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    CAPTULO I A IDEIA GERAL DO DIREITO

    1 O Direito enquanto fenmeno humano e social:

    A complexidade que o estudo acerca do Direito pode adquirir, leva-nos a entender dois pontos

    de partida como sendo essenciais para a sua pretensa compreenso: o Direito enquanto

    realidade humana e social.

    O Professor Paulo Otero dos que mais pormenoriza a primeira temtica, relacionando-a com a

    problemtica da dignidade humana na limitao do prprio Direito. Entende que o Homem o

    criador e principal destinatrio do Direito, porque mesmo quando este regula o Estado ou

    se refere a coisas ou animais, o ser-humano sempre o ponto de referncia e tudo tem

    significado em funo da sua conduta e comportamento relativamente aos mesmos. Assimsendo, na dignidade da pessoa humana que o Direito deve encontrar a sua fonte e a

    sua razo de ser, porque um Direito que negue ao Homem a sua dignidade, que algo

    inerente sua condio de ser-humano, ento esse Direito est a negar-se a si prprio. Aqui se

    levantam duas concluses de maior interesse:

    Deste modo, a dignidade humana acaba por limitar o Homem na produo de Direito ,

    sob pena de se consagrarem valores que acabem por se revelar como atentados prpria

    dignidade do ser-humano;

    A outra concluso bem pode ser entendida como uma problemtica questo: haver validadenum determinado conjunto de normas jurdicas que se revelem nocivas dignidade do

    Homem? e haver obrigatoriedade de se obedecerem a tais normas no caso delas se

    colocarem em prtica?

    A segunda temtica no ser menos complexa, mas talvez seja menos problemtica sob um

    ponto de vista mais prtico e menos terico. Quando se entende o Direito enquanto realidade

    humana, est-se logicamente a associar a ideia de sociabilidade prpria natureza do homem,

    ou seja, est-se a tentar afirmar que o Homem um ser social e que esta sociabilidade lhe

    inata. No entanto, nem sempre esta ideia foi pacificamente aceite ou entendida, pois grandespensadores como Hobbes, Locke e Rousseau, defenderam a existncia de um estado de

    natureza, onde o homem viveria isolado dos restantes, a anteceder o estado de convivncia

    social, que seria consagrado atravs de um acordo comum, uma espcie de contrato social

    celebrado pelos homens. No entanto, apesar das aparentes semelhanas, at mesmo esta

    teoria era entendida pelos trs com contornos ligeiramente diferentes, pois vejamos:

    Thomas Hobbes (sculo XVI-XVII) : Hobbes nasceu em Inglaterra e viveu perodos

    extremamente conturbados, o que de certa forma ter contribudo para que a sua opinio

    acerca da natureza humana fosse deveras negativa. Para este autor o Homem tem uma

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    natureza imperfeita e m, o que implica que a sua convivncia com os outros seja

    caracterizada por permanentes guerras e conflitos. Ele v os homens como pequenos

    monstros, movidos por interesses mesquinhos, egostas e gananciosos. O Homem um ser

    com uma assustadora e infinita ambio pelo poder, o que o leva a concluir que o seu estado

    natural, o seu estado de natureza o estado de guerra. Assim sendo, ele entende que sum monstro mais forte e poderoso que os homens poder preservar a segurana e garantir a

    paz (os grandes valores que Hobbes defende). Esse monstro o Estado, que surge atravs

    de uma espcie de contrato social, celebrado em comum acordo pelos homens, onde os

    mesmos alienam parte dos seus direitos a um Estado que, no entender deste pensador

    deveria ser forte, repressivo e com poderes ilimitados, por forma a garantir vivncia em

    sociedade a paz e a segurana.

    Concluso: do pensamento de Hobbes retiramos a ideia de que a sociedade resulta da

    natureza maligna do ser-humano e em consequncia, o Direito e o Estado surgemcom uma funo repressiva e ilimitada, em ordem a preservar e garantir a segurana

    e a paz no estado de vida social dos homens. Em Hobbes, a liberdade de cada um

    deve ser controlada pelo Estado, porque para o autor, o Homem em liberdade um

    animal mau e ambicioso, que pode colocar em causa a segurana e o equilbrio da

    vida em sociedade.

    John Locke (sculo XVII-XVIII) :Locke, ao invs, no apresenta uma viso to pessimista

    do estado de natureza humana como Hobbes, na medida em que entende que todos oshomens nascem livres e iguais, e que o Homem seria bom ou mau consoante a sua vontade.

    Todavia, tambm se afirma apologista da ideia de que no estado de natureza, no existiriam

    leis nem tribunais que pudessem garantir aos homens a plenitude dos seus direitos, o que

    levava a que cada um procurasse garanti-los atravs de um sistema de justia privada.

    Racionalmente chegou-se concluso que este sistema poderia conduzir a desigualdades e

    injustias, contribuindo necessariamente para que os homens celebrassem entre si um

    contrato social, com o intuito de delegarem no Estado determinados poderes, para que este

    se encarregue de procurar garantir a justia, a liberdade e proteger a propriedade privada decada um, entrando-se deste modo no estado de sociedade perspectivado por este pensador.

    Concluso: o entendimento de John Locke relativamente ao estado de natureza

    humana e vertente contratualista do homem, apresenta-se com algumas diferenas

    importantes, relativamente ao pensamento de Hobbes. Argumenta Locke que o

    estado social surge atravs da vontade contratual do ser-humano, com a finalidade

    do Estado assegurar e garantir, alm da paz e da segurana, a liberdade e a defesa da

    propriedade privada, preconizando deste modo, uma interveno muito mais limitada

    do Estado e do Direito na vida privada de cada um, fundamento directo de uma

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    concepo liberal de separao de poderes, que acabaram por caracterizar todo o seu

    pensamento.

    Jean-Jacques Rousseau (sculo XVIII) : Dos pensadores referenciados e enunciados

    aquele que se mostra mais optimista relativamente natureza humana. Apologista da teoria

    do Bom Selvagem, entende que no incio dos tempos o homem vivia isolado e feliz,

    expressando desse modo a sua liberdade, a sua natural bondade e a ausncia de conflitos.

    Segundo o autor, o estado de natureza era o paraso perfeito. Entende Rousseau que a

    sociedade que acabou por corromper a boa natureza do Homem, pois desenvolveu no

    mesmo o sentimento de posse, o sentimento de propriedade privada, decorrendo da uma

    substancial alterao na sua natureza, passando o Homem a ser ambicioso, egosta, causador

    de perturbao e conflitos. ento que atravs da vontade geral da colectividade, atravs do

    desejo da maioria, que se estabelece um determinado contrato social, cujo primordial

    objectivo consiste numa tentativa de procurar remediar a quebra de equilbrio do estado denatureza do ser-humano. Partindo do princpio de que a maioria nunca se engana, encontra

    deste modo justificaes para a ausncia de limites ao Estado e ao Direito, pois Rousseau foi

    dos mais acrrimos defensores da soberania popular, expressa atravs da democracia directa.

    Concluso: no entender de Rousseau o Homem era um ser bom e feliz no seu estado

    de natureza e foi a inveno da agricultura e da metalurgia, que permitiu ao Homem

    comear a cultivar terras e, consequentemente, a desejar uma parcela destas para si

    prprio. Aqui se inicia o sentimento de propriedade privada que originou conflitos e

    desencadeou uma alterao substancial na natureza do ser-humano. O estado emsociedade nasce atravs de um contrato que os homens celebraram entre si, com o

    objectivo de tentar remediar os males causados pela vivncia social. Sendo um

    apologista de que a maioria tem sempre razo e cuja vontade deve sempre colocar-se

    acima dos interesses menores, Rousseau no coloca limites ao Estado e ao Direito,

    pois sendo um defensor da soberania popular e da democracia directa, ele entende

    que esta seria a melhor soluo em ordem a salvaguardar os interesses gerais da

    populao.

    No entanto, tais teorias so entendidas pelos Professores Ascenso, Marcelo e Paulo Otero,

    como meras hipteses que devem ser desconsideradas na medida em que so contrariadas

    pelos dados histricos, que indiciam que o Homem viveu sempre em permanente convvio

    desde os tempos mais remotos, com outros semelhantes, e pela prpria natureza humana,

    pois, na senda de Aristteles, consideram que a sociabilidade inata ao Homem.

    Partindo deste pressuposto, os Professores Ascenso e Paulo Otero afirmam que, tal como o

    estado social inerente ao homem, ento tambm o Direito o , pois nenhuma sociedade

    subsiste sem um determinado conjunto de normas jurdicas que procurem influenciar a conduta

    e o comportamento dos homens socialmente organizados, tendo em vista a execuo de

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    determinados fins comuns, entre os quais a justia, o bem-estar e a segurana. Os Professores

    Dias Marques e Marcelo Rebelo de Sousa reforam esta tese, argumentando que a vida em

    sociedade caracterizada por um permanente jogo de interesses, e que os interesses advm

    da relao estabelecida entre os bens e as necessidades. No entanto, como todos os homens

    so pessoas diferentes, caracterizados por distintas motivaes, isso implica que muitas dasvezes os bens no sejam suficientes para a satisfao de todas as necessidades sociais,

    originando consequentemente os chamados conflitos de interesses que emergem do seio da

    sociedade. neste mbito que o Professor Dias Marques afirma a importncia do Direito para

    levar a cabo os dois grandes fins, de certa forma interligados, a que uma sociedade se prope:

    a resoluo dos conflitos de interesses e a de assegurar uma colaborao entre os membros da

    sociedade, em ordem realizao de fins sociais.

    2 Direito e Poder Poltico:

    O Professor Marcelo apologista de que o poder poltico nasce justificado pela conflitualidade

    de interesses inata aos homens na sua vida em sociedade. Embora com contornos diferentes,

    j os trs pensadores anteriormente referidos, Hobbes, Locke e Rousseau, haviam incidido a

    sua teoria do contrato social sob este prisma. Mas como se prope actuar o poder poltico? Em

    primeiro lugar definem-se os objectivos gerais e primordiais ao interesse da colectividade, de

    seguida escolhem-se os meios indicados para serem colocados em prtica tendo em vista a

    concretizao de tais fins, por fim, recorre-se ao uso da fora no caso de ser estritamentenecessrio. Assim, o Professor Marcelo entende que o poder poltico caracterizado pelo poder

    de influncia e de injuno:

    Poder de influncia: entendido como o poder de influenciar e determinar a conduta dos

    indivduos atravs do recurso recompensa e no punio;

    Poder de injuno: entendido como o poder de influenciar e determinar a conduta dos

    indivduos atravs do recurso punio ou meramente ameaa de punio ou sano.

