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8/6/2019 EMT-004 Eliane Kuvasney
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Paisagem e Olhares: a paisagem nos discursos geogrfico e histrico
Eliane Kuvasney
Mestre em Geografia Humana
Professora do Curso de Geografia
UNIFIEO (Osasco SP, Brasil)
Introduo
Os primeiros gegrafos e historiadores formados no Brasil possuam no
currculo uma formao dupla em Geografia e Histria. A formao
interdisciplinar e humanstica era a marca dos cursos fundados em 1934 na
Universidade de So Paulo. Para formar esses primeiros gegrafos e
historiadores vieram jovens pesquisadores franceses como Fernand Braudel,
Pierre Deffontaines, Jean Gag e Pierre Monbeig, entre outros.
Conforme lembrou Pasquale Petrone (1994) o que ocorre a partir da
fundao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras em So Paulo
explicado como uma revoluo, no caso da Geografia, pois segundo ele, antes
da criao do curso o ambiente cultural, no caso especfico da Geografia, no
era suficientemente amadurecido para que sua produo cientfica fosse no
apenas reconhecida, mas tambm frutificasse.
Mas, antes disso j existiam gegrafos e historiadores no Brasil, que
atuavam em ambas as reas, como Delgado de Carvalho, Alfredo Ellis Jr.,
Afonso de Taunay, entre outros. Eduardo de Oliveira Frana (1994) lembra
que, por isso, o impacto da fundao dos cursos na USP tenha sido bem
menor para a Histria que sua criao para a Geografia. Nas palavras dele:
Comparado, por exemplo, ao que sucedeu com a Geografia, em nosso campo
foi menor o impacto causado pela criao da Faculdade de Filosofia. Em nosso
pas havia uma historiografia tradicional e nossa pesquisa teria naturalmentede se desenvolver em Histria do Brasil. Ora, na Faculdade foram professores
de Histria do Brasil, historiadores brasileiros Afonso Taunay e Alfredo Ellis
Jnior , afeioados a uma orientao tradicional. Somente mais tarde o
professor Srgio Buarque entrou como docente na Faculdade. Assim, a
influncia modernizadora dos professores estrangeiros foi neutralizada por
aqueles historiadores brasileiros comprometidos com uma viso mais
tradicional da Histria.
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Fernando Novaes (1994) tambm fala da importncia dos professores
Taunay e Ellis Jr. Para a Histria do Brasil:
Ambos marcaram a primeira fase dos trabalhos dessa ctedra,
seguindo uma orientao tradicional. Em razo disso, a modernizao da
historiografia se deu, no nos temas de Histria do Brasil, mas, atravs da
ctedra de Histria Geral da Civilizao. Ou seja, pela cadeira ocupada pelos
professores estrangeiros.
Tal ambiente talvez explique o fato de que o curso de Geografia, no
seio da ento Subseo de Geografia e Histria, surgiu como linha auxiliar do
curso de Histria. Tratava-se de uma das formas tradicionais de entender a
Geografia, campo que deveria subsidiar a Histria, conforme as palavras de
Pasquale Petrone (1994).
Essa introduo visa apresentar o quadro acadmico institucional no
qual os primeiros gegrafos e historiadores formados no Brasil produziram. A
partir dele podemos compreender como se deu a construo de paisagens
pretritas, em especial a configurao territorial no planalto paulistano entre os
sculos XVI e XVII. Nossa tese principal a de que gegrafos dessas
primeiras geraes (principalmente dos anos cinquenta e comeo dos anos
sessenta), constroem paisagens pretritas a partir dos trabalhos de seus
predecessores principalmente os historiadores que dominavam o cenrio
acadmico institucional quando da formao dos cursos de Geografia e
Histria no Brasil.
A paisagem colonial na obra de Aroldo de Azevedo
Aroldo de Azevedo, em Vilas e Cidades do Brasil Colonial (1956) tem
como objetivo focalizar a repartio geogrfica dos aglomerados urbanos dosculo XVI ao inicio do sculo XIX e suas caractersticas essenciais. Esse
estudo, por ele intitulado de geografia urbana retrospectiva segue o modelo
dos estudos do gegrafo francs Roger Dion (1949), da Geografia Humana
Retrospectiva1, que procurou reconstituir a paisagem natural e a paisagem
humanizada correspondentes ao passado, interpretando-as luz dos
ensinamentos da Geografia Moderna(p.7).
1 A Geografia Humana retrospectiva, ou Geografia Histrica de Roger Dion trata-se de uma geografiaretrospectiva, que estuda o espao de um tempo passado. O objeto especfico, no o mtodo, conforme
Dictionnaire de Gegraphie et de Espace des Societs. J. Levy e M. Lussault. Paris, Belin, 2003, p. 465.
