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    Paisagem e Olhares: a paisagem nos discursos geogrfico e histrico

    Eliane Kuvasney

    Mestre em Geografia Humana

    Professora do Curso de Geografia

    UNIFIEO (Osasco SP, Brasil)

    Introduo

    Os primeiros gegrafos e historiadores formados no Brasil possuam no

    currculo uma formao dupla em Geografia e Histria. A formao

    interdisciplinar e humanstica era a marca dos cursos fundados em 1934 na

    Universidade de So Paulo. Para formar esses primeiros gegrafos e

    historiadores vieram jovens pesquisadores franceses como Fernand Braudel,

    Pierre Deffontaines, Jean Gag e Pierre Monbeig, entre outros.

    Conforme lembrou Pasquale Petrone (1994) o que ocorre a partir da

    fundao da Faculdade de Filosofia, Cincias e Letras em So Paulo

    explicado como uma revoluo, no caso da Geografia, pois segundo ele, antes

    da criao do curso o ambiente cultural, no caso especfico da Geografia, no

    era suficientemente amadurecido para que sua produo cientfica fosse no

    apenas reconhecida, mas tambm frutificasse.

    Mas, antes disso j existiam gegrafos e historiadores no Brasil, que

    atuavam em ambas as reas, como Delgado de Carvalho, Alfredo Ellis Jr.,

    Afonso de Taunay, entre outros. Eduardo de Oliveira Frana (1994) lembra

    que, por isso, o impacto da fundao dos cursos na USP tenha sido bem

    menor para a Histria que sua criao para a Geografia. Nas palavras dele:

    Comparado, por exemplo, ao que sucedeu com a Geografia, em nosso campo

    foi menor o impacto causado pela criao da Faculdade de Filosofia. Em nosso

    pas havia uma historiografia tradicional e nossa pesquisa teria naturalmentede se desenvolver em Histria do Brasil. Ora, na Faculdade foram professores

    de Histria do Brasil, historiadores brasileiros Afonso Taunay e Alfredo Ellis

    Jnior , afeioados a uma orientao tradicional. Somente mais tarde o

    professor Srgio Buarque entrou como docente na Faculdade. Assim, a

    influncia modernizadora dos professores estrangeiros foi neutralizada por

    aqueles historiadores brasileiros comprometidos com uma viso mais

    tradicional da Histria.

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    Fernando Novaes (1994) tambm fala da importncia dos professores

    Taunay e Ellis Jr. Para a Histria do Brasil:

    Ambos marcaram a primeira fase dos trabalhos dessa ctedra,

    seguindo uma orientao tradicional. Em razo disso, a modernizao da

    historiografia se deu, no nos temas de Histria do Brasil, mas, atravs da

    ctedra de Histria Geral da Civilizao. Ou seja, pela cadeira ocupada pelos

    professores estrangeiros.

    Tal ambiente talvez explique o fato de que o curso de Geografia, no

    seio da ento Subseo de Geografia e Histria, surgiu como linha auxiliar do

    curso de Histria. Tratava-se de uma das formas tradicionais de entender a

    Geografia, campo que deveria subsidiar a Histria, conforme as palavras de

    Pasquale Petrone (1994).

    Essa introduo visa apresentar o quadro acadmico institucional no

    qual os primeiros gegrafos e historiadores formados no Brasil produziram. A

    partir dele podemos compreender como se deu a construo de paisagens

    pretritas, em especial a configurao territorial no planalto paulistano entre os

    sculos XVI e XVII. Nossa tese principal a de que gegrafos dessas

    primeiras geraes (principalmente dos anos cinquenta e comeo dos anos

    sessenta), constroem paisagens pretritas a partir dos trabalhos de seus

    predecessores principalmente os historiadores que dominavam o cenrio

    acadmico institucional quando da formao dos cursos de Geografia e

    Histria no Brasil.