    O poder de injuno levanta sempre a problemtica da questo que envolve a coercibilidade, no

    entanto, este problema ir ser abordado mais adiante, aquando forem referidas as

    caractersticas do Direito. Por ora pode-se somente referir que o Professor Ascenso entende-a

    como a susceptibilidade da aplicao coactiva de sanes com expresso fsica, no caso das

    regras serem violadas, e que o Professor Marcelo refere-se mesma no sentido material que

    ela pode adquirir, desde a aplicao de multas privao da prpria liberdade. Concluso:

    Como se relacionam Direito e poder poltico? O poder poltico o criador de Direito,

    no entender do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, mas acaba por ser um criador que

    se sujeita sua prpria criao, ou seja, uma realidade autolimitada, no sentido em

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    que ao criar Direito e ao libert-lo no seio da sociedade, os rgos que compem o

    poder acabam por se sujeitar eles prprios, s regras e normas por si criadas.

    3 Direito, Poder Poltico e Estado:

    3.1 - Direito estadual, direito infra-estadual e supra-estadual:

    O poder poltico existe no plano estadual, supra-estadual e infra-estadual. O Direito estadual

    assume-se como ponto de referncia, na medida em que o ordenamento jurdico padro, pois

    dele dependem, embora com diferentes contornos os direitos supra e infra-estaduais. Como

    exemplos de direitos estaduais podem-se referir, a nvel nacional, as leis da Assembleia da

    Repblica ou os decretos-lei do Governo.

    O Direito supra-estadual criado no seio da Comunidade Internacional ou atravs de

    acordos celebrados entre os Estados. Apesar de depender da aprovao do Direito de umcerto Estado para poder ser aplicado no seu territrio, ele no deixar de existir ou de ter

    validade enquanto Direito, no caso de ser ineficaz perante as leis desse prprio Estado. Bons

    exemplos so as resolues do Conselho de Segurana da ONU, ou ainda os Regulamentos ou

    Directivas da UE.

    O Direito infra-estadual aquele que se apresenta mais fragilizado perante o Direito

    estadual, pois depende daquele para existir ou ter validade. Tambm designado por Direito dos

    organismos intermdios, gerado por realidades scio-polticas integradas no estado. Como

    exemplos a nvel de Portugal existem as posturas municipais, mas podem-se tambm referir osdecretos-legislativos regionais.

    3.2 - Caracterizao dos elementos do Estado: povo, territrio e poder poltico:

    A primeira noo que se colhe do Estado a de um povo fixo num determinado territrio,

    de que senhor, e que dentro das fronteiras desse territrio institui, por autoridade

    prpria, rgos que elaborem as leis necessrias vida colectiva e imponham a

    respectiva execuo. Esta a noo avanada pelo Professor Marcello Caetano e partilhada

    de forma mais ou menos consensual pela maior parte dos professores. Desta primeira noo

    acerca daquilo que o Estado, depreende-se a existncia de um povo que tenha o senhorio de

    um territrio, e seja dotado do poder para se organizar politicamente (por isso se diz que os

    grandes elementos do Estado so o povo, o territrio e o poder poltico).

    Populao , Nao e Povo: alguns autores costumam indicar uma das duas primeiras

    designaes como primeiro elemento do Estado, todavia, o termo povo empregue de uma

    forma mais uniforme pela maioria dos vrios autores. Da que se perfile como importante

    proceder distino entre tais palavras.

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    O termo populao tem, no entender do Professor Marcello Caetano, um determinado

    significado econmico, que acaba por abranger o conjunto de pessoas residentes

    num territrio, quer se trate de nacionais ou de indivduos estrangeiros. Ora o

    elemento humano do Estado constitudo unicamente pelos que a ele esto ligados

    pelo vnculo jurdico a que hoje chamamos cidadania.E a Nao? Como pode ser caracterizada? Bom, em termos sucintos uma comunidade de

    base cultural e pertencem mesma Nao todos os que nascem num certo ambiente

    cultural, feito de costumes e tradies, geralmente expresso numa lngua comum e

    com assento num mesmo ideal colectivo.

    A palavra povo surge ento como principal designao da colectividade humana que, a

    fim de realizar um ideal prprio de justia, segurana e bem-estar, reivindica a

    instituio de um poder poltico que lhe garante o direito adequado s suas

    necessidades e aspiraes, por outras palavras, o povo o conjunto dos indivduosque para a realizao de interesses comuns se constitui em comunidade poltica,

    sob a gide de leis prprias e a direco de um mesmo poder.

    - Cidadania: o vnculo jurdico que liga os indivduos a uma comunidade poltica e

    os integra em certo povo. A esta qualidade correspondem certos direitos e certos

    deveres (para com a colectividade e para com os outros cidados). A cidadania pode ser

    originria (quando adquirida por mero efeito da lei, ou seja, automaticamente por

    virtude do nascimento, mas tambm por efeito da vontade ver o primeiro

    captulo do ttulo I da lei da nacionalidade) e no originria (quando adquirida porqualquer outro acto ou facto jurdico, como o casamento, a filiao, a adopo e a

    naturalizao, por exemplo). Os dois critrios que so considerados fundamentais para o

    apuramento da cidadania so o critrio da filiao (jus sanguinis o direito

    resultante da comunidade de sangue), em funo do grau de parentesco, e o critrio

    do local de nascimento (jus soli o direito derivado da comunidade de domiclio

    no territrio).

    Qual a grande concluso que se pode retirar deste primeiro ponto? Conclui-se que numa

    parcela do territrio do Estado podem-se encontrar cidados (membros do povo

    que forma o elemento humano do Estado), e outros indivduos que, embora

    sujeitos ao Estado, no se perfilam como cidados pois no fazem parte do seu

    povo.

    Territrio do Estado:muito sucintamente o territrio pode ser definido como o espao

    jurdico de um determinado Estado, factor de identificao e integrao da

    comunidade, perfilando-se igualmente como um limite ao poder do prprio Estado

    sob um ponto de vista jurdico. Assim sendo, o territrio do Estado o espao no qual

    os rgos desse mesmo Estado tm o poder de impor a sua autoridade, uma vez que

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    as leis so obrigatrias, em princpio, s dentro das respectivas fronteiras do Estado

    de cuja autoridade dimanam, todavia, ocorrem ainda determinadas situaes em que se

    verifica a aplicao do privilgio de extraterritorialidade, ou seja, o privilgio de se

    estar submetido s leis do pas que se representa (como exemplos podem-se referir os

    Chefes de Estado ou at funcionrios diplomticos que esto ao servio de um certo Estadoem territrio estrangeiro) e no s leis do pas onde se encontram naquele momento.

    O territrio formado pelo espao terrestre (solo e a respectiva profundidade do

    subsolo que lhe corresponder), espao areo e, no caso de um pas ser banhado pelo

    mar, considera-se ainda pertena do territrio do Estado aquilo que se designa como o mar

    territorial (12 milhas). Alm disso, torna-se Ptria,no apenas quando a terra dos

    antepassados (terra Patrum), mas quando, aos olhos dos que o habitam, aparece

    como terra dos descendentes.

    Outros importante aspecto que se deve realar no mbito desta questo, prende-se com ofacto de que, embora o territrio de um Estado seja considerado uno do ponto de

    vista jurdico, ele pode ser frequentemente composto de vrias fraces

    geograficamente distintas, por outras palavras, unidade jurdica do territrio, nem

    sempre corresponde a continuidade geogrfica. Vejam-se os seguintes exemplos:

    - colectividade nica em territrio contnuo: neste caso encontramos um Estado

    reduzido a uma s rea territorial, onde habita um povo culturalmente homogneo;

    - colectividade nica em territrio descontnuo: nestes Estados o povo encontra-se fixo

    num territrio principal e noutros dele separados, geralmente por acidentes geogrficos (porexemplo as ilhas adjacentes ou as provncias ultramarinas);

    - pluralidade de colectividades e de territrios: o caso dos imprios. Apesar de existir

    uma colectividade e um territrio dominantes (onde se encontram os rgos supremos),

    existem outros territrios subordinados onde se encontram colectividades cultural ou

    mesmo politicamente diferentes da metropolitana.

    Poder poltico e soberania: o terceiro dos elementos que caracterizam o Estado o poder

    poltico, na medida em que pode haver uma determinada colectividade fixada num certoterritrio e no ser um Estado. Concluso, o Estado s nasce desde que essa

    colectividade exera sobre esse territrio o poder poltico.

    Mas como pode ser definido o poder poltico? Em termos genricos pode ser entendido

    como a faculdade exercida por um povo de, por autoridade prpria ( e no recebida

    de outro poder), instituir rgos que exeram o senhorio de um territrio e nele

    criem e imponham normas jurdicas, dispondo dos necessrios meios de coaco. O

    exerccio do poder poltico traduz-se na criao e na imposio de normas jurdicas

    (embora o poder poltico no crie todo o Direito ou sequer todo o Direito positivo). As

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    normas criadas pelo poder poltico ou sob a sua autoridade, tm um mbito de

    vigncia circunscrito ao territrio do Estado.

    Esta autoridade constituinte perfila-se como a caracterstica essencial do poder poltico e

    permite diferenci-lo da autoridade descentralizada, ou seja, a autoridade que

    conferida por um Estado aos rgos que a sua Constituio e leis estabelecem nasprovncias ou nos municpios (e que pode ir at faculdade de legislar e de regulamentar

    as leis, por exemplo). Neste ltimo caso, trata-se de uma autoridade delegada ou atribuda e

    no prpria ou originria.

    O poder poltico distingue-se ainda dos simples poderes disciplinares (que so

    particularistas e cessam logo que o indivduo se separe ou seja expulso do grupo social

    restrito a que esse poderes respeitam) porque um poder de imposio e de domnio,

    ao qual os indivduos no se podem subtrair dentro do territrio dominado.

    E em que termos pode ser introduzida a expresso soberania no mbito desta problemtica?A palavra soberania numerosas vezes utilizada, nomeadamente nos textos e manuais de

    Cincia Poltica ou de Direito Constitucional, para significar o Poder poltico prprio do Estado.

    Jean Bodin (sculo XVI) foi dos principais autores a expor a doutrina da soberania. A

    soberania significa um poder poltico supremo e independente, entendendo-se por

    poder supremo aquele que no se encontra limitado por nenhum outro na ordem

    interna, e por poder independente aquele que na sociedade internacional no tem

    de acatar regras que no sejam voluntariamente aceites e est em p de igualdade

    com os poderes supremos dos outros povos. Este conceito foi definida por Bodin como opoder absoluto do Chefe de Estado, que lhe permite fazer leis para todo o pas sem

    estar, entretanto, sujeito s mesmas ou s dos seus antecessores, na medida em

    que no pode dar ordens a si mesmo.