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Azevedo traa a tipologia dos aglomerados feitorias (ou cabeas de
ponte), vilas e cidades (no caso de So Paulo, boca de serto) - embasada
na tipologia proposta por Pierre Deffontaines (1935 e 1944). A concentrao
desses sugeriu ao autor uma regionalizao econmica dos aglomerados
quinhentistas: a regio vicentina e a regio pernambucana com 5 e 4 vilas
respectivamente, alm de um esboo de regio, com uma cidade e duas vilas,
em Salvador. Todos, exceto So Paulo considerada boca do serto, eram
aglomerados urbanos martimos. Salvador e Rio de Janeiro destacavam-se
por sua funo poltico-administrativa e Olinda e So Vicente como centros
econmicos e cabeas de ponte das duas prsperas capitanias.
Nos demais perodos (sculo XVII ao inicio do sculo XIX), esse autor
segue com a tipologia dos aglomerados, apresentando o nmero de cidades e
vilas criadas e destacando os maiores centros urbanos de cada perodo.
As fontes utilizadas restringem-se aos historiadores publicados at 1950:
H. Vianna, M. Fleiuss, Gandavo, Assis Cintra, Aires de Casal, T. de Azevedo,
F. de Azevedo e Afonso de Taunay, dentre outros. Utiliza tambm documentos
de viajantes, mas em nmero muito reduzido, como Joan Nieuhof, Gaspar
Barlu, John Mawe e Spix e Martius, para apresentar os dados estatsticos
sugeridos por estes, mais do que suas impresses sobre as paisagens
coloniais. O autor utiliza tambm de informao secundria de vasto nmero de
obras histricas de carter nacional e regional, para levantar dados das
cidades e vilas estudadas.
A partir dessas mesmas fontes, aborda outros temas como as
caractersticas dos aglomerados coloniais onde faz inferncias sobre os
aspectos estratgicos da localizao; o papel dos cursos dgua na escolha do
stio e consideraes sobre o traado, funo e nomenclatura dos stios.Como ultimo captulo, apresenta e discute a tese de O. Vianna (1949)
sobre o carter anti-urbano do Brasil colonial. Analisa esse autor e vrios
historiadores (P. Prado, A. Machado e S. B. de Holanda) que, segundo ele,
partilhavam dessa idia, concordando nos aspectos relacionados ao modo de
vida dos cidados da colnia, mas discordando dos aspectos referentes
paisagem colonial, reportando-se aos 225 aglomerados urbanos existentes no
final do perodo e justificando que tal nmero no desmentia a Geografia, queafirmava ser a concentrao urbana um fenmeno recente (p.83).
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Em Aldeias e Aldeamentos de ndios (1959), Aroldo de Azevedo
busca tipificar, localizar e mostrar a estrutura desses dois tipos de aglomerados
no tratados no texto anterior e apresent-los de acordo com a regionalizao
em vigor. Parte da afirmao de que as aldeias de ndios no podem ser vistas
como embries de cidades2, j que somente os aldeamentos teriam esse
carter por possurem o elemento civilizador (p.23).
Cabe lembrar que o autor considera aldeia como povoado construdo
pelos prprios ndios, com recursos de sua tcnica primitiva e de acordo com
sua cultura, sem a interferncia de elementos da cultura dita civilizada (p.23).
Constatado o fato, apresenta as aldeias de ndios atravs da localizao e
estrutura. Ao falar da localizao das aldeias usa de excertos de descries
feitas por outros autores: ao p da serra, prximas aos cursos dgua ou
em lugar elevado, arejado, na vizinhana dos rios (p. 24). Com relao
estrutura generaliza, citando Estevo Pinto3, que as aldeias tupi quinhentistas
tinham suas habitaes dispostas em torno de um ptio geralmente quadrado,
o qual representava o frum destinado s atividades religiosas e sociais do
grupo, alm de serem dotadas de paliadas ou caiaras, dos tamoios
cercas construdas de varas ou troncos finos, que davam aldeia aspecto de
fortificao. Azevedo lembra que tais estruturas foram imediatamente
adotadas pelos portugueses, tanto nas feitorias, como nas vilas do sculo XVI
(p.26).
Quanto aos aldeamentos, os apresenta no mais restringindo
localizao e a estrutura, mas destacando o papel das obras missionrias
(p.26) e das obras leigas - atravs do extinto Servio de Proteo ao ndio -
(p.29), no processo de urbanizao. A partir da, regionaliza e quantifica as
cidades e vilas surgidas de aldeamentos de ndios: quantos e quais naAmaznia, no NE, na regio Leste, no Sul e no Centro Oeste.
