec(A) dada por ϕ∗(p) := ϕ−1(p) e Zariski-continua.

Demonstracao. Escreva X = Spec(B), Y = Spec(A), e ϕ∗ = fϕ :X → Y . Queremos mostrar que C := f−1

ϕ (V (I)) e um fechado de X, ouseja tem a forma V (J) para algum ideal J de B. Seja J o ideal de B geradopor ϕ(I). Vamos mostrar que C = V (J).

• C ⊆ V (J). Seja p ∈ C. Entao ϕ−1(p) = fϕ(p) ∈ V (I), ou sejaϕ−1(p) contem I, assim ϕ(I) ⊆ p. Como p e um ideal tambemo ideal gerado por ϕ(I) esta contido em p, ou seja J ⊆ p, isto e,p ∈ V (J).

Page 67: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

1. ESQUEMAS 67

• V (J) ⊆ C. Seja p ∈ V (J). Entao p contem J , o ideal gerado porϕ(I), em particular p contem ϕ(I), ou seja fϕ(p) = ϕ−1(p) contemI, isto e, fϕ(p) ∈ V (I). Isso mostra que p ∈ C.

Obtemos entao C = V (J). �

Seja X um espaco topologico e seja C uma categoria. Um prefeixe sobre

X a valores em C e um funtor F : T // C , onde T e a categoria cujosobjetos sao os abertos de X e tem um unico morfismo U → V se U ⊇ V .Se U e um aberto de X, um elemento de F (U) e chamado de secao sobreU . A imagem de s ∈ F (U) por meio de F (U ⊇ V ) e indicada com s|V .

Um prefeixe de aneis F sobre X (ou seja, C e a categoria dos aneiscomutativos unitarios) e chamado de feixe se para todo aberto U de X epara toda cobertura (Ui)i de U com abertos temos:

• uma secao de U e nula se e somente se e nula a restricao a cada Ui;• uma famılia de secoes si ∈ F (Ui) compatıvel, ou seja tal quesi|Ui∩Uj = sj |Ui∩Uj para todo i, j ∈ I, induz uma secao s sobreU (unica pelo item acima), ou seja s|Ui = si para todo i ∈ I.

Como no caso classico, a regra D(f) 7→ Af define um feixe de aneis sobreSpec(A). Ou seja, Spec(A) e um “espaco anelado”:

Definicao (Espacos anelados). Um espaco anelado e um par (X,OX)onde X e um espaco topologico e OX e um feixe de aneis sobre X (o feixeestrutural de X). Um morfismo de espacos anelados ϕ : (X,OX)→ (Y,OY )e uma funcao continua ϕ : X → Y com um morfismo de feixes sobre Y ,f : OY → ϕ∗OX onde ϕ∗OX e o feixe sobre Y definido por ϕ∗OX(U) :=OX(ϕ−1(U)) (com os morfismos de restricao induzidos por OX).

Seja F um feixe de aneis (ou seja, a categoria C e a categoria dos aneiscomutativos unitarios) sobre o espaco topologico X. Se x ∈ X podemosconsiderar

Fx := lim−→x∈U

F (U),

o limite direto da famılia dos F (U) onde U e um aberto contendo x, comos morfismos estruturais αU : F (U) → Fx. Se trata de um anel com apropriedade universal do limite direto, ou seja o seguinte. Seja B um anele βU : F (U) → B um sistema compatıvel de morfismos (ou seja, se rU,W ea restricao F (U) → F (W ) entao βW ◦ rU,W = βU ), assim se W ⊆ U sao

Page 68: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

68 3. GEOMETRIA ALGEBRICA MODERNA

abertos contendo x, e rU,W indica a restricao F (U)→ F (W ),

F (U)

βUwwooooooooooooo

αU

##GGGGGGGG

r

��

B Fx∃!ψoo_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

F (W )

αW

;;wwwwwwwwwβW

ggOOOOOOOOOOOOO

A espiga existe e e um anel comutativo. De fato, seja

Fx :=

∐x∈U F (U)

∼a uniao disjunta dos F (U) modulo a relacao de equivalencia ∼ definidaassim: se fU ∈ F (U) e gV ∈ F (V ) entao fU ∼ gV se fU |U∩V = gV |U∩V . Asoma e definida por [fU ]∼ + [gV ]∼ := [fU |U∩V + gV |U∩V ]∼ e o produto por

[fU ]∼[gV ]∼ := [fU |U∩V gV |U∩V ]∼. E facil ver que isso define uma estruturade anel em Fx e que essa construcao tem a propriedade universal descritaacima (os morfismos estruturais F (U) → Fx levam uma secao f para aclasse de f modulo ∼).