    Quais as concluses que se podem retirar deste ponto relativo ao poder poltico e noo de

    soberania? Acima de tudo essencial lembrar que poder poltico e soberania no so

    a mesma coisa, porque a soberania , por si prpria, uma forma de poder poltico

    supremo e independente, e se uma colectividade tem a liberdade plena de escolher

    a sua Constituio e de elaborar as leis que julgue convenientes, ento essa

    colectividade forma um Estado soberano.

    3.3 - Os fins/objectivos do Estado - segurana, justia e bem-estar social, econmico

    e cultural:

    A formao do Estado como sociedade politicamente organizada tem em vista a prossecuo de

    determinados fins. De uma forma geral distinguem-se, no Estado contemporneo, trs grandes

    objectivos que merecem ser enunciados:

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    Segurana : o primeiro interesse do homem no mundo viver, como tal, a segurana revela-

    se como uma necessidade inerente e fundamental ao prprio ser-humano. Esta finalidade do

    Estado reveste-se de diversas facetas a segurana interna (que supe a ordem interna

    do Estado e a estabilidade e certeza do Direito), a segurana externa (implica a

    defesa dos interesses da colectividade perante o exterior, bem como a paz nas

    relaes internacionais e a no ingerncia nos assuntos internos dos outros

    Estados), a segurana individual de cada cidado (proporcionada mediante o

    reconhecimento dos direitos e deveres reconhecidos a cada cidado) e a segurana

    colectiva (enquanto realidade que envolve toda a comunidade considerada).

    Justia : a justia procura substituir, nas relaes que os homens estabelecem uns com os

    outros, um determinado arbtrio de violncia individual, por um conjunto de regras que se

    perfilem como capazes de estabelecer consensualmente uma nova ordem. Costuma-se dizerque a justia abrange duas realidades distintas a justia comutativa e a justia distributiva.

    - Justia comutativa:aqui exige-se que o Estado garanta uma igualdade dos valores

    permutados, nas relaes que so estabelecidas entre os cidados, por outras

    palavras, cada um deve receber, nas relaes recprocas, de acordo com as

    prestaes efectuadas a certo ou a certos concidados;

    - Justia distributiva : segundo a justia distributiva, cada cidado deve receber

    proventos da colectividade de acordo com o tipo de actividade produzida, ou de

    acordo com a situao social de carncia em que se encontra.Todavia, por vezes fala-se ainda em justia redistributiva, porque se visa corrigir

    determinadas desigualdades existentes ao nvel dos bens econmicos, sociais e

    culturais (por exemplo, uma das medidas que mais tem sido referida no mbito da

    justia redistributiva a da exigncia de polticas fiscais de correco de

    desigualdades).

    Bem-estar social, econmico e cultural: finalmente, o Estado procura ainda garantir e

    promover o acesso dos cidados, a bens considerados fundamentais para ocrescimento social, econmico e cultural da colectividade. O Estado visa ento elevar o

    nvel de vida dos respectivos cidados, nomeadamente atravs da promoo de condies

    que contemplem a educao, a sade e o desenvolvimento econmico, entre outros.

    Mas estes fins so prosseguidos de forma distinta pelos diferentes Estados, consoante os

    diferentes momentos histricos e os respectivos regimes econmico-politicos. Como tal,

    importa, acima de tudo, caracterizar os fins prosseguidos pelos Estados Liberais e pelos

    Estados Sociais:

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    Os fins prosseguidos pelo Estado Liberal :o Estado Liberal privilegiou essencialmente

    os fins de segurana (interna e externa) e de justia. Foi um tipo de Estado que, devido

    ao seu enquadramento histrico (correspondeu fase do constitucionalismo liberal), se

    caracterizou pela no interveno na vida econmica e social e pela consagrao e

    reconhecimento do princpio da igualdade de todos os cidados perante a lei

    (conjugada no respeito dos direitos civis e polticos), a par da manuteno de uma

    certa desigualdade ao nvel econmico e social. Atravs destas caractersticas, facilmente se

    atesta um certo distanciamento nas relaes estabelecidas entre os cidados e o

    Estado. Importa ainda referir que, alm dos fins prosseguidos (justia e segurana) e das

    preocupaes com as liberdades individuais dos cidados (consagradas nas Constituies e

    em textos histricos), o Estado liberal caracterizou-se ainda pela doutrina da

    separao de poderes, intimamente relacionada com a preservao da esfera de

    liberdade e individualidade do cidado, e pelo positivismo normativo (contudo, estatendncia normativista que privilegiava a pureza e a neutralidade do Direito, viria

    a conhecer uma certa decadncia na passagem para o Estado providncia o Estado

    prestador de servios crescentes comunidade uma vez que este se caracteriza

    por uma maior ateno no que diz respeito relao estabelecida entre a lei e a

    sociedade, ponderando, cuidadosamente, os efeitos sociais, econmicos e culturais

    da lei no momento da sua criao)

    Os fins prosseguidos pelo Estado Social de Direito : como o decorrer dos anosalteraria a situao anterior, assume-se como imprescindvel caracterizar a

    passagem do Estado Liberal para o Estado Social, onde se assiste a uma

    subalternizao do objectivo da segurana em benefcio da justia redistributiva e do bem-

    estar econmico, social e cultural. Ou seja, o Estado contemporneo foi em geral marcado

    por um alargamento dos objectivos que orientam o poder poltico segurana interna e

    externa, justia comutativa, distributiva e at redistributiva, bem-estar econmico, social e

    cultural (e por isso que se fala igualmente numa segunda gerao de Direitos

    fundamentais). O Professor Marcelo Rebelo se Sousa costuma, inclusivamente referir,que o Estado de hoje suja as mos na vida econmica, nas relaes sociais e at na

    actividade cultural, porque concluiu, aquando a passagem do Estado liberal para o

    Estado social, que os meros mecanismo do mercado no asseguram,

    necessariamente, por si s, a superao ou a reduo das desigualdades existentes

    na colectividade, e por isso que as assimetrias pessoais, funcionais e regionais

    exigem do Estado intervenes que visem garantir um patamar mnimo de bem-

    estar. Os ltimos anos tm sido pautados por alguns sinais de contestao das formas

    extremas do Estado-Providncia, nas quais o Estado chama a si a tarefa de satisfazer

    amplamente as necessidades de educao, sade e segurana social (entre outras), criando

    10

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    para o efeito, ambiciosos sistemas pblicos de prestao de servios . Alguns contestam-no

    pelos seus excessos, outros, em menor nmero, vos mesmo ao ponto de defender

    o seu desaparecimento. De uma forma geral, o que as opinies pblicas pretendem

    um Estado Social que lhes garanta patamares mnimos de satisfao de necessidades

    colectivas consideradas de responsabilidade pblica, mas no aceitam pagar essa garantiapara alm de limites apertados em termos de impostos.

    O Estado visa essencialmente a segurana interna e externa do pas, bem como a

    segurana individual e colectiva dos cidados. Procura tambm precaver as condies de

    vida dos membros da sociedade, garantindo os meios essenciais para as suas necessidades

    econmicas, sociais e culturais, nomeadamente atravs da educao, da sade, da

    informao, do emprego, entre tantos outros factores. Outro dos grandes objectivos que

    interessam ao Estado prende-se com o garantir a justia aos seus membros, seja ela

    comutativa (garantir s pessoas o equivalente s prestaes efectuadas a outrm),distributiva (garantir que as pessoas so recompensadas consoante os trabalhos prestados

    sociedade) ou re-distributiva ( impondo, por exemplo, maiores encargos aos mais

    favorecidos tendo como objectivo reequilibrar a situao dos mais carenciados).

    3.4 - As funes do Estado (no entender do Professor Marcelo Rebelo de Sousa):

    funo constituinte, de reviso constitucional, primrias (poltica e legislativa) e

    secundrias (jurisdicional e administrativa):

    Para tais fins serem atingidos o Estado exerce determinadas funes, todas elas em planosdistintos, uma vez que umas acabam por se encontrar subordinadas a outras. Em primeiro

    lugar, o Estado exerce a sua funo constituinte, ao expressar, atravs da Constituio, as

    normas e regras essenciais para a vivncia em sociedade . Seguidamente, vai exercer a sua

    funo de reviso constitucional, com o intuito de modificar e actualizar as regras

    constitucionais, adaptando-as evoluo das sociedades. Deste modo, a Constituio acaba por

    condicionar o desempenho das restantes funes do Estado, as que se encontram num primeiro

    plano, pois resultam da actividade dos rgos do poder poltico do Estado so as funes

    primrias (poltica e legislativa) - , e as que se encontram subordinadas a estas so as

    funes secundrias (jurisdicional e administrativa).

    Funo Poltica do Estado :traduz-se na definio dos interesses gerais da colectividade e

    na escolha dos meios para a obteno desses interesses;

    Funo Legislativa do Estado :traduz-se na prtica de actos com contedo poltico;

    Funo Jurisdicional do Estado :traduz-se no julgamento de litgios de interesses pblicos

    e privados, bem como de violao da lei e da Constituio;

    11

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    Funo Administrativa do Estado :consiste na satisfao das necessidades colectivas dos

    membros da sociedade.

    4 Definio do conceito de Direito (Professora Maria Lusa Duarte):

    O Direito entendido como um fenmeno humano e social, criado pelo homem, criado para o

    homem regular as suas condutas e comportamentos em sociedade, atravs de regras e

    princpios que procuram conciliar os diferentes interesses que emergem do seio da relao que

    os homens estabelecem uns com os outros. Sucintamente, a Professora Lusa Duarte entende

    que o Direito pode ser visto como um conjunto de regras de conduta, definidas pela

    autoridade social, em ordem a realizar a justia e preservar a segurana e o bem-

    estar, cuja aplicao garantida pela possibilidade de sanes.