As fontes utilizadas so autores da histria E. Schaden, S. F. de
Abreu, Serafim Leite e Capistrano de Abreu e da etnologia e antropologia,
principalmente padres que relataram suas visitas, estudos e/ou experincias
nas obras missionrias H. Baldus, G. Boggiani, E. Rivasseau, J.M. Madureira,
Pizarro e Arajo, P. Massa, E. Pinto e A. Sepp. Quanto s obras leigas, utiliza
2 Tema j tratado por ele anteriormente, em Embries de Cidades brasileiras. Boletim Paulista deGeografia n. 25, So Paulo, 1957, p. 35.3 PINTO, Estevo. Os indgenas do nordeste. So Paulo, Cia. Editora Nacional, 1938, tomo II, p. 163.
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dados do SPI e Arquivo do Estado. Para justificar a obra de urbanizao feita
via aldeamentos, cita descries de viajantes como Condamine, Spix e Martius,
Saint Hilaire e Pohl, dentre outros.
Ao opor as aldeias aos aldeamentos os diferencia, como dito, pelo
elemento civilizador contido nos ltimos. Eram aglomerados criados e no
espontneos, termos utilizados para contrapor o aldeamento aldeia. Cabe
aqui um parntesis: Azevedo est retomando uma discusso a diferenciao
entre aldeias e aldeamentos desdobrando uma discusso que j aparece no
seu texto de 1957, Embries de cidades brasileiras. L ele apresenta uma
tipologia dos povoados caracterizados como embries de cidades que podem
ser encontrados no Brasil, dentre eles esto as aldeias e os aldeamentos de
ndios, (p.35). Lembra que Rubens Borba de Moraes (1935) e Pierre
Deffontaines (1944) foram autores que apresentaram tipologias semelhantes4.
No mesmo texto, mais adiante, ao aprofundar esse item de sua tipologia, usa
os mesmos argumentos encontrados no texto de 1959 para distinguir aldeias
de aldeamentos e afirma que tal distino importante porque, em princpio,
as aldeias de ndios no podem ser consideradas embries de cidades, bem ao
contrrio do que acontece aos aldeamentos (p.39). As argumentaes para a
inadequao das aldeias, alm da ausncia do elemento civilizador, aparecem
ligadas s suas formas, ora em plano circular (Bororos e Canelas), ora em
plano retangular (Tupis). O plano circular de ambas (Bororos e Canelas)
mostra muito bem que tais aldeias no podem ser consideradas como
embries de cidades(p.40).
Azevedo, nessa aparente contradio, parece titubear diante de uma
verdade estabelecida. Ousa classificar as aldeias como embries de cidades,
mas volta atrs. Apesar disso, em ambos os textos, ele marca posio com aseguinte argumentao: Todavia justifica-se nossa referncia s aldeias de
ndios porque muitos elementos originais, caractersticos desses aglomerados
indgenas, vem-se conservados nos aldeamentos (1957, p.39). Isto justifica
a referncia que ora lhes fazemos, se bem que de maneira muito sinttica
(1959, p.24).
4 Ambos ignoram as aldeias indgenas como possveis embries de cidades, mas ambos consideram osaldeamentos. Moraes utiliza o termo aldeias de ndios para se referir aos aldeamentos, assim como
Deffontaines utiliza o termo redues.
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A paisagem colonial na obra de Pasquale Petrone
Pasquale Petrone na sua obra principal, Aldeamentos Paulistas, de
1965 (publicada em 1995), tem como objetivo esboar quadros pretritos,
paisagens desaparecidas, a partir dos quadros atuais, visando a compreenso
dos processos de criao das paisagens culturais (p.11). Em suas palavras
procurou-se verificar o significado da presena do aldeamento no processo
particular de organizao do espao do Planalto Paulistano e reas
contguas... uma tentativa de interpretar fatos do passado que, de uma ou de
outra forma, se entrosam com os do presente, propiciando melhor
compreenso dos fatos atuais na organizao do espao(p.14-16).
Na primeira parte do trabalho, segue a metodologia de seu orientador
o professor Aroldo de Azevedo - informando-nos a respeito da fisionomia, da
estrutura, das funes e da importncia dos centros urbanos do Planalto
paulistano e da Baixada Santista (tipologia), considerados em conjunto, um
nico sistema (regionalizao).