Se F , G sao feixes de aneis sobre X, um morfismo F → G e sim-plesmente uma transformacao natural de funtores. Se x ∈ X os morfismosestruturais F (U) → G (U) → Gx induzem, pela propriedade universal dolimite direto, um morfismo canonico (no sentido de “unico compatıvel”)Fx → Gx.

Seja ϕ : (X,OX) → (Y,OY ) um morfismo de espacos anelados. Temosum morfismo de feixes f : OY → ϕ∗OX que induz, para todo x ∈ X,y = ϕ(x), um morfismo canonico das espigas OY,y → (ϕ∗OX)y. Isso nosda um morfismo canonico fx : OY,y → OX,x, obtido por composicao domorfismo acima com o morfismo (ϕ∗OX)y → OX,x obtido da propriedadeuniversal da espiga aplicada aos morfismos estruturais OX(ϕ−1(U))→ OX,x

(de fato, y = ϕ(x) ∈ U implica x ∈ ϕ−1(U)).

As espigas de Spec(A) sao os localizados AP = lim−→f 6∈P

Af (onde x = P ∈

Spec(A)) logo sao aneis locais. Ou seja, Spec(A) e um “espaco localmenteanelado”:

Definicao (Espacos localmente anelados). Um espaco localmente ane-lado e um espaco anelado (X,OX) tal que toda espiga OX,x e um anel local.Um morfismo de espacos localmente anelados e um morfismo de espacos ane-lados ϕ : (X,OX)→ (Y,OY ) tal que para todo x ∈ X, definido y = ϕ(x), omorfismo induzido fx : OY,y → OX,x e local (ou seja, a preimagem do idealmaximal de OX,x e o ideal maximal de OY,y).

Page 69: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

2. EQUIVALENCIA 3: ANEIS E ESQUEMAS AFINS 69

Se X = Spec(A) a espiga OX,x e o localizado Ap onde p e o ideal primocorrespondente a x. Assim e claro que Spec(A) com o seu feixe estrutural eum espaco localmente anelado. Alem disso, se f : A → B e homomorfismode aneis, e facil ver que ele induz canonicamente morfismos locais Af−1(P ) →BP para todo ideal primo P de B.

Definicao (Esquema). Um esquema afim e um espaco localmente ane-lado isomorfo a Spec(A) com o seu feixe estrutural, para algum anel A.Um esquema e um espaco anelado (X,OX) tal que X e quase-compacto epara todo x ∈ X existe um aberto U de X contendo x tal que (U,OX |U ) eisomorfo, como espaco localmente anelado, a um esquema afim.

2. Equivalencia 3: Aneis e Esquemas Afins

Muitos aspetos da teoria classica das variedades algebricas sao muitosimplificados na teoria moderna dos esquemas (introduzida pelo Grothen-

dieck nos anos 60 na obra “Elements de Geometrie Algebrique” ou EGA).Essa teoria foi tambem usada pelo Andrew Wiles para demonstrar o ultimoteorema de Fermat.

2.1. Correspondencia I−V . Na teoria classica f(x) = 0 significa quef pertence ao ideal maximal correspondente ao ponto x. Assim na teoriados esquemas, se A e um anel comutativo unitario e X = Spec(A), e I e umideal de A temos V (I) = {x ∈ X : x ⊇ I} e dado V ⊆ X definamos

I(V ) := {f ∈ A : f(x) = 0 ∀x ∈ V }

= {f ∈ A : f ∈ p ∀p ∈ V } =⋂p∈V

p,

ou seja I(V ) e a intersecao dos ideais primos em V .

2.2. Nullstellensatz. E um fato de algebra comutativa que a intersecaodos ideais primos que contem um dado ideal I e igual a

√I (ja usamos esse

fato para mostrar o Nullstellensatz classico: veja as notas de aula corres-pondentes). Logo

I(V (I)) =⋂

p∈V (I)

p =⋂p⊇I

p =√I.

Isso implica que as funcoes V e I sao bijecoes, uma a inversa da outra, entrea famılia dos conjuntos fechados de X = Spec(A) e a famılia dos ideaisradicais de A, que induz bijecoes entre a famılia dos ideais primos de A e afamılia dos fechados irredutıveis de X, e entre a famılia dos pontos fechadosde A e a famılia dos ideais maximais de A. Observe que aqui nao precisamosde um corpo algebricamente fechado k e nem de hipoteses sobre A (!).

Page 70: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

70 3. GEOMETRIA ALGEBRICA MODERNA

2.3. Conexao. Spec(A) e uniao de dois fechados disjuntos se e somentese A e um produto direto A1 × A2 (na linguagem categorial, Spec levaprodutos para coprodutos).