    12

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    CAPTULO II O DIREITO E AS OUTRAS ORDENS NORMATIVAS

    1 Distino entre Direito objectivo e direito subjectivo:

    Direito objectivo :o Direito objectivo escreve-se com maiscula. O Professor Marcelo Rebelo

    de Sousa, caracteriza-o por um conjunto de regras de conduta, que devem imperar no

    nosso quotidiano e na nossa relao com os outros . Paulo Otero concorda, afirmando

    ainda que o mesmo pode ser entendido como uma realidade espacial e temporal, na

    medida em que pode ser analisado em termos territoriais (falando-se, por exemplo,

    do ordenamento jurdico portugus ou espanhol) e temporais (porque o Direito dehoje, no , de certeza, o mesmo que se praticou outrora);

    Direito subjectivo: escreve-se com minscula. O Prof. Marcelo diz que este

    corresponde ao espao de liberdade, ao poder de actuar ou de exigir a actuao

    alheia, dando como exemplos o direito ao voto, greve, liberdade, etc. Aqui o Professor

    Paulo Otero faz duas observaes: se o Professor Marcelo entende que o direito

    subjectivo criado, modificado e at extinto pelo Direito objectivo, Otero entende

    que se pode suscitar a existncia de direitos subjectivos independentes (como porexemplo os direitos inerentes dignidade humana) das normas que os consagram e

    regem; na senda desta argumentao, ele refere ainda que poderia ento ser o

    prprio Direito objectivo a encontrar-se vinculado a estes mesmos direitos e sua

    consagrao.

    2 As dimenses do Direito (Professor Marcelo Rebelo de Sousa):

    Dimenso normativa do Direito: o Direito enquanto norma reguladora da vida social;

    Dimenso volitiva do Direito: o Direito enquanto produto e manifestao da vontade do

    poder poltico;

    Dimenso estrutural do Direito: o Direito enquanto resultado da influncia mecnica de

    certas estruturas sociais;

    13

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    Dimenso axiolgica do Direito: o Direito enquanto um sistema de valores que no devem

    ser neutros, na medida em que os conflitos devem tentar ser resolvidos com base nos valores

    caractersticos do Direito.

    3 As caractersticas fundamentais do Direito:

    O Professor Marcelo Rebelo de Sousa refere que so trs as grandes bases que

    caracterizam o Direito:

    Sociabilidade/Alteridade: o Direito somente se justifica se existir alteridade, ou seja, a

    presena de outros com interagimos e com os quais nos relacionamos. O Direito nasce

    justificado pela natureza social do homem, e pelos conflitos que so gerados no seio da

    sociedade.Na sua projeco social, ele visa influenciar a conduta e os comportamentos dos homens de

    modo a procurar minimizar os conflitos de interesses entre os seres humanos;

    Imperatividade: a imperatividade caracterstica das vrias ordens normativas, entre as

    quais, a ordem jurdica. A imperatividade consiste no cumprimento categrico e incondicional

    das regras que possuem um sentido de dever ser. Muitos autores aludem neste aspecto

    distino kantiana dos imperativos hipotticos e categricos, enquadrando, logicamente, o

    Direito nos imperativos categricos e incondicionais, porque a norma jurdica existe para serobedecida e as sanes existem para procurar garantir que assim seja;

    Coercibilidade material: o Professor Marcelo Rebelo de Sousa entende a coercibilidade

    como a susceptibilidade do uso da fora na aplicao de sanes, no caso das regras serem

    violadas. Defende que a coercibilidade material caracterstica do Direito estadual e infra-

    estadual, porque o poder poltico detm sempre a possibilidade de aplicar sanes e punies,

    que podem ir desde a aplicao de multas privao da prpria liberdade, mas no nega que

    a mesma se tem vindo a procurar expandir em termos supra-estaduais.

    Todavia, a juntar s caractersticas fundamentais do Direito avanadas pelo Prof. Marcelo

    Rebelo de Sousa, surgem ainda, embora entendidas e aceites de modo distinto, a

    necessidade, a estatalidade e a exterioridade. Vejamos como so elas entendidas,

    nomeadamente pelo Professor Jos de Oliveira Ascenso:

    14

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    Necessidade: amplamente aceite pelo Prof. Ascenso, que o Direito extremamente

    necessrio estruturao da vida em sociedade, argumentando igualmente que nenhuma

    sociedade subsiste sem o mesmo a desempenhar um papel decisivo enquanto conjunto de

    regras que devem influenciar a conduta do Homem social, com o intuito de assegurar a

    justia, a segurana e o bem-estar da colectividade, evitando deste modo possveis situaes

    anrquicas e despticas, que coloquem em risco o equilbrio da convivncia entre os homens.

    O Professor Ascenso entende que as trs grandes caractersticas primordiais do

    Direito so a alteridade, a imperatividade e a necessidade, colocando em causa a

    pretensa estatalidade e coercibilidade do mesmo, como alis, se atesta pela anlise

    seguinte.

    Estatalidade e coercibilidade: apesar do Direito ser produzido e colocado em prtica peloEstado, ele no nasce com o mesmo, desse modo, o Estado somente o ponto de

    referncia para criao e aplicao do Direito. O Direito emerge do seio da

    sociedade e no se origina tendo por base o Estado , como seria entendido pelos

    positivistas. Sucintamente, o que o Prof. Ascenso pretende dizer que, das

    sociedades emergem sempre entidades em posio de supremacia e que essa

    supremacia tambm acaba por se traduzir na faculdade de declarar o que e o que

    no Direito. No entanto, como se comprova pelo Direito Internacional Pblico, ou

    supra-estadual, verifica-se que este nem sempre reconhecido por determinadosEstados e no entanto ele no deixa de ser o Direito da Comunidade Internacional, ou

    seja, continua a ser considerado Direito; relativamente questo da coercibilidade, ela

    surge, no entender do Professor Ascenso, muitas vezes, associada ideia da estatalidade do

    Direito. Neste particular aspecto talvez seja positivo compararmos a posio do Professor

    Oliveira Ascenso com a do Professor Marcelo Rebelo de Sousa: ambos concordam que a

    coercibilidade caracteriza a ordem jurdica estatal, no entanto, se o Professor

    Marcelo entende que o mesmo vai valer no plano do Direito infra-estadual (por fora

    do seu acolhimento pelo Direito estadual), o Professor Ascenso vai defender queapesar da ordem jurdica estadual emprestar alguma fora para a realizao de

    certas ordens menores, tais casos nunca poderiam ser generalizveis na medida em

    que existe um grande nmero de regras de cariz infra-estadual destitudas de

    coercibilidade. No que diz respeito ao Direito supra-estadual, ambos denotam algumas

    semelhanas de opinio, pois no rejeitam a coercibilidade ao nvel do Direito

    Internacional Pblico, apesar de reconheceram que o seu grau de afirmao ser

    menor e incipiente, todavia, quando se referem ao Direito Cannico, a opinio j

    diverge, pois se o Professor Marcelo defende que o mesmo dotado de

    coercibilidade material em alguns Estados que se reconheam confessionais, j o

    15

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    Professor Oliveira Ascenso argumenta que o mesmo em absoluto destitudo de

    coercibilidade.

    Alguns referem-se ainda exterioridade como outra das caractersticas do Direito e da ordem

    jurdica, na medida em que o mesmo caracterizado por uma exteriorizao das aces, noentanto, esta questo ser particularmente abordada aquando forem feitas referncias

    comparao entre a ordem moral e o Direito.

    4 O Direito e as outras ordens de conduta social:

    4.1 O Direito e a ordem de trato social (caracterizao, diferenas e semelhanas):

    A ordem de trato social define um conjunto de regras de cortesia e civilidade entre osmembros da sociedade, com o intento de facilitar as relaes entre os mesmos. Expressa-se

    por determinados usos, prticas e convencionalismos de comportamento social,

    aplicados, em determinados casos, a todos os membros da sociedade, enquanto que

    noutros somente vigoram em certos grupos restritos, sejam eles de ndole religiosa,

    tica, cultural, etc. Esta ordem assistida por uma determinada vinculatividade, quanto mais

    no seja pelo receio dos respectivos destinatrios sofrerem as respectivas sanes, que neste

    caso se caracterizam pelo afastamento e rejeio social, de quem no respeita tais normas.

    Existem ento algumas diferenas a afastar a ordem de trato social da ordem jurdica:- apesar de, tal como o Direito, visar uma melhoria da vida em sociedade, os fins visados por

    ambas as normas so totalmente distintos, pois enquanto que o Direito se preocupa com

    questes fundamentais prpria subsistncia da sociedade, tal como a justia, a segurana,

    o bem-estar econmico, cultural e social, os fins da norma de trato social no passam

    directamente por este caminho, ou pelo menos, no tratam as mesmas questes com a

    mesma importncia, da que as prprias sanes ao desrespeito de ambas as normas

    variem substancialmente, pois se no Direito existem punies que podem ser aplicadas

    coactivamente, a violao das normas de trato social pode, quanto muito, provocar uma

    desagradvel rejeio social pessoa que a desrespeita. Daqui resulta uma implicao

    muito importante: as normas jurdicas so obrigadas a ser cumpridas, sob pena de graves

    sanes, as regras de trato social no so obrigadas a serem cumpridas, embora seja

    conveniente que tal suceda, sob pena de excluso social;

    - outra grande diferena consiste no facto das regras jurdicas se aplicarem a toda a

    sociedade de uma forma geral, ao contrrio das normas de trato social, que no possuem

    um destinatrio determinado.

    16

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    4.2 O Direito e a ordem religiosa (caracterizao, diferenas e semelhanas):

    A ordem religiosa representa uma ordem de f, assente num sentido transcendental,

    fixando deveres e impondo condutas na relao do crente com a divindade . Partindo

    deste pressuposto, facilmente se verifica que uma ordem de cariz intra-individual, noentanto, tal como se verifica na ordem moral, o crente encontra o seu fundamento na f,

    expressando o seu comportamento, tanto na relao que estabelece consigo prprio, como

    tambm acaba por expressar a sua conduta na relao com os outros. Dois aspectos se

    estabelecem como essenciais para uma distino entre ordem moral e Direito:

    - apesar das ordens religiosas poderem influenciar as relaes sociais, o seu ponto de

    referncia continua a ser sempre o relacionamento que cada crente estabelece com a

    divindade e consigo prprio, ao passo que o Direito apenas se preocupa com as relaes

    que so estabelecidas ao nvel da sociedade, logo, a concluso a que se chega a de que areligio essencialmente intra-subjectiva e o Direito essencialmente inter-subjectivo;

    - em segundo lugar, enquanto que a religio assenta na f do crente, o Direito

    completamente estranho ideia de f, da que as sanes existentes para o incumprimento

    da ordens religiosa apenas se baseiem nessa mesma f, ao passo que no Direito a violao

    das normas corresponde consequente aplicao de sanes, que podem eventualmente

    adquirir carcter fsico.