Analisa primeiramente a posio geogrfica do ncleo paulistano (no
da cidade de So Paulo, mas da rea que convencionou-se chamar de
Campos de Piratininga) e da vocao cristalizadora do povoamento da rea do
Campo, buscando mostrar que a condio de core demogrfico j estava
definida para os Campos de Piratininga em poca pr-cabralina(p.12), ou seja
a valorizao da posio dessa rea se verificava antes da chegada do
europeu, j estava expressa no artigo de Caio Prado Jr. (1935) O fator
Geogrfico na formao e Desenvolvimento da Cidade de So Paulo , que
exerce forte influencia sobre os autores estudados5.
Mas h um elemento novo aqui: o conceito de paisagem cultural,
definido por Carl Sauer (2004) em 1925 como modelada a partir de umapaisagem natural por um grupo cultural. A cultura o agente, a rea natural o
meio, a paisagem cultural o resultado. Petrone no cita Sauer, mas trabalha
com autores da chamada Geografia Histrica como R. Dion, O. Marinelli, J.
Brunhes e C. Vallaux, que discutiram essa temtica.
5 A tese de que a posio geogrfica de So Paulo explica o papel proeminente que a cidade teve e tem na
economia nacional que o Planalto Paulistano (e nele os Campos de Piratininga ) o centro de umentroncamento natural de trs grandes passagens definidas pelo relevo para o interior do continente, que o
clima saudvel e a ocupao por vrios grupos indigenas at a colonizao atesta a excelncia do local.
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Essa geografia que valoriza as paisagens culturais fica expressa nos
temas desenvolvidos como quando afirma que formas pretritas de
valorizao, j resultantes da interao entre condies do quadro natural e
grupos humanos com determinada bagagem tcnica, expressam-se em
quadros culturais em face dos quais, em poca posterior, o homem d margem
a novos processos de interao. Assim, por exemplo, as formas de valorizao
da baixada litornea ou de terras do planalto pelo amerndio em poca
imediatamente pr-cabralina, assim como a definio de instrumentos de
circulao entre as duas reas, implicaram um longo processo em que a
experincia adquirida por muitas geraes, levou a uma determinada
organizao do espao... Insiste-se, portanto, que mesmo formas atuais de
organizao do espao, na aparncia inteiramente novas, no podem ser
dissociadas, in totum, de formas anteriores(p.13).
A terceira parte do trabalho uma construo das paisagens pretritas
dos aldeamentos do Planalto Paulistano, feita a partir de vasta documentao
primria e autores at ento ignorados por Azevedo, como Sergio Buarque de
Holanda, apesar de conter uma estrutura dita tradicional nos estudos
geogrficos (o stio, a administrao, evoluo, funes, estrutura, aspectos
demogrficos, principais atividades, o problema das terras, quadro de vida
diria).
A questo das aldeias como embries de cidades aqui retomada e
discutida. Petrone v as aldeias indgenas como stios aproveitados para a
criao de novos aglomerados, a partir da leitura de S. B. de Holanda (1956,
1957), citado para justificar os argumentos a seguir. Em sntese, os quadros
de povoamento pr-cabralino forneceram os elementos que, utilizados primeiro
pelos jesutas na sua ao catequisadora, resultaram na definio, pelosaldeamentos, de importantes instrumentos no processo de colonizao.
evidente que os referidos quadros devem ter tido importncia no descurvel
na criao de novos ncleos. Isso tendo em vista que o colono, e o europeu de
um modo geral, conseguiu sobreviver na nova terra em especial porque soube
utilizar-se, a seu proveito, da experincia indgena. Foi assim que os gneros
de vida foram definidos, foi assim com a utilizao dos caminhos e foi assim
com a maior parte dos stios aproveitados para a organizao dos
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aglomerados. As aldeias pr-cabralinas, em conseqncia, frequentemente
devem ter tido continuidade na fase ps-cabralina(p.109).
Concluses
As obras aqui analisadas fazem parte de um universo maior,
desenvolvidas pelo grupo de historiadores e gegrafos dirigido por Aroldo de
Azevedo entre os anos cinquenta e sessenta, na sub-sesso de Geografia e
Histria da FFCL da Universidade de So Paulo. Devem ser ai includos os
quatro volumes de A cidade de So Paulo: estudos de Geografia Urbana
(1958), Pinheiros: estudo geogrfico de um bairro paulistano (1963) e A
Baixada Santista (1965), dentre outros. A preocupao central nessas obras
era entender o processo de estruturao do espao urbano e suburbano e o
papel proeminente que a capital tinha no sculo XX sobre o Planalto Paulistano
e o estado, ou seja, seu objetivo explicito era entender a posio de So Paulo
na contemporaneidade. Predominou, entre esses intelectuais, a percepo de
que o colono foi o idealizador dos cenrios humanizados das cidades e os
ndios, a mo de obra.