De fato, se A = A1 × A2 entao todo ideal primo de A contem (0, 0) =(1, 0) · (0, 1) logo contem um entre (1, 0) e (0, 1), exatamente um deles pois(1, 0) + (0, 1) = (1, 1).

Isso mostra que Spec(A) e a uniao disjunta V (A1×{0})∪ V ({0}×A2).

Viceversa suponha X = Spec(A) = V (I)∪V (J) com V (I) 6= ∅, V (J) 6= ∅e V (I) ∩ V (J) = ∅. Assim ∅ = V (I) ∩ V (J) = V (I + J) logo nenhum idealprimo contem I + J , ou seja I + J = A (pois pelo lema de Zorn todo idealproprio esta contido em um ideal maximal, em particular primo), em outraspalavras I e J sao ideais coprimos, assim existem a ∈ I, b ∈ J com a+b = 1.Temos√

(0) = I(V (0)) = I(X) = I(V (I) ∪ V (J)) = I(V (I ∩ J)) =√I ∩ J

logo todo elemento de I ∩ J e nilpotente, em particular existe um inteiron ≥ 1 tal que (ab)n = 0, ou seja anbn = 0. Como a + b = 1, nenhumideal primo contem a e b, logo nenhum ideal primo contem an e bn, assim(an)+(bn) = A. Isso implica (an)∩(bn) = (0). De fato escreva xan+ybn = 1com x, y ∈ A, e seja z = san = tbn ∈ (an) ∩ (bn), assim

z = san = ans · 1 = ans(xan + ybn) = an(xz + sybn) = (xt+ sy)anbn = 0.

Pelo teorema chines isso implica

A ∼= A/(0) = A/(an) ∩ (bn) ∼= A/(an)×A/(bn).

Os fatores diretos sao nao nulos pois (an) 6= A e (bn) 6= A, de fato se porexemplo (an) = A entao I = A logo V (I) = ∅, absurdo.

2.4. Equivalencia entre aneis e esquemas afins. Spec e um funtorcontravariante! Seja C a categoria dos aneis (comutativos, unitarios) e D acategoria dos esquemas afins. Assim temos um funtor contravariante

Spec : C → D , A 7→ Spec(A)

No nivel dos morfismos, ϕ : A→ B induz

fϕ = Spec(ϕ) : Spec(B)→ Spec(A)

fϕ(q) := ϕ−1(q).

Ja vimos que se trata de uma funcao continua. Para mostrar que Spec e umfuntor precisamos mostrar que ϕ induz um morfismo de feixes OY → f∗ϕOX ,e basta fazer isso nos abertos padroes D(g) onde g ∈ A (por colagem usando

Page 71: INTRODUC˘AO~ A GEOMETRIA ALG EBRICA

2. EQUIVALENCIA 3: ANEIS E ESQUEMAS AFINS 71

o fato que um feixe e definido pelo seu valor em uma base de abertos -escreva os detalhes como exercıcio). Temos

f−1ϕ (D(g)) = {p ∈ X : ϕ−1(p) ∈ D(g)} = {p ∈ X : g 6∈ ϕ−1(p)}

= {p ∈ X : ϕ(g) 6∈ p} = D(ϕ(g)).

Assim OY (D(g)) = Ag e

f∗OX(D(g)) = OX(f−1(D(g))) = OX(D(ϕ(g))) = Bϕ(g).

Logo precisamos de um morfismo canonico Ag → Bϕ(g), ou seja, o morfismoque leva a/gm para ϕ(a)/ϕ(g)m.

Isso define um morfismo de feixes f# : OY → f∗OX sobre Y . Observeque e canonicamente induzido um morfismo

f#Y : A = OY (Y )→ f∗OX(Y ) = B

e se trata exatamente de ϕ (pela construcao acima no caso g = 1). Seq ∈ X = Spec(B), ϕ induz um morfismo canonico ϕq : Ap → Bq ondep = ϕ−1(q), o morfismo que leva a/s para ϕ(a)/ϕ(s). Se trata exatamentedo morfismo induzido nas espigas OY,y → OX,x. Para concluir que (f, f#) eum morfismo de esquemas afins (ou seja, um morfismo de espacos localmenteanelados) basta mostrar que ϕq e um morfismo local, ou seja que ϕ−1

q (qBq) =pAp. A inclusao ⊆ e obvia pois em um anel local os elementos fora do idealmaximal sao invertıveis. A inclusao ⊇ tambem e obvia pois se a ∈ p es ∈ A − p entao ϕq(a/s) = ϕ(a)/ϕ(s) ∈ qBq. Isso termina a demonstracaodo fato que Spec e um funtor.