    No mbito das relaes que se podem estabelecer entre as ordens religiosas e o Direito, pode-

    se realar, no caso portugus, por exemplo, a enorme influncia que o Direito Cannico possuirelativamente ao Direito da famlia, pois mesmo que o Estado se afirme como laico em termos

    constitucionais, ele prev a existncia de um casamento catlico juntamente com o casamento

    civil. Alm disso, a dimenso axiolgica do Direito tambm reflecte inmeras influncias do

    cristianismo no seu sistema de valores, tais como os direitos fundamentais do Homem, por

    exemplo.

    Existem ainda pases, nomeadamente os que so influenciados pela religio islmica e judaica,

    nos quais se vislumbra inclusivamente uma perfeita assimilao entre ambas as ordens.

    O Professor Paulo Otero refere ainda duas situaes particulares no contedo desta temtica,

    que so o estatuto do Papa enquanto Chefe da Igreja Catlica e Chefe da Cidade Estado do

    Vaticano, e o Direito Cannico. Este ltimo porque o ordenamento jurdico da Igreja Catlica,

    pelo qual se regem as entidades eclesisticas, e no caso do Papa, porque tanto pode emanar

    ordens jurdicas, enquanto exerce a sua funo de Chefe da Cidade Estado do Vaticano, como

    ordens de ndole religiosa, enquanto lder da Igreja Catlica. As primeiras aplicam-se

    populao residente no Vaticano, e as segundas devem reger todos os que se afirmam

    catlicos.

    4.3 O Direito e a ordem moral (caracterizao, diferenas e semelhanas):

    17

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    A ordem moral entendida, de uma forma geral, como uma ordem de condutas

    humanas, que estabelece deveres de natureza tica com a finalidade de dirigir a

    pessoa para o bem, visando, desse modo, o aperfeioamento da mesma . O Professor

    Paulo Otero enuncia quatro esferas que podem existir no mbito da moral:

    Moral de conscincia individual: situa-se na conscincia de cada um, impelindo a pessoa a

    agir bem e a afastar-se do mal. Tem uma dupla funo no sentido em que tanto revela a

    conduta a ser seguida, como se assume, posteriormente, como instncia julgadora da

    mesma, sancionando psiquicamente a respectiva violao;

    Moral dos sistemas religiosos ou filosficos: traduz-se no conjunto de doutrinas, teorias

    e concepes de base tica acerca do mundo, da vida e do ser-humano, definidas por umareligio ou por um movimento poltico;

    Moral particular ou de base corporativa: corresponde a um determinado conjunto de

    normas morais que pautam a actividade de certos grupos fechados, definidos em funo da

    profisso que exercem, como por exemplo, a tica mdica, ou ainda as deontologias jurdicas

    e jornalsticas;

    Moral social ou positiva: aquela que interfere de modo mais evidente com o Direito,porque se refere ao complexo de normas vigentes numa determinada sociedade, em

    dado momento histrico, e que tm o seu fundamento nas ideias e sentimentos

    dominantes da colectividade(Dias Marques). Este tipo de moral revela-se extremamente

    importante no que diz respeito comparao com o Direito, porque se na sua essncia, a

    moral, surge como uma ordem intra-individual, ou seja, procura um substancial

    melhoramento do sujeito relativamente a si prprio, ela acaba, deste modo, por condicionar

    igualmente o comportamento e a conduta do indivduo na relao que o mesmo estabelece

    com os outros homens. Concluso: a moral uma ordem intra-individual, mas que acabaigualmente por ter repercusses sociais, e da ser realada a importncia da Moral Social,

    como uma expresso de valores que so partilhados de forma mais ou menos ampla pelos

    membros da sociedade.

    Partindo deste ponto comeamos a deparar-nos com uma das principais problemticas inerente

    pressuposta distino entre a moral e o Direito: a coercibilidade.

    Coercibilidade ao nvel do Direito e da Moral: o Professor Marcelo Rebelo de Sousarefere inmeras vezes que o Direito caracterizado por ser uma ordem de coercibilidade

    18

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    material, existindo deste modo, a possibilidade de serem aplicadas sanes com expresso

    fsica no caso das normas jurdicas no serem cumpridas, ao contrrio da ordem moral, cuja

    natureza da coercibilidade meramente psquica (tambm o Professor Dias Marques

    apologista do recurso coercibilidade para distinguir o Direito da ordem moral, pois entende

    que as ordens jurdicas so fsica e organicamente coercveis, o mesmo no se passando comas normas morais, em cuja coercibilidade meramente psicolgica). O Professor alude ainda

    coercibilidade que caracteriza a Moral Social, pois sendo um complexo de valores

    partilhados de forma mais ou menos ampla pelos membros da sociedade, a violao da regra

    no acarreta somente reaces ao nvel do sujeito que a infringiu, vai englobar isso sim, todo

    um movimento de represso e rejeio relativamente ao mesmo, por parte da colectividade

    envolvente. A posio do Professor Ascenso bem diferente, como se sabe, pois entende

    que nem todos os sectores da ordem jurdica so dotados de coercibilidade, mas alm de

    considerar que o Direito no se caracteriza pela coercibilidade, defende que tambm a regramoral incoercvel, e que mesmo nas situaes em que determinadas prticas so

    consideradas imorais no seio da sociedade (Moral Social), provocando assim uma imediata

    resposta por parte da mesma, isso significa que a regra moral foi acolhida noutra ordem

    normativa, e no que ela se tenha tornado coerciva por si prpria.

    Paulo Otero, por sua vez, concorda com o Professor Ascenso quando este afirma que nem

    todas as normas jurdicas so dotadas de coercibilidade, mas no rejeita a existncia de trs

    possveis nveis de coercibilidade a caracterizar a ordem moral, como a coercibilidade

    interna ou psquica (remorso ou sentimento de culpa), a coercibilidade social(afastamento ou rejeio por parte da sociedade relativamente ao infractor) ou ainda a

    coercibilidade transcendental (receio das consequncias no relacionamento com a

    divindade);

    Existem ainda outros hipotticos factores de diferenciao entre estas duas ordens normativas.

    Dois dos critrios que so mais abordados no seio desta distino surgem aqui retratados sob o

    ponto de vista dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa, Jos de Oliveira Ascenso e Paulo

    Otero: as teorias do mnimo tico e da exterioridade.

    Teoria do mnimo tico e teoria da exterioridade: so referidas pelos Professores

    citados, vrias tentativas de reconduzir o Direito a uma parte da moral, identificado como o

    mnimo tico necessrio para a subsistncia da sociedade, ou seja, o Direito integraria

    determinados deveres morais considerados imprescindveis para o desenvolvimento e

    sobrevivncia da colectividade. Neste modelo, Direito e moral surgem caracterizados por

    crculos concntricos, sendo que a rea mais ampla do crculo que representa a moral surge a

    acolher o crculo de menor dimetro que representa o Direito. Tal molde seria ento alvo de

    vrias crticas, pois estaria implcita uma atribuio moral a todas a regras jurdicas, o que de

    facto no ocorre. Alis, numerosas regras jurdicas so desprovidas de contedo moral (por

    19

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    exemplo, qual o contedo moral de uma regra de trnsito?), da que esta proposta seja

    amplamente rejeitada pelos Professores Marcelo, Ascenso e Otero. A outra proposta prende-

    se com a questo da exterioridade. A teoria da exterioridade diz-nos que o Direito atende ao

    lado externo das condutas, enquanto que a moral atenderia ao seu lado interno, todavia,

    esquece-se que o Direito tambm se preocupa com a intencionalidade subjacente adeterminadas condutas e aces, ou seja, tambm se preocupa com a motivao que teria

    levado oAntnio a matar oJoo, por exemplo, do mesmo modo que a moral tambm no se

    preocupa somente com a simples inteno de se fazer o bem, exigindo igualmente uma

    conduta externa por parte do sujeito, isto , no basta existir a inteno de se praticar o

    bem, ele tem de ser efectivamente exercido na prtica e no somente na teoria. Contudo,

    embora esta ideia no seja correcta na sua formulao, ela permite aproveitar uma ideia

    essencial de distino entre ambas as normas: os pontos de partida do Direito e da moral

    so diferentes, pois o primeiro pressupe inicialmente uma exteriorizao, ao passoque a moral parte do lado interno da conduta dos indivduos.

    Perante os critrios apresentados e, atendendo falibilidade de algumas destas propostas,

    estreitam-se as opinies acerca da distino entre estas duas normas. Uma dessas principais

    distines, por sinal, aceite pelos trs Professores, prende-se com os fins visados pelo

    Direito e pela ordem moral. Entendem que a moral pretende dirigir o homem no sentido do

    bem, aspirando desse modo, ao aperfeioamento individual do mesmo, e que o Direito tem

    como finalidade assegurar um seguro e estvel desenvolvimento do cidados no seio dasociedade, mediante determinadas ordens de conduta, preservando sempre a justia,

    segurana e bem-estar, na relao com os outros. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa

    enuncia ainda dois aspectos decisivos para a distino entre a ordem moral e o Direito: a

    essncia e a consciencializao subjectiva. Em relao ao primeiro ponto, ele diz que a

    essncia da moral naturalmente intra-subjectiva, relacionando a pessoa consigo

    mesma, ao passo que o Direito forosamente inter-subjectivo, procurando a

    compatibilizao entre os diversos sujeitos sociais e os conflitos que emergem do

    seio da sociedade. Isto implica necessariamente que a consciencializao das duas normas

    seja varivel: a regra moral um imperativo de conscincia, mas a ordem jurdica j

    dispensa essa conscincia individual para ser aplicada. O ltimo grande critrio para

    diferenciar a moral do Direito aventado pelo Professor Paulo Otero. O Professor defende

    que, ao contrrio do que sucede nas regras de carcter jurdico, as ordens morais so

    insusceptveis de serem criadas, modificadas ou revogadas por actos intencionais ou formais,

    visto que as mesmas no possuem um poder constituinte ou legislativo. Tal no implica que as

    mesmas no possam ser alteradas, o que sucede que as mesmas mudam mais lenta e

    paulatinamente. O oposto sucede nas normas jurdicas, cujo processo evolutivo pode ser muito

    20

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    mais rpido, pois basta um decreto-lei para que determinada regra deixe de vigorar num dia,

    para ser substituda por outra no dia seguinte.