    A paisagem colonial na obra de Aroldo de Azevedo

    Aroldo de Azevedo, em Vilas e Cidades do Brasil Colonial (1956) tem

    como objetivo focalizar a repartio geogrfica dos aglomerados urbanos dosculo XVI ao inicio do sculo XIX e suas caractersticas essenciais. Esse

    estudo, por ele intitulado de geografia urbana retrospectiva segue o modelo

    dos estudos do gegrafo francs Roger Dion (1949), da Geografia Humana

    Retrospectiva1, que procurou reconstituir a paisagem natural e a paisagem

    humanizada correspondentes ao passado, interpretando-as luz dos

    ensinamentos da Geografia Moderna(p.7).

    1 A Geografia Humana retrospectiva, ou Geografia Histrica de Roger Dion trata-se de uma geografiaretrospectiva, que estuda o espao de um tempo passado. O objeto especfico, no o mtodo, conforme

    Dictionnaire de Gegraphie et de Espace des Societs. J. Levy e M. Lussault. Paris, Belin, 2003, p. 465.

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    Azevedo traa a tipologia dos aglomerados feitorias (ou cabeas de

    ponte), vilas e cidades (no caso de So Paulo, boca de serto) - embasada

    na tipologia proposta por Pierre Deffontaines (1935 e 1944). A concentrao

    desses sugeriu ao autor uma regionalizao econmica dos aglomerados

    quinhentistas: a regio vicentina e a regio pernambucana com 5 e 4 vilas

    respectivamente, alm de um esboo de regio, com uma cidade e duas vilas,

    em Salvador. Todos, exceto So Paulo considerada boca do serto, eram

    aglomerados urbanos martimos. Salvador e Rio de Janeiro destacavam-se

    por sua funo poltico-administrativa e Olinda e So Vicente como centros

    econmicos e cabeas de ponte das duas prsperas capitanias.

    Nos demais perodos (sculo XVII ao inicio do sculo XIX), esse autor

    segue com a tipologia dos aglomerados, apresentando o nmero de cidades e

    vilas criadas e destacando os maiores centros urbanos de cada perodo.

    As fontes utilizadas restringem-se aos historiadores publicados at 1950:

    H. Vianna, M. Fleiuss, Gandavo, Assis Cintra, Aires de Casal, T. de Azevedo,

    F. de Azevedo e Afonso de Taunay, dentre outros. Utiliza tambm documentos

    de viajantes, mas em nmero muito reduzido, como Joan Nieuhof, Gaspar

    Barlu, John Mawe e Spix e Martius, para apresentar os dados estatsticos

    sugeridos por estes, mais do que suas impresses sobre as paisagens

    coloniais. O autor utiliza tambm de informao secundria de vasto nmero de

    obras histricas de carter nacional e regional, para levantar dados das

    cidades e vilas estudadas.

    A partir dessas mesmas fontes, aborda outros temas como as

    caractersticas dos aglomerados coloniais onde faz inferncias sobre os

    aspectos estratgicos da localizao; o papel dos cursos dgua na escolha do

    stio e consideraes sobre o traado, funo e nomenclatura dos stios.Como ultimo captulo, apresenta e discute a tese de O. Vianna (1949)

    sobre o carter anti-urbano do Brasil colonial. Analisa esse autor e vrios

    historiadores (P. Prado, A. Machado e S. B. de Holanda) que, segundo ele,

    partilhavam dessa idia, concordando nos aspectos relacionados ao modo de

    vida dos cidados da colnia, mas discordando dos aspectos referentes

    paisagem colonial, reportando-se aos 225 aglomerados urbanos existentes no

    final do perodo e justificando que tal nmero no desmentia a Geografia, queafirmava ser a concentrao urbana um fenmeno recente (p.83).

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    Em Aldeias e Aldeamentos de ndios (1959), Aroldo de Azevedo

    busca tipificar, localizar e mostrar a estrutura desses dois tipos de aglomerados

    no tratados no texto anterior e apresent-los de acordo com a regionalizao

    em vigor. Parte da afirmao de que as aldeias de ndios no podem ser vistas

    como embries de cidades2, j que somente os aldeamentos teriam esse

    carter por possurem o elemento civilizador (p.23).