E claro que Spec e essencialmente sobrejetivo (por definicao de esquemaafim). Para mostrar que e uma equivalencia contravariante de categoriasprecisamos mostrar que e inteiramente fiel.

• Spec e fiel. Sabemos que ϕ : A → B induz um morfismo de

feixes (fϕ, f#ϕ ) : (X,OX) → (Y,OY ) onde X = Spec(B) e Y =

Spec(A), e podemos recuperar ϕ usando f#ϕ pois (f#

ϕ )Y = ϕ (comoja observado).• Spec e inteiro. Seja (f, f#) : (X,OX) → (Y,OY ) um morfismo

de esquemas afins, onde X = Spec(B) e Y = Spec(A). Seja ϕ :=

f#Y : A → B, e vamos mostrar que f = fϕ. Temos que mostrar

que se q ∈ X e p = f(q) ∈ Y entao p = ϕ−1(q). Como (f, f#) eum morfismo de espacos localmente anelados, o morfismo induzidonas espigas ϕp : Ap → Bq e local, ou seja ϕ−1

p (qBq) = pAp. Porfuntorialidade o diagrama canonico

Aϕ //

��

B

��Ap

ϕp // Bq

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72 3. GEOMETRIA ALGEBRICA MODERNA

comuta, ou seja ϕ−1(q) = p.

3. Specmax

Vamos fazer um exemplo para mostrar a avantagem de ter como anel Aum anel qualquer (e nao necessariamente uma k-algebra finitamente gerada,com k corpo algebricamente fechado!). O problema com a teoria classicae que as variedades algebricas nao tem propriedades que muitos espacostopologicos tem, por exemplo Hausdorff. Se trata do preco de usar comocorpo k um corpo algebricamente fechado. Na teoria moderna tambemSpec(A) nao e Hausdorff, mas muitas vezes tomar os pontos fechados (osideais maximais) da espacos mais conhecidos.

Dado um anel comutativo unitario A seja Specmax(A) (o espectro maxi-mal de A) o subconjunto de Spec(A) que consiste dos ideais maximais de A.A topologia de Zariski em Spec(A) induz uma topologia sobre Specmax(A)

que chamaremos tambem de topologia de Zariski. E um problema interes-sante perguntar quando Specmax(A) e Hausdorff (tem material em litera-tura que enfrenta esse problema). Por outro lado o fato que Specmax(A)e quase-compacto e facil e vale para qualquer anel A, a demonstracao e amesma do caso de Spec(A).

Lembramos do resultado seguinte.

Teorema (Lema de Urysohn). Seja X um espaco topologico compactode Hausdorff (ou mais em geral um espaco normal) e sejam A e B doisfechados disjuntos de X. Entao existe uma funcao continua f : X → [0, 1]que vale 0 em todo ponto de A e 1 em todo ponto de B.

Seja X um espaco topologico. Seja C(X) o conjunto das funcoes con-tinuas X → R com a topologia Euclidiana usual em R. Entao C(X) temoperacoes de soma e produto por componentes: se f, g ∈ C(X) definamosf + g e f · g pondo (f + g)(x) := f(x) + g(x) e (f · g)(x) := f(x)g(x). Comessas operacoes C(X) e um anel comutativo unitario.

O resultado seguinte mostra que o intervalo fechado [0, 1] em R pode servisto como espectro maximal com a topologia de Zariski. A fonte do quesegue e um exercıcio do livro Atiyah-Macdonald, pagina 14 (exercıcio 26 docapıtulo 1, “Rings and Ideals”).

Teorema. Seja X o intervalo fechado [0, 1] com a topologia usual deR. Para todo x ∈ X seja vx : C(X)→ R a funcao que leva f para f(x): setrata de um homomorfismo de aneis. A funcao

ψ : X → Specmax(C(X))

x 7→ mx := ker(vx)

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3. SPECMAX 73

e um homeomorfismo (isomorfismo de espacos topologicos).

Demonstracao. ψ e bem definida pois para todo x ∈ X o homomor-fismo vx e sobrejetivo (pois as constantes sao continuas) logo C(X)/mx

∼= Re um corpo, assim mx ∈ Specmax(C(X)).

A injetividade segue do lema de Urysohn: se x 6= y sao elementos de Xentao {x} e {y} sao fechados, logo existe uma funcao continua f : X → Rtal que f(x) = 0 e f(y) = 1. Segue que f ∈ mx −my, logo mx 6= my.

Mostraremos agora a sobrejetividade. Seja m ∈ Specmax(C(X)), e seja

Σ :=⋂f∈m

f−1({0}).