    Por fim, chegada a altura de nos incidirmos influncia que a moral pode adquirir na suarelao com o Direito. Ser legtimo ao Estado juridificar ou legalizar valores que encontrem na

    ordem moral a sua origem? O Professor Otero expe trs importantes consideraes relativas a

    este aspecto:

    Sendo o Direito uma realidade social, s podem ser juridificadas questes de ndole moral que

    assumam relevncia social, excluindo-se deste modo todas as que possuem carcter intra-

    subjectivo;

    Encontrando o Direito o seu fundamento mximo na dignidade humana de cada um, nunca

    podem ser juridificadas normas morais que atentem contra essa mesma dignidade,designadamente contra a liberdade de conscincia de cada um;

    Apenas se torna legtimo que o Direito seja influenciado pela moral, quando esto em causa

    comportamentos que possam interferir com terceiros;

    Apesar das questes problemticas que envolvem estes aspectos, verifica-se desde logo uma

    inegvel influncia da moral em alguns preceitos do Direito Civil (consagrando o casamento

    enquanto um vnculo jurdico de duas pessoas de sexo diferente e sancionando com a

    inexistncia jurdica o oposto, por exemplo, ou ainda afirmando o princpio de que quem causa

    danos deve reparar os prejuzos causados), do Direito Penal (por exemplo a criminalizao dohomicdio, do aborto, da violao, da homossexualidade praticada em menores, da bigamia,

    etc.) e ainda ao nvel da dimenso axiolgica da prpria Constituio (onde se encontra

    expresso, nomeadamente, o sentido concreto da liberdade de conscincia e do direito

    objeco de conscincia artigo 41., n.s 1 e 6).

    21

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    CAPTULO III A IDENTIDADE DO FENMENO JURDICO

    Num captulo dedicado identidade do fenmeno jurdico somos, consequentemente, obrigados

    a falar dos fundamentos do Direito, mais precisamente, no que diz respeito ideia de justia.

    Quando se aborda esta questo, verificamos que a justia pode ser encarada e adoptada sob

    mltiplos sentidos, complementares, mas que nem sempre so sinnimos (na medida em que

    tanto se podem verificar referncias justia divina como a uma justia social, por exemplo).

    De todas as interpretaes que podemos encontrar acerca deste conceito, talvez a justia social

    seja aquela que mais interessa ao mbito e ao estudo do Direito ( j John Rawls autor de

    22

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    Uma Teoria da Justia dizia que a Justia a virtude primeira das instituies sociais, tal

    como a verdade o para os sistemas de pensamento).

    O que que se verifica ento? Bom, acima de tudo, verifica-se que o contedo da Justia

    que varia com a histria e com as sociedades. Todavia, existe, apesar das diferenas

    que se encontram entre as pessoas, um mnimo tico a envolver a noo daquilo que justo e injusto, por forma a preservar e respeitar a pessoa humana e a sua

    dignidade.

    A igualdade prende-se numa acepo formal, porque a lei tem de ser igual para todos,

    todavia, Aristteles j alertava para o facto de que nada h de mais injusto em tratar

    por igual aquilo que desigual.

    O Direito tem de promover a igualdade, e muitas vezes a lei tem de discriminar

    determinadas pessoas em determinadas situaes, que se encontram em

    desigualdade, tem de tratar de modo desigual aquilo que desigual, para promooda prpria igualdade nisto consiste o princpio da igualdade, o reconhecimento de que

    h que tratar igualmente aquilo que igual e desigualmente aquilo que

    substancialmente desigual.

    Igualdade formal (generalidade e abstraco da norma jurdica norma igual

    para todos)

    Justia Igualdade material

    Princpio da proporcionalidade {necessidade, adequao e equilbrio}

    Principio da igualdade : Os seres humanos no podem ser discriminados em funo do

    sexo, da raa, da idade, da religio, da condio monetria ou social, entre outros factores.

    Contudo, uma igualdade meramente formal que impede que se instalem

    discriminaes com base nestes factores assume-se como insuficiente, pois assim

    est-se a ignorar a realidade quotidiana. O que que nos diz ento o princpio da

    igualdade? Bom, ele impe que se proba o agravamento das desigualdades j

    existentes, acarretando que sejam introduzidas desigualdades correctivas das que

    existem, como nica forma de, pelo menos, as mitigar (o Professor Marcelo Rebelo de

    Sousa apelida tal situao como discriminao positiva). Exemplos disso so as leis

    fiscais que tributam os mais ricos por forma a esbater as assimetrias econmicas.

    23

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    24/73

    Princpio da proporcionalidade : outro corolrio do fim da Justia o princpio da

    proporcionalidade. Tal princpio supe a ideia de que cada regra de Direito escolha os

    meios adequados ao fim que visa, no optando por meios excessivos para esse fim

    (e por isso que o princpio da proporcionalidade caracterizado pela necessidade,

    pela adequao e pelo justo-equilbrio). Por exemplo, o Estado tem poder de

    expropriao de uma parcela de um determinado terreno do Joo e procura, atravs desse

    poder, a construo de uma auto-estrada. S que vai provocar uma leso ao Joo e por isso

    que o Estado deve procurar expropriar apenas e somente o necessrio. Do mesmo modo

    que o Estado deve tambm ponderar as vrias alternativas possveis para que possa optar

    por aquela que se apresentar como mais adequada resoluo do problema (aquela que

    causar menos danos e prejuzos). Todavia, ainda que o acto do Estado seja considerado lcito,

    este v-se na obrigao de pagar uma determinada indemnizao, por forma a colmatar adesigualdade que se verifica neste processo e assim contribuir para que se verifique uma

    espcie dejusto-equilbrio.

    Princpio da imparcialidade : o princpio que impede que os titulares dos rgos do

    poder poltico do Estado beneficiem eles prprios e beneficiem parentes, scios ou

    amigos polticos ao definirem as regras de Direito.

    1 Justia e Direito as correntes jusnaturalistas e positivistas:

    Jamais o homem deixou de se questionar: por que devemos obedecer lei? Em que se

    fundamenta a obrigatoriedade do Direito? Na resposta a este problema destacamos duas

    orientaes que tm marcado o pensamento jurdico, o jusnaturalismo e o positivismo.

    Devido sua maior antiguidade e tradio, perfila-se como lgico que se comecem por analisar

    as vrias correntes jusnaturalistas.

    1.1 Justia e Direito Natural as orientaes jusnaturalistas (jusnaturalismotranscendente e jusnaturalismo racionalista) :

    As diversas doutrinas jusnaturalistas agrupam-se em dois grupos ou concepes fundamentais:

    o jusnaturalismo transcendente (dentro do qual podem-se facilmente destacar o

    jusnaturalismo greco-romano, o jusnaturalismo medieval e a escola espanhola do

    Direito Natural) e o jusnaturalismo racionalista. Como principal ponto de distino entre

    ambos pode-se referir que o jusnaturalismo transcendente atribui a Deus a criao do

    Direito Natural (foi Deus quem o inseriu na natureza das coisas, na natureza humana

    ou na lei eterna), enquanto que os jusnaturalistas de base racional dispensam Deus

    24

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    25/73

    e fundamentam o Direito Natural na prpria razo humana. Ou seja, atravs de uma

    comparao mais elaborada pode-se dizer que, no entender dos primeiros, o Direito Natural

    caracterizava-se por um conjunto de princpios inerentes natureza humana e

    natureza das prprias coisas. Seria algo prvio, imanente, imutvel e universal, cuja

    existncia no dependia do facto dos homens conhecerem tais princpios, uma vezque estes existiriam por si mesmos. Para os segundos, os princpios do Direito Natural

    poderiam ser apreendidos pelo prprio Homem, ou seja, o Direito Natural decorria

    dos imperativos da razo.

    Como pode ser facilmente constatado, o pensamento jusnaturalista fundamenta o Direito

    positivo numa espcie de Direito superior (Direito Natural). O Direito Natural algo de

    diverso e tem sido equacionado e teorizado desde os longnquos tempos da Grcia clssica e da

    Roma antiga.

    - Jusnaturalismo greco-romano (de base transcendental):na Grcia antiga destacam-

    se duas concepes diferentes, nomeadamente a concepo revolucionria dos

    sofistas, e a concepo conservadora de Scrates, Plato e sobretudo de

    Aristteles. Os sofistas construram e invocaram o Direito Natural com base no

    conceito fundamental de natureza humana, afirmando e enfatizando a liberdade e

    a igualdade dos homens. Os sofistas procuraram, atravs do recurso ao Direito

    suprapositivo, criticar as leis da polis, acusando-as de serem instrumentos ao

    servio dos interesses dos poderosos.Para a concepo aristotlica, o Direito Natural estabelece o sentido, o fim e a base

    tica normativa do Direito positivo (pois entendia que o justo por natureza est

    esculpido no corao ou na conscincia dos homens, a quem cabe descortinar as regras que

    devem disciplinar a vida familiar, econmica e poltica). Todavia, a crena de que as leis

    humanas so tentativas de realizao do Direito Natural, transformaram o mesmo num

    Direito que tendia a justificar o Direito positivo criado por um Estado que se considerava

    virtuoso e grande educador do homem no sentido da moralidade e da justia.

    Em Roma, o Direito Natural recebeu uma profunda influncia estica e no centro da

    sua doutrina encontram-se a tica, a sabedoria (como ideal de felicidade) e a

    ausncia de paixes (que impedem a lucidez do conhecimento e do juzo). Ccero

    afirma que o fundamento do Direito positivo e recusa que sejam leges as

    prescries ditadas por tiranos.

    - Jusnaturalismo medieval (de base transcendental): na Idade Mdia a influncia do

    Cristianismo e da Igreja Catlica levou a identificar o ncleo essencial do Direito Natural com

    os princpios da mensagem crist. A ideia de Deus como legislador supremo permitiu fundar

    mais solidamente e enriquecer o Direito Natural.

    25

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    So Toms de Aquino foi o grande artfice do jusnaturalismo medieval cristo. So

    Toms sustentava que Deus criou o mundo e dotou-o da Lei eterna que rege todos

    os seres, alm disso, inscreveu no corao do homem a Lei natural, que mais no

    do que a participao da Lei eterna na criatura racional. Logo, o Doutor Anglico

    conclui que ao obedecer Lei natural o homem est simultaneamente a obedecer Lei de Deus, e se a Lei humana se afastar da Lei natural, ento ela no ser lei mas

    uma corrupo da lei. Assim sendo, a razo vai descobrir na natureza humana as

    tendncias bsicas de que deduzir as normas do Direito Natural e So Toms considera

    fundamentais as seguintes tendncias:

    1. conservao da vida humana : daqui a razo deduz os preceitos que

    defendem a vida, como por exemplo a norma que probe o homicdio;

    2. conservao da espcie humana : desta tendncia deduzem-se os preceitos

    relativos procriao e s relaes familiares;3. conhecimento da verdade e vivncia em sociedade : daqui deduzem-se as

    normas relativas perfeio intelectual do homem e s relaes entre a autoridade e

    os sbditos.