    Cabe lembrar que o autor considera aldeia como povoado construdo

    pelos prprios ndios, com recursos de sua tcnica primitiva e de acordo com

    sua cultura, sem a interferncia de elementos da cultura dita civilizada (p.23).

    Constatado o fato, apresenta as aldeias de ndios atravs da localizao e

    estrutura. Ao falar da localizao das aldeias usa de excertos de descries

    feitas por outros autores: ao p da serra, prximas aos cursos dgua ou

    em lugar elevado, arejado, na vizinhana dos rios (p. 24). Com relao

    estrutura generaliza, citando Estevo Pinto3, que as aldeias tupi quinhentistas

    tinham suas habitaes dispostas em torno de um ptio geralmente quadrado,

    o qual representava o frum destinado s atividades religiosas e sociais do

    grupo, alm de serem dotadas de paliadas ou caiaras, dos tamoios

    cercas construdas de varas ou troncos finos, que davam aldeia aspecto de

    fortificao. Azevedo lembra que tais estruturas foram imediatamente

    adotadas pelos portugueses, tanto nas feitorias, como nas vilas do sculo XVI

    (p.26).

    Quanto aos aldeamentos, os apresenta no mais restringindo

    localizao e a estrutura, mas destacando o papel das obras missionrias

    (p.26) e das obras leigas - atravs do extinto Servio de Proteo ao ndio -

    (p.29), no processo de urbanizao. A partir da, regionaliza e quantifica as

    cidades e vilas surgidas de aldeamentos de ndios: quantos e quais naAmaznia, no NE, na regio Leste, no Sul e no Centro Oeste.

    As fontes utilizadas so autores da histria E. Schaden, S. F. de

    Abreu, Serafim Leite e Capistrano de Abreu e da etnologia e antropologia,

    principalmente padres que relataram suas visitas, estudos e/ou experincias

    nas obras missionrias H. Baldus, G. Boggiani, E. Rivasseau, J.M. Madureira,

    Pizarro e Arajo, P. Massa, E. Pinto e A. Sepp. Quanto s obras leigas, utiliza

    2 Tema j tratado por ele anteriormente, em Embries de Cidades brasileiras. Boletim Paulista deGeografia n. 25, So Paulo, 1957, p. 35.3 PINTO, Estevo. Os indgenas do nordeste. So Paulo, Cia. Editora Nacional, 1938, tomo II, p. 163.

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    dados do SPI e Arquivo do Estado. Para justificar a obra de urbanizao feita

    via aldeamentos, cita descries de viajantes como Condamine, Spix e Martius,

    Saint Hilaire e Pohl, dentre outros.

    Ao opor as aldeias aos aldeamentos os diferencia, como dito, pelo

    elemento civilizador contido nos ltimos. Eram aglomerados criados e no

    espontneos, termos utilizados para contrapor o aldeamento aldeia. Cabe

    aqui um parntesis: Azevedo est retomando uma discusso a diferenciao

    entre aldeias e aldeamentos desdobrando uma discusso que j aparece no

    seu texto de 1957, Embries de cidades brasileiras. L ele apresenta uma

    tipologia dos povoados caracterizados como embries de cidades que podem

    ser encontrados no Brasil, dentre eles esto as aldeias e os aldeamentos de

    ndios, (p.35). Lembra que Rubens Borba de Moraes (1935) e Pierre

    Deffontaines (1944) foram autores que apresentaram tipologias semelhantes4.

    No mesmo texto, mais adiante, ao aprofundar esse item de sua tipologia, usa

    os mesmos argumentos encontrados no texto de 1959 para distinguir aldeias

    de aldeamentos e afirma que tal distino importante porque, em princpio,

    as aldeias de ndios no podem ser consideradas embries de cidades, bem ao

    contrrio do que acontece aos aldeamentos (p.39). As argumentaes para a

    inadequao das aldeias, alm da ausncia do elemento civilizador, aparecem

    ligadas s suas formas, ora em plano circular (Bororos e Canelas), ora em

    plano retangular (Tupis). O plano circular de ambas (Bororos e Canelas)

    mostra muito bem que tais aldeias no podem ser consideradas como

    embries de cidades(p.40).