Se x ∈ Σ entao m ⊆ mx, logo m = mx por maximalidade de m. Assim bastamostrar que Σ 6= ∅ (se trata do analogo do Nullstellensatz versao fraca!).Como X e compacto e Σ e uma intersecao de fechados (preimagem do pontofechado {0} por meio de funcoes contınuas), para mostrar que Σ nao e vaziobasta mostrar que toda subfamılia finita de Σ tem intersecao nao vazia.Sejam entao f1, ..., fn ∈ m. Temos que mostrar que existe x ∈ X tal quef1(x) = ... = fn(x) = 0. Supomos que isso nao seja verdade, e consideramos

f :=

n∑i=1

f2i ∈ m.

Dado x ∈ X, temos f(x) = 0 se e somente se f1(x) = ... = fn(x) = 0 (poisos fi(x) pertencem a R), e isso nao acontece por hipotese. Mas entao f ∈ me sempre diferente de zero em X, logo e um elemento invertıvel em C(X)(cujo inverso e g(x) := 1/f(x), composicao da funcao contınua α 7→ 1/αcom f). Isso significa que m e um ideal maximal que contem um elementoinvertıvel: absurdo.

Vamos mostrar que Specmax(C(X)) e Hausdorff. Seja S = Spec(C(X))com a topologia de Zariski, onde se f ∈ C(X) o conjunto seguinte e aberto:D(f) := {p ∈ S | f 6∈ p} = S − V (f). Sejam mx e my dois elementosdistintos de Specmax(C(X)). Para “separar” mx e my com abertos disjuntosde Specmax(C(X)) encontramos duas funcoes continuas f, g : X → R taisque x ∈ D(f), y ∈ D(g) e D(f) ∩D(g) ∩ Specmax(C(X)) = ∅. Em outraspalavras f(x) 6= 0, g(x) 6= 0 e nao existem z ∈ X tais que f(z) 6= 0 6=g(z), ou seja fg = 0. Indicamos com B(a, r) a bola aberta de centro a eraio r em X. Seja d a distancia entre x e y. Escolhendo (pelo lema de

Urysohn) uma funcao contınua f : X → R que vale 1 em B(x, d/5) e 0 em

X −B(x, 2d/5), e uma funcao contınua g : X → R que vale 1 em B(y, d/5)e 0 em X −B(y, 2d/5), por construcao f(x) 6= 0, g(y) 6= 0 e fg = 0.

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74 3. GEOMETRIA ALGEBRICA MODERNA

Para mostrar que ψ e um homeomorfismo basta entao mostrar que euma funcao continua, pelo resultado seguinte:

Lema. Uma funcao continua e bijetiva com domınio compacto e co-domınio Hausdorff e um homeomorfismo.

Demonstracao. Seja f : X → Y uma funcao continua e bijetiva,com X compacto e Y Hausdorff. Para mostrar que e homeomorfismo bastamostrar que f manda fechados em fechados, pois isso e equivalente a dizerque a preimagem de um fechado por meio da inversa e um fechado. Sejaentao F um fechado deX. ComoX e compacto e F e fechado, F e compacto,logo f(F ) e compacto pois f e contınua. Um subespaco compacto de umespaco de Hausdorff e fechado, e isso conclui a demonstracao. �

Vamos entao mostrar que ψ e contınua. Seja V (I) ∩ Specmax(C(X))um fechado, onde I E C(X). A sua preimagem via ψ e

{x ∈ X | mx ∈ V (I)} = {x ∈ X | mx ⊇ I}= {x ∈ X : f(x) = 0 ∀f ∈ I}=

⋂f∈I

f−1({0}),

que e um fechado pois as f ∈ I sao continuas, em R os pontos sao fechadose intersecao arbitraria de fechados e um fechado. �

Observe que se X e um espaco topologico qualquer faz sentido considerara funcao ψ : X → Specmax(C(X)) que leva x para mx = ker(vx). ψ e umafuncao continua, e Specmax(C(X)) e sempre quase-compacto. Em muitoscasos Specmax(C(X)) e Hausdorff e a imagem de ψ e densa. Nesses casosSpecmax(C(X)) coincide com a compactificacao de Stone-Cech βX de X.

A compactificacao de Stone-Cech de um espaco topologico X e umespaco topologico βX quase-compacto e Hausdorff com um morfismo (funcaocontinua) estrutural ψ : X → βX tal que para toda funcao continua f :X → K onde K e um espaco compacto e Hausdorff existe uma unica funcaocontinua βf : βX → K compatıvel, ou seja βf ◦ ψ = f .