    So Toms de Aquino considera ainda que a Lei natural constituda por preceitos:

    1. primrios: so preceitos que se afiguram to claros e evidentes, que basta uma

    pequena reflexo para que sejam imediatamente conhecidos. Devido a isso, constituem

    as leis ou princpios gerais que fundamentam a ordem social;2. secundrios: derivam dos preceitos primrios e admitem determinadas

    restries/excepes consoante as diversas circunstncias em que a vida decorre, e

    por isso que o seu conhecimento exige uma maior reflexo.

    Em jeito de concluso, devem-se enunciar quais as grandes caractersticas que a Lei natural

    apresenta no mbito da doutrina tomista:

    1. universalidade: os preceitos primrios so universais porque se aplicam a

    todos os homens, j os preceitos secundrios gozam de uma universalidade relativa

    (embora com pequenas excepes) devido inferioridade da sua evidncia;

    2. imutabilidade: os preceitos primrios so imutveis por subtraco (por

    exemplo, no podem ser eliminadas as proibies do homicdio e do roubo), os

    secundrios so mutveis, embora de forma restrita. Quanto mutabilidade por adio,

    So Toms de Aquino entende que sempre possvel juntar novos preceitos Lei

    natural (e por isso que se fala em contedo progressivo do Direito Natural);

    3. indelebilidade: a propriedade que a Lei natural tem de no se poder apagar

    ou desaparecer na conscincia dos homens.

    26

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    - Escola espanhola do Direito Natural (de base transcendental): aqui as principais

    referncias devem ser feitas a Fernando Vzquez de Menchaca, que colocou em causa a

    doutrina tomista, afirmando ser o Direito Natural bom porque Deus o gravou nos homens,

    mas s-lo-ia igualmente se Deus tivesse dado preceitos contrrios, e a Gabriel Vzquez, que

    na sua oposio ao radical voluntarismo, acabou por desvincular o Direito Natural de Deus,abrindo assim caminho nova corrente de teor mais racionalista.

    Mais tarde, durante o perodo correspondente Idade Moderna e ao absolutismo monrquico, o

    Direito Natural continuou a ter inspirao divina, s que directamente precipitada do

    monarca.

    No final da Idade Moderna, com o advento do iluminismo e do racionalismo de primeira fase, o

    Direito Natural atingido pela razo, que deve decifrar e acolher o seu contedo na

    regulao das sociedades. Tal formulao serve para substituir a inspirao divina elegitimar o despotismo iluminado, o governo de um s, aconselhado pela lite

    intelectual mais apta a reconhecer aqueles princpios.

    A segunda onda de racionalismo setecentista j individualista e liberal. O Direito Natural,

    nessa altura, comporta, antes de mais, o acolhimento dos direitos do homem e do

    cidado (nomeadamente os direitos civis, polticos e econmicos) e da separao dos

    poderes do Estado e sua limitao por regras constitucionais escritas.

    Assim sendo, devem-se enunciar quatro importantes autores que se destacaram no mbito do

    jusnaturalismo racionalista:

    - Grcio (sculo XVII): Hugo Grcio seguiu o percurso aberto por Gabriel Vzquez, porque ao

    considerar que a razo humana ocupou o lugar de Deus, este autor vai construir um Direito

    Natural essencialmente laico a partir da natureza racional do homem;

    - Pufendorf (sculo XVII): rompeu de vez com as fantasias escolsticas e

    realizou o desejo racionalista de Grcio duma cincia sistemtica do Direito Natural,

    construindo um gigantesco sistema a partir da natureza emprica do homem;

    - Thomasius (sculo XVII e XVIII): distribuiu a conduta humana por trs

    disciplinas a tica, a poltica e a jurisprudncia. Alm disso revelou-se importante ao

    elaborar um critrio para separar a Moral do Direito e defender o homem da aco

    omnipotente do Estado;

    - Wolf: procurou afirmar as teses racionalista e tradicionalista e construiu o Direito

    natural pela via dedutiva a partir da natureza do homem.

    27

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    A crise constitucional do sculo XIX (sobretudo a partir de metade do sculo XIX) e a

    consolidao de novas realidades econmicas, sociais e polticas, revelam uma espcie de fase

    de transio relativamente s posies adoptadas e abrem caminho descrena num Direito

    Natural imutvel, aplicvel a todos os tempos e sociedades. Para os chamados positivistas ele

    no existe, porque todo o Direito positivo ou criado pelo homem, para alguns cultoresdo Direito Natural, este passa a ter um contedo parcialmente adaptvel e varivel no

    tempo e no espao, mas os grandes princpios (por exemplo, no matars e no

    furtars) permaneceriam universais e intemporais, embora a sua concretizao j

    assumisse uma feio mutvel.

    O positivismo jurdico imps-se to fortemente que se chegou a decretar a morte definitiva do

    Direito Natural. Apesar de Radbruch ter encetado uma forte crtica ao Positivismo, afirmando

    que esta concepo da lei e a sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que

    deixou sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrrias, mais cruis ecriminosas, foi Stammler quem se perfilou como pioneiro da restaurao do jusnaturalismo,

    construindo um Direito Natural de contedo varivel, por outras palavras, uma pura

    forma, vazia em si mesma, que receberia diferentes contedos nas diversas pocas.

    Assim sendo, verifica-se que, j em pleno sculo XX, o jusnaturalismo, ou crena num

    Direito Natural, renasceu, nomeadamente porque a humanidade sofreu a tragdia de

    duas Grandes Guerras e o Direito Natural regressa para tentar evitar a repetio da

    catstrofe, combatendo o arbtrio, o despotismo e a tirania dos homens . Nuns casos,

    um Direito Natural revelado (tratava-se de um conjunto de princpios inerentes a umacrena no sobrenatural, numa ordem divina e, eventualmente, numa f religiosa),

    noutros casos, um Direito Natural inerente natureza e dignidade da pessoa humana,

    acompanhando-a atravs de latitudes e longitudes, bem como do prprio devir das

    sociedades. Ou seja, um Direito Natural que uns viam mais como um conjunto de regras e

    outros mais como um ncleo de princpios.

    Nos ltimos tempos tem-se verificado uma luta pela afirmao dos direitos fundamentais dos

    cidados na esfera interna e dos direitos humanos na ordem internacional. Este um dos

    traos contemporneos do renascimento de valores universais ligados dignidade da pessoa

    humana (no fundo o Direito Natural a renascer das cinzas a que muitos o haviam reduzido).

    1.2 A soluo positivista (a superao do Direito Natural):

    Para o advento do positivismo jurdico contriburam, desde logo, as doutrinas que debilitaram e

    eliminaram o Direito Natural, nomeadamente as teorias contratualistas de Hobbes e

    Rousseau, a teoria de Kant e a importncia da escola histrica que teve em Savigny o

    principal corifeu.

    Hobbes entendia que no seu estado de natureza os homens viviam em guerra permanente e

    para acabar com esse status insustentvel, constituram, por intermdio de um pacto de

    28

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    sujeio, o Estado, ao qual acederam os seus direitos para obterem a segurana e o fim da luta

    em que permanentemente viviam. Assim sendo, no Estado perspectivado por Hobbes no

    existe lugar para o Direito Natural, porque o Direito positivo que o Estado promulga,

    tem de ser indiscutvel (a vontade do Estado o nico critrio da justia).

    J Rousseau, tinha uma perspectiva diferente da prpria ideia de contrato social. Segundo estepensador, os homens obrigaram-se e submeteram-se vontade geral, o que implica a sujeio

    de cada indivduo sua prpria vontade. Deste modo, s a vontade geral (que se manifesta

    na lei) fonte de Direito, suprimindo-se o Direito Natural, e nem sequer faria sentido

    falar da injustia de uma lei, porque, para Rousseau, a vontade geral sempre justa:

    ningum injusto para consigo prprio.

    Tambm Kant adquire uma atitude crtica para com o Direito Natural. Entende o filsofo que

    a realidade que conhecemos uma interpretao subjectiva que deriva das formas a

    prioridas nossas faculdades cognoscitivas aos dados que a experincia fornece, e devido a isso que impossvel conhecer a metafsica e o Direito Natural . Kant v no

    Estado uma comunidade de ordem moral que repousa num contrato, acabando por afirmar que

    contra a autoridade legislativa do Estado nenhuma resistncia do povo ser lcita. Concluso,

    recusado o Direito Natural, resta o Direito positivo.

    A Escola Histrica assinala a reaco contra o racionalismo iluminista, afirmando que

    o Direito no um produto que se obtm por dedues racionais a partir de

    determinados princpios bsicos e imutveis, mas uma criao espontnea do esprito

    dos povos. Savigny, talvez o principal elemento de destaque desta escola, afirmouque o Direito surge espontaneamente criado por foras internas e no pela vontade

    do legislador. Daqui se depreende a sua reaco contra a codificao que fossiliza o

    Direito numa estrutura codificada imutabilidade do Direito natural ope-se a

    afirmao da essencial mutabilidade do Direito.

    Em suma, as ideias da Escola Histrica (de um Direito mutvel que brota e emana do

    esprito do povo e no da razo) justificam o no reconhecimento do Direito Natural.

    Todas estas concepes e ideias acabaram por contribuir (juntamente com outros factores

    cientficos, econmicos e sociais) para que, nos finais do sculo XIX, o positivismo jurdico se

    impusesse como forma de pensamento que recusa a metafsica e o Direito Natural.

    Existem quatro aspectos fundamentais que se utilizam para caracterizar o positivismo jurdico:

    - o conceito de Direito: o Direito um comando imposto pela vontade do legislador e a

    validade das suas normas aferida por critrios de vigncia e eficcia, podendo a lei que

    considerada injusta ser vlida e vinculativa;

    - as fontes de Direito: a lei, qual se deve uma obedincia absoluta ou incondicional

    porque as intenes axiolgico-normativas so da exclusiva responsabilidade do

    legislador;

    29

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    - o mtodo: o juiz limita-se a aplicar as normas aos casos concretos, atravs de um

    processo meramente reprodutivo da vontade do legislador;

    - a epistemologia: no positivismo jurdico encontramo-nos perante um agnosticismoaxiolgico de que resultou uma cegueira metodolgica para o normativo e uma total

    incompreenso dos problemas do fundamento e da validade da juridicidade enquanto tal.