    Azevedo, nessa aparente contradio, parece titubear diante de uma

    verdade estabelecida. Ousa classificar as aldeias como embries de cidades,

    mas volta atrs. Apesar disso, em ambos os textos, ele marca posio com aseguinte argumentao: Todavia justifica-se nossa referncia s aldeias de

    ndios porque muitos elementos originais, caractersticos desses aglomerados

    indgenas, vem-se conservados nos aldeamentos (1957, p.39). Isto justifica

    a referncia que ora lhes fazemos, se bem que de maneira muito sinttica

    (1959, p.24).

    4 Ambos ignoram as aldeias indgenas como possveis embries de cidades, mas ambos consideram osaldeamentos. Moraes utiliza o termo aldeias de ndios para se referir aos aldeamentos, assim como

    Deffontaines utiliza o termo redues.

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    A paisagem colonial na obra de Pasquale Petrone

    Pasquale Petrone na sua obra principal, Aldeamentos Paulistas, de

    1965 (publicada em 1995), tem como objetivo esboar quadros pretritos,

    paisagens desaparecidas, a partir dos quadros atuais, visando a compreenso

    dos processos de criao das paisagens culturais (p.11). Em suas palavras

    procurou-se verificar o significado da presena do aldeamento no processo

    particular de organizao do espao do Planalto Paulistano e reas

    contguas... uma tentativa de interpretar fatos do passado que, de uma ou de

    outra forma, se entrosam com os do presente, propiciando melhor

    compreenso dos fatos atuais na organizao do espao(p.14-16).

    Na primeira parte do trabalho, segue a metodologia de seu orientador

    o professor Aroldo de Azevedo - informando-nos a respeito da fisionomia, da

    estrutura, das funes e da importncia dos centros urbanos do Planalto

    paulistano e da Baixada Santista (tipologia), considerados em conjunto, um

    nico sistema (regionalizao).

    Analisa primeiramente a posio geogrfica do ncleo paulistano (no

    da cidade de So Paulo, mas da rea que convencionou-se chamar de

    Campos de Piratininga) e da vocao cristalizadora do povoamento da rea do

    Campo, buscando mostrar que a condio de core demogrfico j estava

    definida para os Campos de Piratininga em poca pr-cabralina(p.12), ou seja

    a valorizao da posio dessa rea se verificava antes da chegada do

    europeu, j estava expressa no artigo de Caio Prado Jr. (1935) O fator

    Geogrfico na formao e Desenvolvimento da Cidade de So Paulo , que

    exerce forte influencia sobre os autores estudados5.

    Mas h um elemento novo aqui: o conceito de paisagem cultural,

    definido por Carl Sauer (2004) em 1925 como modelada a partir de umapaisagem natural por um grupo cultural. A cultura o agente, a rea natural o

    meio, a paisagem cultural o resultado. Petrone no cita Sauer, mas trabalha

    com autores da chamada Geografia Histrica como R. Dion, O. Marinelli, J.

    Brunhes e C. Vallaux, que discutiram essa temtica.

    5 A tese de que a posio geogrfica de So Paulo explica o papel proeminente que a cidade teve e tem na

    economia nacional que o Planalto Paulistano (e nele os Campos de Piratininga ) o centro de umentroncamento natural de trs grandes passagens definidas pelo relevo para o interior do continente, que o

    clima saudvel e a ocupao por vrios grupos indigenas at a colonizao atesta a excelncia do local.