Observou-se que a base documental das obras de Aroldo de Azevedo
secundria: ele se utiliza das interpretaes dos historiadores que escreveram
em perodo imediatamente anterior (dcadas de trinta e quarenta) para
construir a paisagem urbana da colnia. J Pasquale Petrone apia-se em
dados primrios e tambm nos historiadores e gegrafos que o antecederam.
A investigao do urbano que ambos desenvolvem segue um tratamento
terico metodolgico dado por seus mestres Pierre Deffontaines e Pierre
George, que inclui estabelecimento de tipologia, apresentao da estrutura e
proposta de regionalizao. Essa metodologia clara nas obras de Azevedo.J na obra analisada de Petrone, observamos que, alm da tipologia, estrutura
e regionalizao, esse autor se preocupa com a construo de uma paisagem
cultural do subrbio, utilizando-se de outros mestres franceses, como Jean
Brunhes e Camile Vallaux, alm de incluir as obras de S. B. de Holanda em
suas consideraes - apesar de considerar as sociedades tribais e o que dela
se projetou no presente o subrbio como decadentes. Ainda que Petrone
dialogue com S. B. de Holanda quando afirma a existncia de fragmentos detempos pretritos, distancia-se deste quando deixa de observ-los e analis-
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los. Srgio Buarque de Holanda esclarece as formas e modos de intervenes
indgenas na natureza. Assim, atribui movimento aos ndios que, da mesma
forma que o colono, incorporam algumas ferramentas estranhas sua cultura,
mas que auxiliam em sua sobrevivncia. Para este historiador, o Brasil
resultado do encontro de culturas. Diferentemente, Petrone observa a realidade
brasileira como composta por uma dualidade, um setor moderno e outro
atrasado, destitudo de dinmica.
No que se refere paisagem colonial construda pelos autores, preciso
ter em mente que a paisagem no constitui um fato, existe somente enquanto
elaborao intelectual, atravs da qual selecionam-se e organizam-se
elementos concretos apresentados na forma de uma descrio, uma pintura,
um cenrio, uma fotografia. Na elaborao desse quadro, entram no s
materiais nos quais facilmente se consegue distinguir a representao do
representado, mas tambm juzos de valor, mitos antigos e necessidades
presentes, que determinam a seleo e a organizao das matrias que
compem a paisagem. Esses condicionantes podem ser tanto inconscientes -
o fato de no se ver - ou conscientes o fato de se querer omitir por se
considerar irrelevante ou por necessidade. Assim a representao contm
mais do que o representado, no pode ser encarada como um simples reflexo
(Correa, 1997).
A representao de paisagens urbanas pretritas atravs de uma
tipologia, como apresentado por Azevedo e as paisagens advindas dos termos
empregados cabea de ponte e boca do serto, nos levam a imaginar
aglomerados diferentes: o primeiro como n de uma rede e o segundo como
limite do mundo civilizado. Essa construo, que impe a separao entre
civilizao (a vila, o aldeamento) e barbrie (o serto, a aldeia), herdadados antecessores historiadores e gegrafos mas reafirmada atravs de
argumentos conscientemente contestveis (como a forma circular das aldeias
Bororo ou a retangular das aldeias Tupi), porm relevantes, de acordo com a
construo pretendida pelo autor. Nesse sentido, nas descries de paisagens
podem ser encontrados elementos da realidade ao mesmo tempo em que se
oculta um mundo que se estranha e no se consegue ou no se quer ver.
Muitas vezes, apenas se focaliza aquilo que interessa. Elas so imagens que
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um grupo, um povo ou uma classe tem de si mesmo e impe para o resto da
sociedade, e pelas quais procura perpetuar uma dominao(Correa, 1997).
Petrone, apesar de inserir um novo conceito, o de paisagem cultural, e
de dialogar com Sergio Buarque de Holanda, tambm nos apresenta uma
paisagem dual, que contrape civilizao e barbrie, ao apresentar as
sociedades tribais e o que dela se projetou no presente o subrbio como
decadentes.
Ao se reconstruir uma paisagem abrangendo seu movimento, no h
como fugir s representaes que lhe do forma, tem-se que super-las pela
crtica para se divisar o real... A representao engloba a ideologia, e ambas
tm suas razes no vivido, porm elas no devem ser confundidas. A ideologia
uma construo muito mais consciente, fazendo parte de uma ttica de ao,
enquanto a primeira encontra-se incorporada a uma estratgia inconsciente de
domnio. A fora de ambas est no fato de deitarem razes no real (Correa,
1997).
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