    Esboados os principais aspectos que caracterizam e permitem compreender o positivismo

    jurdico, devem-se igualmente evidenciar as principais concepes positivistas, nomeadamente

    o positivismo legalista ou exegtico, o positivismo cientfico ou conceitual, o

    positivismo normativista, e o positivismo sociolgico (que se reparte por vrias

    correntes, entre as quais o realismo jurdico escandinavo e o realismo jurdico norte-americano).

    Positivismo legalista ou exegtico: o positivismo legalista tem a sua expresso

    metodolgica na escola da Exegese (corrente do pensamento jurdico que surgiu em Frana

    no comeo do sculo XIX) e apresenta as seguintes caractersticas:

    1 identifica o Direito com a lei e esta com o Cdigo Civil. A lei a expresso da vontade

    geral, ou seja, do poder legislativo a quem a Nao atribui o poder de criar o Direito, e

    como a vontade geral sempre justa ento no existem leis injustas;1 a interpretao deve procurar a inteno do legislador, mas no caso de no ser possvel

    determinar a vontade real do mesmo, deve-se procurar-se- a sua vontade presumida

    atravs da jurisprudncia e, sobretudo, dos precedentes histricos. Quanto ao poder

    judicial, o juiz ficou reduzido a simples exegeta da vontade do legislador ( apenas a boca

    da lei), pois a sua funo consiste, to s, num trabalho quase mecnico de aplicao-

    repetio da lei;

    2 esta escola no reconhece a existncia de verdadeiras lacunas no sistema jurdico, porque

    o considera como um sistema completo e fechado.

    A grande crtica feita ao positivismo legalista ou exegtico, prende-se com o facto de se

    considerar que a lei como um facto humano que pode, como todos os factos humanos, ser

    boa ou m, justa ou injusta. Ademais, a lei insuficiente porque no pode prever todas as

    situaes com que a vida nos surpreende de quando em vez e nem o juiz se deve resumir

    simples qualidade de boca da lei, porque muitas vezes a justia que um determinado caso

    concreto reclama, implica que o mesmo assuma uma atitude mais crtica e activa na procura

    da soluo mais justa, ou seja, a sua funo a de assumir criticamente a ideia de Direito e

    a de a realizar histrico-concretamente

    30

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    Positivismo cientfico ou conceitual: o positivismo cientfico ou conceitual pode ser

    compreendido atravs de uma referncia Jurisprudncia dos Conceitos que reflecte as

    suas posies metodolgicas. Trs coordenadas fundamentais permitem caracteriz-la:

    1 considera o Direito um sistema de conceitos, deste modo, pode-se mesmo afirmar que os

    conceitos e o sistema dos conceitos esto para a Jurisprudncia dos conceitos como as leis e

    o cdigo para a escola Exegtica. O sistema conceitual assemelha-se a uma pirmide: na

    base mais larga encontram-se os conceitos menos gerais, nos estratos superiores esto os

    conceitos cada vez mais gerais, at que no vrtice da pirmide reside o conceito mais geral.

    Neste modelo os conceitos menos gerais subsumem-se aos mais gerais;

    2 a lei a base e o ponto de partida cujo contedo deve ser determinado, por via da

    interpretao idntica preconizada pela escola da Exegese, pela cincia do Direito. Segue-

    se a elaborao cientfica do contedo legal mediante a construo de conceitos e do seusistema;

    3 o sistema conceitual uma totalidade unitria e fechada. Deste modo estamos perante a

    plenitude lgica do sistema, que exclui a existncia de verdadeiras lacunas: estas, que s

    podem ser aparentes, ou referem-se a casos no jurdicos ou traduzem apenas um

    conhecimento insuficiente do sistema jurdico.

    Vrias foram as crticas dirigidas ao positivismo cientfico, porque a sua lgica abstracta acaba

    por afastar o Direito da realidade vital das instituies. Do mesmo modo, considera-se que

    abusa da lgica formal, deixando assim de parte o elemento valorativo. Outra das crticas quemais lhe foram feitas prendem-se na crena na plenitude lgico-conceiptual do sistema, que

    permite recusar a existncia de lacunas, ignorando que a vida sempre imprevsivel e, por

    isso, insusceptvel de ser enclausurada num sistema de conceitos.

    Positivismo normativista:Os positivistas normativistas defendem que o Direito pode

    ser olhado como uma realidade separada da realidade social na medida em que pode

    interessar mais saber o que o Direito e como que ele se manifesta do que especular

    acerca do seu fundamento. Pode ser necessrio afastar do universo juscientfico omundo dos valores e o mundo do ser social, em beneficio da norma e do seu estudo.

    Para Kelsen (autor da Teoria Pura do Direito) o Direito s o Direito positivo ou

    positivado, isto , criado por acto de vontade do poder poltico. Estud-lo abstrair da

    realidade social envolvente (que respeita ao universo do ser) uma vez que o Direito um

    conjunto de normas situado no universo do dever ser. Assim, cada uma dessas

    normas corresponde a um dever ser, representando um juzo hipottico e sendo assistida

    de coaco. Alm disso, o que confere validade a cada uma dessas normas no o seu

    contedo valorativo ou a sua adequao a determinadas situaes sociais, mas o

    facto de ter sido produzida em conformidade com a norma de grau superior, isto ,

    31

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    as normas encontram-se escalonadas numa espcie de pirmide em que as normas

    de grau inferior encontram o fundamento da sua validade nas normas de grau

    superior, logo, o que distingue o acto vlido do gesto do carrasco que executa uma

    pena de morte do acto ilegtimo do criminoso que comete um homicdio que o

    primeiro praticado em cumprimento de uma sentena de tribunal, por seu turnovalidada por uma lei, tambm ela vlida luz da Constituio vigente.

    No topo da pirmide de normas encontra-se a norma fundamental (a Constituio), de

    natureza meramente formal e que se destina a impor o acatamento de todas as demais

    normas e a constituir o fundamento ltimo da sua validade (por outras palavras, a norma

    fundamental legitima a criao das normas que se encontram escalonadas num

    patamar inferior, e tais normas tm de ser compatveis com a prpria norma

    fundamental).

    Norma fundamental

    (Constituio)

    para a escola do positivismo

    normativo, o Direito um

    sistema de normas agrupadas em

    termos hierrquicos.

    Kelsen props ento uma teoria pura e formalista do Direito. Pura, por separar o

    universo jurdico dos fenmenos sociais e polticos, e formalista, porque o que conta

    para o apuramento da validade dos vrios patamares normativos no o contedo

    das normas mas a sua produo em conformidade com as de grau superior.

    Na senda de Kelsen, tambm Herbert L. A. Hart entendeu o Direito como um sistema

    de normas e cuja principal caracterstica desse sistema normativo era a

    coercibilidade. Por isso que Hart defende que a compreenso do Direito depende do

    estudo da norma, porque a realidade normativa que, na complexidade da sua estrutura,

    encerra a explicao ltima do Direito. Como tal, existem normas que impem

    obrigaes e definem comportamentos as normas primrias e normas que

    atribuem poderes para criar ou modificar deveres ou obrigaes as normas

    secundrias. Estas ltimas podem ser de reconhecimento ou alterao (se servem para

    adaptar as normas primrias s novas circunstncias) e de julgamento (se asseguram o

    cumprimento das obrigaes decorrentes das referidas normas primrias).

    32

    Leis

    Regulamentos

    Actos jurdicos, administrativos e sentenas judiciais

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    Apesar de muitos autores partilharem das posies de Kelsen e de Hart, o Professor

    Marcelo Rebelo de Sousa defende uma opinio distinta, na medida em que no

    prescinde de acentuar a importncia dos valores no mundo do Direito, valores

    contidos nas regras jurdicas, valores que o Direito vai incorporando e que

    traduzem, em larga medida, a natureza intrnseca do Homem e das prprias coisas,em suma, valores que acabam por garantir ao Direito a sua legitimidade para

    regular a vida social.

    Quais as grandes concluses que se podem retirar das concepes de Kelsen? Bom, o seu

    modelo acaba por ser perfeito do ponto de vista formal, embora apresente algumas

    debilidades lgicas, na medida em que a validade da norma (quer da norma jurdica

    global, quer duma ordem jurdica singular) vai depender da sua eficcia e, portanto,

    acaba por se apoiar num facto (a eficcia), da que Kelsen se tenha visto obrigado a

    recorrer ao mundo da facticidade, ao mundo do ser. Alm disso, a grande crtica que feita a Kelsen, prende-se essencialmente com a prevalncia da autoridade da

    norma sobre o respectivo contedo, uma vez que a sua teoria pode ser aplicada a

    qualquer sistema jurdico que tenha por base o tal modelo piramidal que o autor

    prope, e, deste modo, se o seu modelo for aplicado e executado num pas cuja

    Constituio no salvaguarde devidamente os interesses da prpria dignidade

    humana, podem-se verificar determinados casos que so entendidos como

    fenmenos de anti-Direito (segundo a Professora Maria Lusa Duarte, perfilam-se como

    bons exemplos de fenmenos de anti-Direito normas que prevejam a pena de morte, aesterilizao compulsria de homens e mulheres, como ocorre na China para controlar o

    aumento populacional, ou ainda, pegando no exemplo da Frana e da Alemanha,

    determinadas polticas de extradio de cidados estrangeiros).

    Alm disso, esta corrente positivista ainda criticada pela reduo da ideia de direito

    subjectivo a um simples reflexo de um determinado dever que uma norma jurdica

    estabelea, e a viso que identifica o Direito com o Estado (ignorando que este no

    raro surge como sujeito dotado de direito e obrigaes.

    Todavia, tambm podem ser consideradas como principais facetas positivas desta

    corrente normativa, a interpretao da lei, a ateno tcnica colocada na sua

    feitura, o rigor terminolgico e conceitual, a coerncia lgica e a defesa da

    autonomia da cincia do Direito.

    Positivismo sociolgico : em oposio ao pensamento normativista surgiu uma

    orientao estritamente sociolgica que reduz o Direito a um simples facto social. Duas notas

    permitem caracterizar o positivismo sociolgico: esta orientao concebe o Direito como

    um facto social emprico, destitudo do seu carcter normativo, e, alm disso,

    caracteriza-se por uma estruturao da cincia jurdica nos moldes sociolgicos

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  • 8/22/2019 Introdu++o e Opini+es

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    como uma cincia emprica e estritamente positiva de factos sociais. Esta

    concepo reparte-se em vrias correntes, todavia, duas revelam uma importncia particular:

    - o realismo jurdico escandinavo foi uma corrente que se inspirou na filosofia

    empirista, recusando um conhecimento que fosse insusceptvel de observao

    emprica (por isso abdicou to