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    Essa geografia que valoriza as paisagens culturais fica expressa nos

    temas desenvolvidos como quando afirma que formas pretritas de

    valorizao, j resultantes da interao entre condies do quadro natural e

    grupos humanos com determinada bagagem tcnica, expressam-se em

    quadros culturais em face dos quais, em poca posterior, o homem d margem

    a novos processos de interao. Assim, por exemplo, as formas de valorizao

    da baixada litornea ou de terras do planalto pelo amerndio em poca

    imediatamente pr-cabralina, assim como a definio de instrumentos de

    circulao entre as duas reas, implicaram um longo processo em que a

    experincia adquirida por muitas geraes, levou a uma determinada

    organizao do espao... Insiste-se, portanto, que mesmo formas atuais de

    organizao do espao, na aparncia inteiramente novas, no podem ser

    dissociadas, in totum, de formas anteriores(p.13).

    A terceira parte do trabalho uma construo das paisagens pretritas

    dos aldeamentos do Planalto Paulistano, feita a partir de vasta documentao

    primria e autores at ento ignorados por Azevedo, como Sergio Buarque de

    Holanda, apesar de conter uma estrutura dita tradicional nos estudos

    geogrficos (o stio, a administrao, evoluo, funes, estrutura, aspectos

    demogrficos, principais atividades, o problema das terras, quadro de vida

    diria).

    A questo das aldeias como embries de cidades aqui retomada e

    discutida. Petrone v as aldeias indgenas como stios aproveitados para a

    criao de novos aglomerados, a partir da leitura de S. B. de Holanda (1956,

    1957), citado para justificar os argumentos a seguir. Em sntese, os quadros

    de povoamento pr-cabralino forneceram os elementos que, utilizados primeiro

    pelos jesutas na sua ao catequisadora, resultaram na definio, pelosaldeamentos, de importantes instrumentos no processo de colonizao.

    evidente que os referidos quadros devem ter tido importncia no descurvel

    na criao de novos ncleos. Isso tendo em vista que o colono, e o europeu de

    um modo geral, conseguiu sobreviver na nova terra em especial porque soube

    utilizar-se, a seu proveito, da experincia indgena. Foi assim que os gneros

    de vida foram definidos, foi assim com a utilizao dos caminhos e foi assim

    com a maior parte dos stios aproveitados para a organizao dos

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    aglomerados. As aldeias pr-cabralinas, em conseqncia, frequentemente

    devem ter tido continuidade na fase ps-cabralina(p.109).

    Concluses

    As obras aqui analisadas fazem parte de um universo maior,

    desenvolvidas pelo grupo de historiadores e gegrafos dirigido por Aroldo de

    Azevedo entre os anos cinquenta e sessenta, na sub-sesso de Geografia e

    Histria da FFCL da Universidade de So Paulo. Devem ser ai includos os

    quatro volumes de A cidade de So Paulo: estudos de Geografia Urbana

    (1958), Pinheiros: estudo geogrfico de um bairro paulistano (1963) e A

    Baixada Santista (1965), dentre outros. A preocupao central nessas obras

    era entender o processo de estruturao do espao urbano e suburbano e o

    papel proeminente que a capital tinha no sculo XX sobre o Planalto Paulistano

    e o estado, ou seja, seu objetivo explicito era entender a posio de So Paulo

    na contemporaneidade. Predominou, entre esses intelectuais, a percepo de

    que o colono foi o idealizador dos cenrios humanizados das cidades e os

    ndios, a mo de obra.

    Observou-se que a base documental das obras de Aroldo de Azevedo

    secundria: ele se utiliza das interpretaes dos historiadores que escreveram

    em perodo imediatamente anterior (dcadas de trinta e quarenta) para

    construir a paisagem urbana da colnia. J Pasquale Petrone apia-se em

    dados primrios e tambm nos historiadores e gegrafos que o antecederam.

    A investigao do urbano que ambos desenvolvem segue um tratamento

    terico metodolgico dado por seus mestres Pierre Deffontaines e Pierre

    George, que inclui estabelecimento de tipologia, apresentao da estrutura e

    proposta de regionalizao. Essa metodologia clara nas obras de Azevedo.J na obra analisada de Petrone, observamos que, alm da tipologia, estrutura

    e regionalizao, esse autor se preocupa com a construo de uma paisagem

    cultural do subrbio, utilizando-se de outros mestres franceses, como Jean

    Brunhes e Camile Vallaux, alm de incluir as obras de S. B. de Holanda em

    suas consideraes - apesar de considerar as sociedades tribais e o que dela

    se projetou no presente o subrbio como decadentes. Ainda que Petrone

    dialogue com S. B. de Holanda quando afirma a existncia de fragmentos detempos pretritos, distancia-se deste quando deixa de observ-los e analis-

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    los. Srgio Buarque de Holanda esclarece as formas e modos de intervenes

    indgenas na natureza. Assim, atribui movimento aos ndios que, da mesma

    forma que o colono, incorporam algumas ferramentas estranhas sua cultura,

    mas que auxiliam em sua sobrevivncia. Para este historiador, o Brasil

    resultado do encontro de culturas. Diferentemente, Petrone observa a realidade

    brasileira como composta por uma dualidade, um setor moderno e outro

    atrasado, destitudo de dinmica.

    No que se refere paisagem colonial construda pelos autores, preciso

    ter em mente que a paisagem no constitui um fato, existe somente enquanto

    elaborao intelectual, atravs da qual selecionam-se e organizam-se

    elementos concretos apresentados na forma de uma descrio, uma pintura,

    um cenrio, uma fotografia. Na elaborao desse quadro, entram no s

    materiais nos quais facilmente se consegue distinguir a representao do

    representado, mas tambm juzos de valor, mitos antigos e necessidades

    presentes, que determinam a seleo e a organizao das matrias que

    compem a paisagem. Esses condicionantes podem ser tanto inconscientes -

    o fato de no se ver - ou conscientes o fato de se querer omitir por se

    considerar irrelevante ou por necessidade. Assim a representao contm

    mais do que o representado, no pode ser encarada como um simples reflexo

    (Correa, 1997).

    A representao de paisagens urbanas pretritas atravs de uma

    tipologia, como apresentado por Azevedo e as paisagens advindas dos termos

    empregados cabea de ponte e boca do serto, nos levam a imaginar

    aglomerados diferentes: o primeiro como n de uma rede e o segundo como

    limite do mundo civilizado. Essa construo, que impe a separao entre

    civilizao (a vila, o aldeamento) e barbrie (o serto, a aldeia), herdadados antecessores historiadores e gegrafos mas reafirmada atravs de

    argumentos conscientemente contestveis (como a forma circular das aldeias

    Bororo ou a retangular das aldeias Tupi), porm relevantes, de acordo com a

    construo pretendida pelo autor. Nesse sentido, nas descries de paisagens

    podem ser encontrados elementos da realidade ao mesmo tempo em que se

    oculta um mundo que se estranha e no se consegue ou no se quer ver.

    Muitas vezes, apenas se focaliza aquilo que interessa. Elas so imagens que

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    um grupo, um povo ou uma classe tem de si mesmo e impe para o resto da

    sociedade, e pelas quais procura perpetuar uma dominao(Correa, 1997).

    Petrone, apesar de inserir um novo conceito, o de paisagem cultural, e

    de dialogar com Sergio Buarque de Holanda, tambm nos apresenta uma

    paisagem dual, que contrape civilizao e barbrie, ao apresentar as

    sociedades tribais e o que dela se projetou no presente o subrbio como

    decadentes.

    Ao se reconstruir uma paisagem abrangendo seu movimento, no h

    como fugir s representaes que lhe do forma, tem-se que super-las pela

    crtica para se divisar o real... A representao engloba a ideologia, e ambas

    tm suas razes no vivido, porm elas no devem ser confundidas. A ideologia

    uma construo muito mais consciente, fazendo parte de uma ttica de ao,

    enquanto a primeira encontra-se incorporada a uma estratgia inconsciente de

    domnio. A fora de ambas est no fato de deitarem razes no real (Correa,

    1997).

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